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Paulo Cannabrava Filho: Lula preso. E agora???

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

E agora? É o que todos perguntamos… Reagirá esse povo?

Vi esse povo chorar pelo Chico Viola (em 1952), vi esse povo chorar por Getúlio Vargas (em 1954) e não demorou muito para eu ver esse povo chorar por Tancredo Neves (1985). Agora, de novo, vejo esse povo chorar por Lula (e Lula não está morto) Será essa a sina de nosso povo: chorar por seus ídolos mortos, por presidentes mortos ou depostos?

Por Paulo Cannabrava Filho*

Paulo Cannabrava FilhoParece, relembrando fatos, que sim. Será que nossa sina é a de ser um povo chorão? Não. Não é e temos muitos fatos históricos que comprovam isso. Essa guerra do Estado contra a Nação começou antes mesmo de Zumbi dos Palmares.

Me animei, e muito, vendo muita gente ocupar as ruas de São Bernardo. Só não estou lá por proibição médica, um problema na coluna que me deixou fraco das pernas e com muita dor. Quem me conhece sabe que sou guerreiro, nunca deixei de estar onde deveria estar.

Não fui, mas estou acompanhando. Recebo enxurrada de mensagens a cada minuto. Vanessa, Juliane, meninas que ajudaram a criar e colocar no ar Diálogos do Sul estiveram lá, e centenas de amigos e companheiros da velha e da jovem guarda. A bravura de minha querida amiga Luiza Erundina (PSOL-SP), com mais de 80, como eu… na trincheira de Luta.

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Me emocionei com a mensagem da Juliane Cintra de Oliveira, que comanda a comunicação da Ação Educativa. Reproduzo aqui, como se tivesse sido escrita por mim:

Mobilização em São Bernardo do Campo na sexta-feira (6) | Foto: Mídia Ninja

Ficamos até bem tarde na frente do sindicato, na medida em que as falas iam chegando ao fim, as pessoas começaram a ir embora, mas ainda algumas chegavam. Eu queria que todo mundo pudesse ver os rostos que vi, as expressões eram as mais diferentes. Choro, raiva, abraços, também vi muitos abraços. Reencontros alegres de companheiros de muito tempo. Vi real, gente simples, muito simples, que acenava positivamente com a cabeça enquanto o [deputado federal pelo PSOL-SP] Ivan Valente relembrava as greves históricas comandadas por Lula naquele mesmo lugar… Não sei, sabe, mas tudo isso me fez sentir que vir pra cá foi a melhor decisão que tomei, sair da aula e não retornar pra casa me fez lembrar que, se hoje estou na pós-graduação, devo muito às primeiras políticas de acesso e permanência implementadas por um recente governo, ainda cheio de esperança. Realmente, é um dos maiores líderes políticos da nossa história… Mas sei lá, só consigo pensar mesmo, independente de qualquer coisa, que eu nunca vou esquecer o rosto daquelas pessoas…

Vanessa Martina, agora no comando da redação de Diálogos do Sul, está acompanhando e anotando tudo e logo nos dará suas impressões. Imagino com que emoção ela se misturou naquele povaréu.

 

Esse já não é o mesmo povo

 

Foto: Mídia Ninja

Contudo, já não é o mesmo povo que, nas décadas de 1970-1980, se aglomerava no estádio da Vila Euclides e parava as fábricas, que exigiu liberdade sindical e conseguiu; que exigiu a Constituinte e conseguiu; que exigiu anistia e conseguiu.

Povo que lutou sem trégua. Não, nosso povo não é chorão. Esse povo resistiu e lutou contra a ditadura, ocupou fábricas em Osasco, Contagem, no ABC, teve seus mortos para conseguir liberdade e democracia. Ninguém chorava, a não ser de raiva.

Estão gravados em minha memória os dias que seguiram o 21 de agosto de 1961. O presidente Jânio Quadros renunciou, os militares tomaram o poder para evitar a posse de João Goulart, vice presidente eleito (naquele tempo a gente votava separado para presidente e para vice-presidente e para senador e governador nas eleições majoritárias).

