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A história do Haiti também é a história de como o racismo estrutural global se reinventou em formas mais sofisticadas de dominação (Foto: Official Leweb / Flickr)

Macron, diplomacia racista: admitir pilhagem sem reparação é perpetuar genocídio no Haiti

Macron segue postergando o que é impostergável: a reparação integral — econômica, política, cultural e territorial — do Haiti por parte da França e de seus aliados

Federico Pita
Página 12
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

Em 17 de abril de 1825, a França selou com sangue e ouro uma das extorsões mais brutais da história moderna: obrigou o Haiti, sob ameaça militar, a pagar 150 milhões de francos ouro a seus antigos colonos e escravistas em troca do “reconhecimento” de sua independência. Era o preço da liberdade. A primeira nação negra livre do mundo moderno, forjada pela revolução antiescravista mais radical e bem-sucedida da história, era empurrada novamente à submissão. Desta vez, não por meio de grilhões, mas pelo caminho da dívida.

200 anos depois, a França admite, nas palavras do presidente Emmanuel Macron, que essa “forte compensação financeira”, imposta pelo rei Carlos X, “colocou um preço na liberdade de uma jovem nação”. Disse isso em uma declaração oficial, em tom solene, com a promessa de comemorar a data e formar uma comissão franco-haitiana de historiadores para “analisar o impacto” do acordo.

Mas, por ora, não há qualquer menção a reparações. Nenhum compromisso com a restituição material. Nenhum sinal de vontade política para reverter o saque econômico que condenou o Haiti a dois séculos de pobreza estrutural, dependência financeira e intervenção estrangeira. A justiça continua ausente.

Esse “resgate”, como o nomeou ironicamente o Jubileu Sul em sua recente carta pública, esvaziou os cofres haitianos, forçou o país a se endividar com bancos franceses, estadunidenses e alemães, e consolidou uma arquitetura de dependência que até hoje define sua realidade. O ciclo de extrativismo, dívida e exclusão não começou com o FMI, mas com os navios canhoneiros de 1825. O que veio depois foi continuidade.

A criação de uma comissão histórica não pode servir de desculpa para continuar postergando o que é impostergável: a reparação integral do Haiti por parte da França e de seus aliados. Reparação não apenas simbólica, mas econômica, política, cultural e territorial. Reparação como ato de justiça, não de caridade. Reparação como ruptura com o neocolonialismo, não como seu disfarce.

Enquanto isso, o Haiti vive hoje um genocídio silencioso. A crise humanitária, a violência armada, o colapso institucional, a fome e o êxodo são consequências acumuladas daquela chantagem fundadora. As causas do atual gangsterismo não são “falhas locais”, mas a persistência de uma ordem global racista que despojou o povo haitiano de seu direito de existir com dignidade.

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Na América Latina e no Caribe, reconhecemos nossa própria história na do Haiti. Sabemos o que é a dívida como instrumento de dominação. Conhecemos os mecanismos de extorsão disfarçados de ajuda. E não esquecemos que foi o Haiti quem ofereceu apoio decisivo às nossas lutas independentistas, mesmo enquanto era sangrado pelo embargo.

A história do Haiti também é a história de como o racismo estrutural global se reinventou em formas mais sofisticadas de dominação. Onde antes havia correntes, hoje há dívidas. Onde antes havia chicotes, hoje há bloqueios. E onde antes se assassinava em plantações, hoje se condena à fome a partir dos bancos. O Papa Francisco, cuja partida física comove o mundo, denunciou com clareza essa continuidade ao dizer: “Existe a tendência de construir figuras estereotipadas, com todas as características que a sociedade percebe como perigosas. Os mecanismos de formação dessas imagens são os mesmos que permitiram a expansão das ideias racistas”.

O Haiti, como a primeira nação negra livre do mundo moderno, foi precisamente isso para a ordem global: uma ameaça a ser disciplinada, um exemplo a ser apagado. Honrar seu legado é também lutar por um novo pacto civilizatório fundado em justiça e memória.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Federico Pita Cientista político pela Universidade de Buenos Aires. Especialista em afrodescendentes, raça e racismo. Fundador da Diáspora Africana da Argentina (DIAFAR). Ativista antirracista afro-argentino. Consciência negra.

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