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Como eu descobri que ao matar as abelhas também estávamos matando nossas frutas

Insetos efetuam uma tarefa muito mais benéfica que a nossa e sem protesto algum contra seus algozes
Wilbert Villca López
Diálogos do Sul
Potosí

Tradução:

Fui criado numa comunidade camponesa, quéchua, dos vales de Potosí, na Bolívia. No quintal da casa onde passei a infância, temos dois pés de laranjas e um de limão. Quando a torneira está seca, para regá-los, minha mãe e minha irmã carregam água do açude até a árida ladeira onde está a casa. 

Quando me deparei com as laranjeiras sem frutos, perguntei para minha mãe se o frio havia congelado as flores. “Não”, respondeu. Ela havia visto as plantas repletas da floração branca e achou que produziria em abundância. Mas uma manhã surpreendeu-se vendo um enxame de abelhas se apoderando das três arvores. No quarto dia, ainda cedo, voltou à calma: as laranjeiras estavam outra vez sem suas invasoras. Semanas depois, lembra ela, caíram todas as flores das laranjeiras. Agora só amadurecem escassos limões.

Simultâneo ao relato de minha mãe, pensei em fumigar os pés com algum químico na próxima primavera: atribuía às abelhas todos os males. Desconhecia que uma mínima quantidade de flores era essencial para dar os frutos. Aquelas abelhas não apenas produziam o mel, elas contribuíam de forma inigualável para a reprodução, polinizando todas as plantas ao meu redor. Vocês imaginam? Você e eu, de uma ou outra maneira, destruímos a Terra. As abelhas efetuam uma tarefa muito mais benéfica que a nossa e sem protesto algum contra seus algozes.

Insetos efetuam uma tarefa muito mais benéfica que a nossa e sem protesto algum contra seus algozes

Pixabay
"De onde vêm as abelhas? Onde estão concentradas ou ocultas quando não as vejo?”

Perseguiu-me por vários anos uma misteriosa questão. Dizia-me, em silêncio, “aqui nos vales carecemos de vegetação e umidade, de onde vêm as abelhas?”. “Onde estão concentradas ou ocultas quando não as vejo?”.

Lendo a memória institucional da empresa pública boliviana Promiel me aproximei do assunto. Soube, portanto, que as abelhas têm sofisticados meios de comunicação, modos de vivência que — quem sabe — são mais ordenados e organizados do que os dos humanos. Com suas pequenas antenas, conseguem localizar a fontes do néctar a longas distâncias e, quando as exploradoras regressam para a colmeia, comunicam os resultados da missão. Como? O etologista austríaco Karl von Frisch descreveu o comportamento das abelhas. Segundo ele, elas dançam coreografando trajetórias e formas de movimentos, cujos significados explicam quais são as distâncias, as localizações e as proporções das descobertas. Pela célebre pesquisa, ele recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1973.

É apreciável o esforço da Promiel, erguida graças à destreza de seu gerente fundador, Remmy Gonzales. Naquele momento, suponho, era difícil apostar em uma empresa estatal — os políticos faziam discursos sobre a desnecessária existência das empresas públicas: as quebravam e, para salvá-las, defendiam que havia que privatizá-las. 

A Promiel, desde 2013, conseguiu produzir quase 100 mil colmeias com aproximadamente 15 mil apiários. Gonzales desconsiderou reinvestir os lucros, optando por um inovador seguro para os apicultores, indo na contramão do habitual rumo tomado pelas empresas privadas.

Nos preocupa o seguinte: De acordo com o Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, até mesmo com uma breve conversa pelo celular nós atordoamos as abelhas com as ondas, podendo provocar, inclusive, a morte delas; é como se alguém nos atormentasse com um barulho dez vezes maior do que o suportável. Compreendem?

Os agricultores de minha comunidade estão optando pelo uso de praguicidas, alguns deles são até mesmo doados. Quando carregam uma mochila de fumigação, se acham ungidos com um ar superior de produtor. Eu os censurava, alertando-os para não fumigarem as espigas do milho nem as videiras: presumo que nascerão ervas daninhas como na região tropical da Bolívia. 

Sem sabê-lo estava prevenindo a extinção das abelhas, porque os tóxicos — benignos na mentalidade de certos agricultores — envenenam as flores, o organismo das abelhas e os favos do mel.

Não sou o único a intervir nessa direção. Por exemplo, escutei comoventes palavras de uma socióloga natural da região do Chaco boliviano, que expressou: “me alegra ver as abelhas na minha casa, as amo! Ensino meus filhos a cuidar delas. Serei apicultora”.

O Estado faz sua parte. Em casa, seguiremos regando as plantas de laranja e desconsiderei fumigá-las. 

Com certeza, você também faz sua parte defendendo nossas abelhinhas, não é?


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Wilbert Villca López

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