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Javier Milei (Foto: FMI / Flickr)

Milei na corda bomba: criptofraude com $LIBRA enfurece ricaços, afasta aliados e mune oposição

Esta não é a primeira vez que Milei se envolve em uma fraude bilionária com criptomoedas; agora, porém, o mandatário motosserra é alvo de ações judiciais nos EUA, na Europa e na Argentina
Martín Pared
El Salto
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

Uma inesperada crise política irrompeu no cenário institucional argentino com um impacto internacional significativo, provocada por uma criptofraude que coloca o presidente Javier Milei no centro da polêmica. A dinâmica foi a mesma de todas as fraudes piramidais garantidas por qualquer esquema Ponzi, em que os primeiros a ingressar obtêm os lucros com os dólares investidos pelos últimos.

O inédito e histórico neste caso foi a participação de um chefe de Estado na promoção direta, através de suas redes sociais — que contam com 3,8 milhões de seguidores no X —, para investir no $LIBRA, um token que havia sido criado três minutos antes e que desabou quatro horas depois, na última sexta-feira, 14 de fevereiro.

A criptomoeda foi criada pela KIP Network INC, uma empresa registrada no Panamá, cujo CEO, Julián Peh, havia se encontrado com Milei em outubro passado no Foro Tech da Argentina.

Este não é o primeiro escândalo em matéria de fraudes com ativos digitais no qual Milei tem algum tipo de participação. Até agora, o mais conhecido foi o da CoinX, quando Milei era deputado nacional

A cotação do $Libra passou em minutos de zero a 4,7 dólares (26,84 reais) e o valor global subiu até 4,5 bilhões de dólares. No entanto, abruptamente, um punhado de carteiras que concentravam a maioria dos tokens retirou 90 milhões de dólares, e a criptomoeda desabou em minutos, ocasionando perdas difíceis de calcular, majoritariamente entre os investidores nos Estados Unidos.

O presidente argentino demorou quatro horas para apagar o tuíte que promovia o $Libra e compartilhou outro no qual afirmou que supostamente não estava familiarizado com o projeto.

Este não é o primeiro escândalo em matéria de fraudes com ativos digitais no qual Milei tem algum tipo de participação. Até agora, o mais conhecido foi o da CoinX, quando Milei era deputado nacional.

Naquela ocasião, ele promoveu uma financeira digital que oferecia retornos em dólares e operações em criptomoedas. Muitos dos seguidores que o ouviram perderam seu dinheiro em outra fraude multimilionária.

Os tweets controversos de Javier Milei, que ele apagou depois que o golpe das criptomoedas já havia sido perpetrado.
O polêmico tuíte de Javier Milei, que apagou quando a criptofraude já havia sido perpetrada.

Explicações oficiais e indignação de influenciadores

No dia seguinte a essa nova fraude piramidal, no sábado, 15 de fevereiro, o governo divulgou um comunicado no qual confirmava que haviam ocorrido reuniões entre o presidente Milei e os criadores do $LIBRA. Além disso, o texto divulgado pelo Gabinete do Presidente indicava que seriam criadas investigações através do Escritório Anticorrupção e da Unidade de Tarefas de Investigação (UTI), que será criada para esse fim e estará na órbita do Poder Executivo, o que implica que será o próprio governo argentino o encarregado de investigar a si mesmo.”

No mesmo comunicado presidencial, informa-se que “no último dia 19 de outubro, o presidente Javier Milei manteve um encontro com os representantes do KIP Protocol na Argentina, no qual foi apresentada a intenção da empresa de desenvolver um projeto chamado ‘Viva la Libertad’ para financiar empreendimentos privados na República Argentina utilizando tecnologia blockchain”. Também confirmaram que houve outra reunião em 30 de janeiro passado na Casa Rosada entre o próprio Milei e Hayden Mark Davis, que “forneceria a infraestrutura tecnológica” para o desenvolvimento da cripto.

Escritórios de advocacia já promovem ações judiciais dos prejudicados tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, enquanto na Argentina são mais de 100 as denúncias apresentadas em diferentes tribunais federais contra o presidente

Na mesma noite de sábado, Davis divulgou um vídeo no qual acusa Milei de trair o projeto e afirma que o mandatário argentino “apoiava ativamente” e promovia a cripto nas plataformas de redes sociais. Davis também assegurou ser assessor e estar “trabalhando com ele e sua equipe em uma tokenização maior e em coisas realmente incríveis na Argentina”.

