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Nós, os trabalhadores, e a farsa do rombo da Previdência

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Gente…. esse nosso país, país da piada pronta, é mesmo surreal. À margem de toda insegurança jurídica criada por um bando de advogados vende-pátria, está todo mundo calado diante da farsa montada em torno da Previdência Social. Farsa cujo único objetivo é privatizá-la, o que é o mesmo que acabar com a aposentadoria dos pobres. Não acreditam? Visitem o Chile…

Paulo Cannabrava Filho*
Paulo CannabravaAgora, vejamos. O Senado da República criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com a finalidade de tirar as dúvidas em torno ao debate que se está travando nos legislativos e na mídia. Essa CPI encerrou seus trabalhos e emitiu um relatório. Adivinhem qual foi o resultado? É, de fato, não há déficit da Previdência. O que há é simplesmente má gestão e roubo.
Segundo o relatório da CPI, a Previdência Social no Brasil é viável e autossustentável. O problema que há é de gestão. Não é necessário uma reforma, basta maior controle e fiscalização estatal e mais rigor na cobrança para reduzir o déficit. Sobretudo cobrar dos sonegadores.
Por que será que nenhum jornal publicou esse relatório do Senado? Há um vídeo da TV Senado com o informe do relator da CPI e nenhuma televisão mostrou, nem as públicas. O que é isso? Censura a uma resolução do Senado da República? Tem cheiro de complot, não tem?
Assista:

O governo diz que o rombo deste ano chegará a R$ 200 bilhões. Quais os argumentos do governo? E, notem… esses argumentos são defendidos pela mídia sem uma só crítica. Reproduzimos:

O regime geral da presidência (para nós, os vis mortais) registrou um déficit de R$ 85.8 bilhões em 2015; R$149.7 bilhões em 2016; R$ 182,4 em 2017 e poderá chegar ou ultrapassar 200 bilhões este ano, 2018.

Em 2016 eram 29.2 milhões os cidadãos beneficiados (leia-se nós) pelo regime geral e receberam, em média, R$ 1.339,00 a cada mês. Ou seja, menos da metade do que deveria ser o Salário Mínimo da nação, calculado pelo Diese em mais de R$ 3.000.00.
No setor público, havia 980 mil servidores beneficiados recebendo em média R$ 8,695,00 por mês. É uma diferença gritante, convenhamos.
Os gastos totais com a Previdência estão em torno de 9.9% do PIB. Dessa parcela, 1,5% corresponde ao regime geral, enquanto 8.1% ao setor público. Se não é distorção, é o quê?
O governo propõe 25 anos de contribuição para que o indivíduo receba 60% da média dos salários percebidos e 40 anos para receber 100%, ou seja, o salário médio integral. A idade mínima para se aposentar ficaria em 65 anos para os homens e 62 para as mulheres.
Em 1994, criaram a DRU (Desvinculação das Receitas da União) — que desvincula das receitas da União as receitas previdenciárias. Hoje, desvinculam 30% das contribuições sociais, como Cofins, CSLL, que deveriam ser 100% destinados à seguridade social. Em 2015, enquanto o governo registrou déficit de R$ 85.8 bilhões, a DRU arrecadou R$ 58.6 bilhões. Em 2016 anunciou um déficit de R$ 149,7, enquanto a arrecadação pela DRU foi de R$ 83.6 bilhões.
O que dizem os patrões
Diante dos dados citados, Abran Szajman, presidente da Fecomercio/SP, entidade patronal que governa o Sesc e Senac no Estado de São Paulo,  chegou à conclusão de que, se as normas fossem seguidas, o déficit seria consideravelmente diminuído.
O Sistema S, que inclui o Sesc/Senac, Sesi/Senai, Sest/Senat, entre outros, é algo como um organismo paraestatal, criado precisamente para cumprir com algumas funções que são atribuição do Estado. Esse sistema rendeu mais de R$ 1 bilhão em 2017.
Abran Szajman, em artigo publicado no Estadão (29/1/17 pg A-2) com toda a diplomacia que lhe convém, diz que “seria importante a exclusão das receitas previdenciárias da DRU, como forma de reduzir o déficit que a Previdência vem sofrendo nos últimos anos”. Diante do óbvio, diz: “Ora, se a Previdência Social apresenta déficit, não é razoável ter uma medida que reduz sua receita!”.
Até aí chegou o patrão, nada satisfeito com os argumentos apresentados pelo governo e as incertezas que estão prejudicando todos nós.
Também por uma questão óbvia, o patrão nada disse sobre o que talvez seja a principal causa do déficit previdenciário. Deixou de mencionar que a Previdência social perde muito mais receita com as isenções, favores e, principalmente, com a sonegação.
No país do cassino global, é mais vantajoso dar calote no empregado, deixar de recolher o dinheiro que pertence à seguridade social e aplicar o dinheiro na ciranda financeira. Ou seja, é até melhor ficar devendo para o INSS do que recolher o dinheiro aos cofres públicos. Sabe-se que lá na frente, poderá renegociar a dívida, reduzi-la, parcelar em ínfimas parcelas e larguíssimos prazos. Pode até, e simplesmente, decretar a falência da empresa, abrir outra, deixando a dívida para as calendas gregas.
O que viu a CPI do Senado
A CPI teve como presidente o senador Paulo Paim (PT-RS) e como relator Hélio José (PROS-DF). Aqui é possível ler a íntegra do relatório.
Os Constituintes sabiam que a contribuição do empregado e do empregador não seriam suficientes para garantir superávit na seguridade social. Em vista disso, foi colocado na Constituição que cada vez que a gente compra alguma coisa, estamos contribuindo para a Previdência Social. A questão é: para onde vai o dinheiro?
O relatório da CPI é muito claro, simples e direto. Querem acabar com o famigerado rombo da Previdência?

