Pesquisar
Pesquisar

Mais de 30 países declaram guerra à Rússia; conflito toma rumo novo e sem precedentes

Estratégia militar é prolongar e internacionalizar a guerra, para evitar que Moscou obtenha até mesmo uma vitória parcial
Antonio Martins
Outras Palavras
São Paulo (SP)

Tradução:

Duas narrativas, opostas entre si, buscavam até agora interpretar a invasão da Ucrânia por tropas russas, iniciada em 24 de fevereiro. Segundo os governos do Ocidente e a mídia associada a eles, trata-se de um ato brutal do regime de Vladimir Putin para projetar sua força sobre uma nação mais débil, recorrendo a meios violentos e buscando desviar as atenções da opinião pública sobre suas dificuldades internas.

Os que buscam compreender a posição de Moscou argumentavam, no entanto, que o país foi forçado à guerra pela expansão incessante da OTAN, pelo cerco a seu território por bases militares inimigas e pela opressão das populações russas majoritárias no leste da Ucrânia.

Paulo Cannabrava | Guerra na Ucrânia esconde conflito global e surgimento de mundo novo

Ambas as visões, contudo, podem ter se tornado obsoletas esta semana. Uma série de fatos novos deu à guerra um caráter inteiramente novo e a transformou num conflito que opõe à Rússia, agora sem disfarces, uma coalizão de mais de trinta países alinhados a Washington.

O objetivo, também anunciado abertamente, é minar as forças do único Estado hoje capaz de se opor militarmente às pretensões estadunidenses. Se isso ocorrer, os EUA estarão de mãos livres para tentar resolver por meios bélicos o declínio de seu poder econômico e o desgaste de sua hegemonia geopolítica.

Assista na TV Diálogos do Sul

O acontecimento mais importante se deu terça-feira (26/4), na base militar de Ramstein, que Washington mantém desde 1948 no sudoeste da Alemanha. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin III, reuniu-se com autoridades militares de 33 países, mais a União Europeia e a OTAN. Como resultado, formou-se um Grupo Consultivo sobre a Segurança da Ucrânia, que se reunirá todos os meses.

As declarações de Austin sobre os objetivos da coalizão são reveladoras: “vencer a luta atual e as que virão”, garantindo de imediato o envio do maior volume possível de armamento a Kiev. Mas houve antecedentes. No fim de semana, o próprio Austin, chefe do Pentágono, havia visitado a capital ucraniana na companhia do secretário de Estado, Anthony Blinken, em viagem mantida em sigilo até o último momento.

Lá, encontraram-se com o presidente Zelensky, e mantiveram conversações cujo teor não foi revelado. De Kiev, ambos rumaram para Berlin, onde obtiveram da ministra da Defesa alemã, Christine Lambrecht, o compromisso de abastecer a Ucrânia com material bélico pesado – ao menos 50 tanques.

Estratégia militar é prolongar e internacionalizar a guerra, para evitar que Moscou obtenha até mesmo uma vitória parcial

Medium
Capitaneados pelos EUA países ocidentais declaram guerra à Rússia

Envio de armas pelos países do ocidente

Nos dias seguintes, outros países cujos governos estavam presentes à base de Ramstein (entre os quais pesos-pesados militares, como a Inglaterra e a França) também anunciaram o envio de armas. Fala-se inclusive em aviões, segundo a revista The Economist.

O movimento teve seu ápice nesta quinta-feira (28/4) quando o presidente Joe Biden pediu ao Congresso novo crédito, de US$ 33 bilhões (além dos US$ 13,6 bi já despachados), para armar Kiev. E não foram apenas palavras.

EUA dobram aposta e aumentam apoio militar à Ucrânia; guerra nuclear volta ao horizonte

Em 26/4, num sinal de que o armamento ocidental sofisticado já faz diferença no front de guerra, mísseis de longo alcance disparados da Ucrânia destruíram instalações militares de Moscou em território russo, próximo à fronteira entre os dois países.