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Após o golpe, vários influenciadores do mundo das criptomoedas denunciaram nas redes sociais que perderam centenas de milhares de dólares ao investir no ativo, que colapsou. Um deles foi Thread Guy, que afirmou ter perdido 250 mil dólares e acusou diretamente o presidente ultraliberal: “Hoje foi um dia difícil. O presidente da Argentina, o presidente do vigésimo segundo maior país do mundo, nos enganou”.

A repercussão do escândalo antecipa consequências imprevisíveis, enquanto escritórios de advocacia já promovem ações judiciais dos prejudicados tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, enquanto na Argentina já são mais de cem as denúncias apresentadas em diferentes tribunais federais contra o primeiro mandatário. 

Julgamento político?

Desde a noite de sexta-feira (14), vários setores da oposição — com exceção do PRO, liderado pelo ex-presidente Macri — começaram a questionar Milei. O deputado do Partido Socialista, Esteban Paulón, apresentou o pedido de formação da Comissão de Julgamento Político “com o objetivo de investigar e emitir um parecer sobre a responsabilidade do presidente da Nação por sua possível participação na suposta fraude vinculada à cripto/token/memecoin $LIBRA”.

Já o peronista União pela Pátria, bloco liderado pelo deputado Germán Martínez, ressaltou que “a participação de Milei em um crime de fraude cripto é de enorme gravidade, um escândalo sem precedentes”, motivo pelo qual anunciaram a decisão de “avançar na apresentação de um pedido de julgamento político contra o presidente da Nação”.

“É um escândalo que o presidente reconheça que promoveu um golpe milionário e depois diga que não estava por dentro”, denuncia o deputado trotskista Nicolás del Caño

Por sua vez, em um comunicado, a União Cívica Radical, que tem apoiado as principais leis impulsionadas pelo Governo no parlamento, declarou que “a investidura presidencial é um ativo fundamental do país, das instituições e de qualquer plano econômico. A palavra presidencial não pode ser administrada com tamanha irresponsabilidade”.

Enquanto isso, o deputado Nicolás del Caño, do trotskista Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, afirmou: “Vamos pedir a interpelação de Milei no Congresso. Que seja transmitida em rede nacional. É um escândalo que o presidente reconheça que promoveu um golpe milionário e depois diga que não estava por dentro. Ele vai encarar o problema ou se esconder como o ministro Caputo?”.

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O Congresso Nacional será um dos principais cenários da batalha na qual o oficialismo da Liberdade Avança tentará evitar por todos os meios que o Parlamento possa avançar em medidas que esclareçam a responsabilidade de Milei nesta fraude monumental.

Até onde vai o Governo

O escândalo explodiu em um momento em que o Governo mantinha um discurso otimista graças a dados de inflação de janeiro que mal superam os 2%. Enquanto isso, o governo de ultradireita intensificou seus ataques contra a comunidade LGBTIQ+ e aprofundou o desmonte dos Espaços da Memória onde funcionaram centros clandestinos de detenção durante a última ditadura cívico-militar.

Também seguiu com os planos de demissões no Estado, incluindo cortes em muitos hospitais públicos nacionais, como o Bonaparte, onde mais de 200 trabalhadores e trabalhadoras foram dispensados de suas funções. Em relação à economia, o dado mais relevante dos últimos dias foi o da atividade industrial, que caiu mais de 9% no último ano.

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Nesse contexto, Milei viajará nos próximos dias a Washington pela nona vez desde que assumiu o mandato, desta vez para se encontrar novamente com Donald Trump, que, nestas horas, deixou de lado a “amizade” com o presidente argentino e optou por não excluir o alumínio e outras manufaturas argentinas das tarifas de 25% que os Estados Unidos imporão às importações.

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Embora o Governo negue que Milei vá pedir a Trump que isente a Argentina dessa tarifa, como aconteceu no governo de Mauricio Macri, o tema estará na agenda do encontro que ambos os mandatários terão nesta semana na capital estadunidense, no momento em que a Argentina também negocia com o Fundo Monetário Internacional um novo acordo e desembolso.

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Os próximos dias serão de muita adrenalina para o governo da Liberdade Avança, que passou de um otimismo exacerbado para o centro de um escândalo por fraude, enquanto as variáveis da situação social pioram dia após dia em um ano em que devem ser realizadas eleições de meio de mandato para renovar a composição do parlamento. O cenário político é incerto para Javier Milei, que se vê acuado como nunca antes em um escândalo de corrupção de desfecho imprevisível.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Martín Pared Youtuber chileno

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