– Parem de fazer despesa;

– Parem de dar anistia;
– Parem de não cobrar multas e correção monetária;
– Parem de não cobrar dos grandes devedores;
– Parem de desviar a poupança dos trabalhadores para outros fins, como pagar juros da dívida pública, entre tantos
Em outras palavras, basta criar mecanismos de combate à fraude; maior rigor na cobrança; e pôr fim aos desvios dos recursos. Ocorre, no entanto, que o que eles querem é quebrar a Previdência para entregar tudo para a iniciativa privada.
É simplesmente absurdo constatar que há uma dívida para a seguridade social, pronta para ser executada, em torno de R$ 500 bilhões. É ou não é um absurdo?
As empresas privadas devem R$ 450 bilhões à Previdência e, para piorar a situação, conforme a Procuradoria da Fazenda Nacional, somente R$ 175 bilhões correspondem a débitos recuperáveis.
“Esse débito decorre do não repasse das contribuições dos empregadores, mas também da prática empresarial de reter a parcela contributiva dos trabalhadores, o que configura um duplo malogro; pois, além de não repassar o dinheiro à previdência esses empresários embolsam recursos que não lhes pertencem”, diz o relatório da CPI.
A palavra correta para a apropriação de recursos que não lhes pertencem é roubo, no caso, além disso, desvio de dinheiro público. Mas… ninguém vai pra cadeia.
Quem são os maiores devedores?
Segundo a CPI, os cinco maiores bancos, empreiteiras, grandes comércios… inclusive instituições do Estado. Todos dizem: devo, não nego, não pago… estou brigando na Justiça e esperando o novo Refis. Enquanto isso, o dinheiro, que é seu, meu, do povo trabalhador, está rendendo no mercado financeiro e de ações, enriquecendo esses caras que já são os mais ricos.
E por que a mídia não diz uma só palavra? Será por que também não recolhem à Previdência? Ou será porque não querem prejudicar seus anunciantes? E vale lembrar que o maior anunciante ainda é o Estado.
Exemplo que ilustra bem o que estamos dizendo é a participação de Temer no programa Silvio Santos, no SBT. Usaram uma concessão pública – a TV – para mentir e enganar o povo…

*Jornalista, editor de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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