“Queremos ver a Rússia enfraquecida”

O propósito por trás dos fatos desta semana vai bem além do conflito na Ucrânia. “Queremos ver a Rússia enfraquecida”, afirmou o secretário Austin em Kiev, no domingo. A estratégia militar vislumbrada para chegar a este fim – agora está nítido – é prolongar e internacionalizar a guerra, para evitar que Moscou obtenha até mesmo uma vitória parcial.

Nas últimas semanas, o Kremlin concentrou suas operações militares no leste e sul da Ucrânia – a região do Donbas, onde as repúblicas de Luhansk e Donetsk lutam pela independência. Ocupá-las e assegurar a autonomia da maioria russa que as habita e encerrar o conflito parecia até há pouco um objetivo factível.

Mas e se, depois disso, não puder haver retirada? E se o Donbas continuar a ser fustigado por um exército ucraniano turbinado pelo armamento pesado fornecido por mais de 30 países, alguns dos quais têm poder econômico muito superior ao da Rússia? Isso não conduziria a um esgotamento das capacidades militares de Moscou e – sonha Washington – à anulação de seu atual poder geopolítico? Não estariam certos, então, aqueles que viram na guerra, desde o início, o resultado de uma provocação dos governos ocidentais?

Aposta arriscada

A aposta de Washington e seus parceiros, porém, é de extremo risco – por dois motivos. Na arena militar, Moscou também pode optar por uma escalada. Nesta quinta (28/4), a porta-voz do ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, advertiu as potências ocidentais, afirmando que “novos apelos à Ucrânia, para atingir instalações russas, levarão certamente a uma resposta dura da Rússia”. Até onde irão os que tentam acirrar a guerra contra uma potência nuclear?

Já no terreno econômico, onde os EUA pensavam emparedar Moscou, há sinais de que o tiro pode sair pela culatra. Há uma semana, um editorial do próprio New York Times ponderava que, apesar de muito duras, as sanções de Washington e seus aliados contra a Rússia não estão sendo capazes de desorganizar a economia do país. O contrário é possível.

Capitalismo é espinha dorsal do conflito na Ucrânia, estratégica para mercado energético

Em 27/4, a Gazpron, estatal russa de combustíveis fósseis, anunciou o corte do fornecimento de gás aos dois primeiros países europeus – Polônia e Bulgária – que se recusaram a pagá-lo em rublos. Se a mesma medida se estender à Alemanha, teme o banco central alemão, o resultado pode ser um impacto em até 5% do PIB.

Além disso, em 28/4 um dado inesperado arranhou a autoconfiança dos governos ocidentais. O Departamento de Comércio dos Estados Unidos revelou que o PIB do país caiu 1,4% no primeiro trimestre do ano, em comparação ao mesmo período do ano passado.

As narrativas da mídia ocidental sugerem que se trava, na Ucrânia, uma guerra de mocinhos contra bandidos. A vida real parece estar prestes a esfarelar este discurso.

Antonio Martins é editor de Outras Palavras.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:

  • PIX CNPJ: 58.726.829/0001-56 

  • Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
  • Boletoacesse aqui
  • Assinatura pelo Paypalacesse aqui
  • Transferência bancária
    Nova Sociedade
    Banco Itaú
    Agência – 0713
    Conta Corrente – 24192-5
    CNPJ: 58726829/0001-56

       Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Antonio Martins

LEIA tAMBÉM

Com Trump, EUA vão retomar política de pressão máxima contra Cuba, diz analista político
Com Trump, EUA vão retomar política de "pressão máxima" contra Cuba, diz analista político
Trump quer desmontar Estado para enriquecer setor privado; Musk é o maior beneficiado
Trump quer desmontar Estado para enriquecer setor privado dos EUA; maior beneficiado é Musk
Modelo falido polarização geopolítica e omissão de potências condenam G20 ao fracasso (2)
Modelo falido: polarização geopolítica e omissão de potências condenam G20 ao fracasso
Rússia Uso de minas antipessoais e mísseis Atacms é manobra dos EUA para prolongar conflito
Rússia: Uso de minas antipessoais e mísseis Atacms é manobra dos EUA para prolongar conflito