Na última quinta-feira (6), a Rússia criticou Emmanuel Macron, após o presidente francês propor “proteger a Europa” com o guarda-chuva nuclear de seu país diante do que chamou de “ameaça russa”. A fala levou tanto o presidente Vladimir Putin quanto o chanceler Serguei Lavrov a compararem Macron a Napoleão Bonaparte e Adolf Hitler, figuras que, respectivamente, fracassaram ao entrar em guerra com o Império Czarista e com a União Soviética.
“É de se lamentar que ainda haja gente (em alusão a Macron) que queira voltar aos tempos de Napoleão, esquecendo como tudo terminou”, comentou Putin, de acordo com um fragmento dos noticiários noturnos da televisão pública, pouco depois de Lavrov, em entrevista coletiva, traçar um paralelo entre o presidente francês e Napoleão e Hitler, que acabaram derrotados ao invadir terras russas.
Para Lavrov, a iniciativa de Macron é “uma ameaça para a Rússia”. E explica: o mandatário francês “diz que é necessário recorrer às armas nucleares e preparar-se para usá-las contra a Rússia. Isso, logicamente, é uma ameaça”.
Ele acrescentou: “E quanto às francamente estúpidas acusações de que a Rússia prepara uma guerra contra a França e a Europa, nosso presidente (Vladimir Putin) já disse em várias ocasiões que essas alegações não passam de sandices”.
A Rússia acredita que a iniciativa de paz, que estão sendo elaboradas por Macron e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, só pretende posicionar suas tropas na Ucrânia sob o pretexto de garantir o cumprimento do cessar-fogo no espaço aéreo e marítimo, assim como durante a moratória de ataques a instalações energéticas.
“Não podemos permitir isso. Isso equivaleria a uma participação não híbrida, mas aberta, não dissimulada e oficial de países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na guerra contra a Rússia”, enfatizou Lavrov.
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E advertiu: “Neste assunto, não cabe nenhuma concessão, pois soldados franceses, britânicos ou de outros países europeus serão vistos como tropas da Otan na Ucrânia e, o quanto antes, não ficaremos de braços cruzados”.
O chefe da diplomacia russa disse que não se surpreende que “em alguns países da Europa, que também são membros da Otan, estejam convencidos de que Macron, a fim de recompor sua imagem, irremediavelmente pisoteada dentro da França, pode chegar a propor medidas absolutamente insensatas”.
À noite, o Ministério Russo de Relações Exteriores, por meio de um documento publicado em sua página na web, fixou a posição oficial da Rússia e acusou Macron de pronunciar um “discurso extremamente agressivo” que não corresponde aos postulados tradicionais da diplomacia francesa, no qual – sustenta – pratica “chantagem nuclear” e “exibe suas ambições” de se tornar o “patrão nuclear da Europa” ao oferecer seu arsenal atômico quase “como se pudesse substituir o escudo estadunidense”.
A pasta recorda que “a França tem um total de 56 portadores de armas nucleares, enquanto os Estados Unidos possuem 898. A potência conjunta do componente nuclear do exército francês é de 67,2 megatons, frente aos 1.814 megatons estadunidenses”.
“É desnecessário dizer que isso não fortalecerá a segurança nem da própria França nem de seus aliados”, segue o texto, reiterando que, para a Rússia, a presença de tropas de paz estrangeiras na Ucrânia é “inadmissível” e provocaria “inevitavelmente uma escalada extremamente perigosa”, que não ficaria sem resposta.
A proposta de Macron “tira definitivamente as máscarapess e mostra quem lidera o partido da guerra; quem, na realidade, se opõe ao cessar-fogo e aposta na continuidade do conflito ucraniano e em sua consequente escalada”, conclui a chancelaria russa.
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“Positivamente”. Assim respondeu o Kremlin sobre como avaliava a proclamada vontade do presidente ucraniano, Volodymir Zelensky, de iniciar conversas para alcançar a paz. No entanto, seu porta-voz, Dmitry Peskov, também questionou com quem negociar.
“Por ora, segue vigente a proibição (mediante decreto ratificado pelo Parlamento ucraniano) de que o presidente negocie com a parte russa”, mencionou Peskov, embora, em sentido estrito, a proscrição se refira unicamente ao titular do Kremlin, Vladimir Putin.
Diante da insistência dos jornalistas, o porta-voz da presidência russa acrescentou que “em termos globais, a posição (de Zelensky) é positiva, mas há matizes que continuam sem mudar”.
Enquanto isso, o mandatário estadunidense, Donald Trump, continuou exercendo pressão sobre Zelensky ao ordenar ao diretor da CIA, John Ratcliffe, como ele mesmo reconheceu, que suspendesse “temporariamente” o intercâmbio de informações de inteligência que o exército ucraniano utiliza, sobretudo os dados fornecidos pelos satélites espiões para neutralizar movimentos de tropas e ataques aéreos russos, assim como para atingir alvos dentro do território da Rússia.
No entanto, na semana passaada, em declarações ao programa Business Network, da Fox, Ratcliffe deixou aberta a possibilidade de restabelecer em breve esse tipo de colaboração: “Creio que esse parêntese (na entrega de informações de inteligência) vai acabar. Estou convencido de que trabalharemos ombro a ombro com a Ucrânia para conter a agressão, mas, ao mesmo tempo, temos que tornar o mundo melhor e promover avanços nas negociações de paz”.
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De forma semelhante, expressou-se o assessor de segurança nacional da Casa Branca, Mike Waltz, ao comentar à Fox News que acredita ser possível restaurar também o fornecimento de armas à Ucrânia, embora condicionado aos progressos nas negociações e à implementação do que chamou de “medidas para fomentar a confiança” entre Moscou e Kiev.
“Penso que, se conseguirmos concretizar essas negociações (entre a Rússia e a Ucrânia) e avançar nelas, e além disso colocarmos sobre a mesa medidas para fomentar a confiança, o presidente (Donald Trump) avaliará cuidadosamente suspender essa pausa (na ajuda militar)”, afirmou o funcionário estadunidense.
Waltz tentou suavizar tensões na última quarta-feira (5) em uma longa conversa telefônica com o número dois da hierarquia ucraniana, Andryi Yermak, chefe do influente Escritório da Presidência, que ocupa um cargo abaixo apenas de Zelensky e acima de qualquer outro membro da equipe governante na Ucrânia, incluindo o primeiro-ministro, Denys Shmyhal.
Não apenas trocaram “ideias sobre questões de segurança”, mas também concordaram, segundo versões de ambos, em uma “próxima reunião de delegações ucranianas e estadunidenses para continuar o importante trabalho de coordenação de posturas” no plano bilateral.
Por sua vez, Zelensky dedicou-se ainda em 5 de março a buscar o apoio de seus colegas europeus para ter maior margem de manobra diante das pressões de Trump, e conversou por telefone com o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, elogiando “a liderança alemã” no reforço dos sistemas ucranianos de defesa antiaérea.
“Contamos com a unidade da Europa em torno da Ucrânia e trabalhamos para isso. Todos queremos um futuro melhor para nosso povo. Não um cessar-fogo temporário, mas o fim definitivo da guerra. Graças à nossa coordenação (entre Ucrânia e Europa) e sob a liderança dos Estados Unidos, isso é plenamente alcançável”, resumiu Zelensky em sua conta no X sobre a conversa com Scholz.
Sobre as possibilidades de ampliar a cooperação militar com a Alemanha, Zelensky falou na terça-feira (4) com Friedrich Merz, líder da centro-direita e provável próximo chanceler federal alemão.
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