No Rio Grande do Sul, uma voz se levantou e o país se sublevou. Leonel Brizola, governador, cercado pelo povo no Palácio Piratini, povo armado, através de uma rádio local chamou o povo à resistência e fez-se a Cadeia da Legalidade, uma rede de emissoras de rádio que cobriu todo o território nacional. Foi lindo ver a nação sublevada e impondo a posse de seu líder na Presidência.

E agora vejo esse povo cercando o prédio do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, esse mesmo sindicato que comandava as manifestações na Vila Euclides, cercando o Lula. Desarmado, ansioso, protegendo e aguardando as ordens de seu líder. Muita gente jovem, cheia de esperança…

 

E agora, o que é que vai acontecer?

 

Momento em que militantes impediram a saída do carro em que estava Lula e no qual se dirigiria à PF | Foto: Mídia Ninja

Lula discursou dizendo que se entregaria, o povo pedia que resistisse, e já estava negociada sua saída com a Polícia Federal. O povo chora e nos bairros chiques os ricos soltam fogos de artifício.

Prerrogativas de ex-presidente, tem carro oficial, escolta e segurança pessoal. Como essa prerrogativa, como as dezenas de diplomas de doutor honoris causa, ninguém tira dele, pela primeira veremos talvez guarda presidencial tomando conta de presídio.

Lula preso continua candidato até os processos transitados em julgado. É o que dizem. Isso significa que mais uma vez teremos os supremos juízes a decidir sobre uma morte anunciada. Ou será diferente? Será que alguém ainda acredita que o Supremo Tribunal Federal (STF) mudará de atitude?

Até o Fernando Henrique (PSDB) já se deu conta de que, como até agora não passou nada, nada passará daqui pra frente. Em termos… é isso. Michel Temer (MDB), o ilegítimo, continuará praticando suas maldades, os parlamentares fazendo campanha para reeleição, os supremos magistrados se enredando cada vez mais em suas próprias contradições, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) continuará ocupando terras e bloqueando estradas, e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocupando terrenos e prédios. Lula e o PT fazendo discursos lembrando um passado que, cá entre nós, não é nada glorioso.

Mais tarde, tentando dormir, girando na cabeça a frase do vende-pátria (FHC) de que aqui não passa nada. Porque? Refletindo, me parece que aqui não passa nada porque tudo é visto como um programa de televisão. É isso. Todo mundo assistindo a um filme. É um filme em que não se distingue realidade de ficção.

O que há de positivo nessa história é que já há um movimento em direção à formação de uma grande frente popular, com partidos e organizações populares, pensando num projeto nacional. Esse é o caminho. Porém…

 

Sempre há um porém

 

Olhemos para o Rio de Janeiro. Está sob uma verdadeira ocupação militar, pelas três armas das forças armadas e as tropas de choque da polícia militar, que deveria ser civil. É como se fosse um país ocupado em situação de guerra. Sim. De fato é guerra. Aquela guerra já mencionada do Estado contra o povo.

Deputada Luiza Erundina durante a mobilização pró-Lula no aeroporto de Congonhas | Foto: Mídia Ninja

Vejam o que disseram os comandantes do glorioso Exército Brasileiro, da gloriosa Força Aérea Brasileira (FAB) e da Marinha, que nunca deixou de ser aquela das guerras imperiais. Um general e um brigadeiro ou almirante, que diz que não aceita a decisão do povo proferida numa eleição, que nem mesmo aceita a postulação de uma candidatura, não passa de um guarda pretoriano do Império.

O Rio é uma representação, talvez exagerada, do que realmente está a ocorrer no país. Máfias ocupando o poder político e o Estado brasileiro militarizado de cabo a rabo. São Paulo é um bom exemplo de onde eles querem chegar. Tudo domesticado. O pensamento único imposto desde o primeiro grau nas escolas até a pós-graduação.

Em outubro, teremos mais uma vez uma eleição como farsa, ou outra farsa eleitoral. Só que está será um pouco diferente. A ditadura do capital financeiro vai continuar, porém, não com representantes ou intermediários, mas agentes próprios, ou seja, um banqueiro para governar o país e garantir a recolonização. E isso até que uma revolução cultural devolva o senso crítico aos intelectuais, às escolas, aos partidos e se forme uma verdadeira Frente de Libertação Nacional. É o que diriam Zumbi, Tiradentes, Getúlio, Jango, Brizola, Carlos Marighella….

*jornalista editor de Diretor de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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