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Queimadas na Amazônia aumentam desgaste de Bolsonaro que, se não cair, fica mais enfraquecido

Ao longo da última década, as lideranças Tapirapé sofreram uma série de ameaças de morte e tentativas de homicídio,
Luiz Alberto Gómez de Souza
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Tenho acompanhado a história dos Tapirapé e o belo trabalho junto a eles das Irmãzinhas de Jesus, numa presença de testemunho e de animação. Na entrada de minha casa coloquei uma máscara tapirapé, que reproduzo. E leio sobre sua luta atual no IHU de hoje (23/08/19), transcrevendo notícia de uma reportagem em A Pública.

Os Tapirapé, nome pelo qual é conhecido o povo indígena Apyãwa, estão cansados de esperar a lei dos brancos. Há 16 anos eles aguardam a Justiça expulsar aqueles que desmatam seu território, a Terra Indígena (TI) Urubu Branco, em Santa Terezinha e em Confresa, cidades mato-grossenses na prelazia de São Félix, cujo primeiro bispo foi Pedro Casaldáliga. Agora, o “povo de bom comportamento” – tradução literal do tupi-guarani Apyãwa – quer resolver com as próprias mãos o crescente desmatamento no território de 168 mil hectares.

É o que conta o cacique-geral da TI, Kamoriwai’i Elber Tapirapé … “O desmatamento compromete toda nossa cultura. Mesmo comunicando a todas as autoridades, ele já acontece há anos”.

O respeito pela Justiça brasileira rege a estratégia dos Tapirapé, mas está cada vez mais difícil acalmar a ansiedade dos jovens, que assistem à destruição da floresta, enquanto os fazendeiros travam uma batalha judicial de quase duas décadas para permanecer criando gado e são cada vez mais numerosos os que derrubam a floresta de transição entre cerrado e a Amazônia que compõe a Urubu Branco. Já se ouve o som das motosserras na aldeia principal, a Tapitãwa.

Ao longo da última década, as lideranças Tapirapé sofreram uma série de ameaças de morte e tentativas de homicídio, que atribuem aos fazendeiros e posseiros que ocupam a área norte da Urubu Branco.

A Pública testemunhou o clima de desespero entre os Tapirapé com a rapidez do desmatamento em contraste com a morosidade da Justiça. A memória da quase extinção do povo ainda é vívida na Urubu Branco. Em meados do século 20, após o contato com doenças dos não indígenas e guerras com outros povos originários, a população local chegou a se reduzir a 40 pessoas. A recuperação do povo, hoje com 800 moradores na TI, está diretamente ligada à reconquista do território, o que não é bem compreendido pelos não indígenas, como diz Kaorewyei Reginaldo Tapirapé, ex-cacique e presidente da Coordenação de Organizações dos Povos Indígenas Apyãwa. Mas também, como indiquei no início, graças ao trabalho das irmãzinhas de Jesus.

Muita gente pergunta para que o índio quer terra. “Acham que isso atrapalha o desenvolvimento”, conta seu líder. “Não entendem como os povos indígenas usam a terra. A terra é o principal regulador da humanidade, é dela que tiramos toda nossa vida”. Como explicou o professor Nivaldo Korira’i Tapirapé, em uma aula sobre aquecimento global para jovens do primeiro ano do ensino médio na Escola Estadual Indígena Tapita’wa, alguns brancos pensam somente no presente. “Nós, povos indígenas, pensamos no presente e no futuro.”

Ao longo da última década, as lideranças Tapirapé sofreram uma série de ameaças de morte e tentativas de homicídio,

NASA
Queimadas na Amazônia registradas pela NASA

Essa luta heroica dos Tapirapés se inscreve no gravíssimo problema mais global das queimadas da área amazônica. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que monitora por satélite a região, denunciou que só em julho deste ano 2.253 Km2 de florestas foram destruídas pelo fogo. Para o Programa Queimadas do INPE, houve um aumento de 83% no número de incêndios florestais no Brasil entre 1º de janeiro e 1º de agosto de 2019, período do novo governo, saltando de 39.759 para 72.843 queimadas.

Um alerta internacional foi acionado. O presidente da França, Emmanuel Macron, convocou uma reunião de emergência do G7 para tratar do problema. Alemanha e Noruega se propõem cortar a ajuda à Amazônia. Outros países latino-americanos estão preocupados. A fumaça das queimadas pode chegar à Argentina (ela já cobre São Paulo). O presidente argentino se comunicou com seu amigo brasileiro, para acompanhar possíveis medidas de emergência. O acordo de livre comércio entre Europa e América Latina corre perigo.

Como reagiu num primeiro momento o presidente Bolsonaro? Começou demitindo o diretor do INPE, Ricardo Galvão, acusando-o de mentir sobre o aumento do desmatamento. Chegou mesmo a declarar que não existia desmatamento, no que Galvão retrucou: “isso é uma piada de um garoto de 14 anos, que não cabe a um presidente da república dizer”. E Bolsonaro lançou a tresloucada afirmação de que as queimadas seriam provocadas pelas ONGs ambientalistas, ”para chamar a atenção”. Teve de amenizar sua irresponsável declaração por absoluta falta de provas: “pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongueiros’”. Também acusou o presidente francês de estar interessado em pôr a mão nos recursos da região. E seu estabanado e ignorante filho Eduardo, candidato a embaixador, numa prova de sua espessa incompetência como diplomata, chamou Macron de idiota! Este declararia mais adiante que Bolsonaro mentira, no encontro que tiveram na reunião do G12, sobre seu apoio ao acordo União Européia/ América Latina.

Em países do mundo inteiro e em muitas cidades do país, se realizaram grandes manifestações de repúdio ao governo Bolsonaro.

A Associação Brasileira de ONGs (ABONG) e mais de cem entidades, lançaram nota dizendo que “Bolsonaro desmontou e desmoralizou a fiscalização ambiental, deu inúmeras declarações de incentivo à ocupação predatória da Amazônia e de criminalização dos que defendiam sua conservação”.

Diante da enorme repercussão internacional, Bolsonaro convocou uma reunião de emergência, reunindo um bando de burocratas que até então vinham negando o problema e esta noite, dia 23, se dirigiu ao país em cadeia nacional.

Na fala, lendo o teleprompter num tom monocorde, de quem, sem hábito de leitura, escande palavra por palavra, mudou de tom. Indicou que a proteção da Amazônia é dever de todos, defendendo a biodiversidade e os recursos naturais. Afirmou que não basta a fiscalização destes, mas que há também que criar a oportunidade para o desenvolvimento da região. Para conter o avanço das queimadas, que segundo ele são naturais nestes períodos, autoriza a ação das forças armadas, desde que solicitada pelos governos estaduais. Criticou os que espalham dados alarmistas dentro e fora do país, produzindo desinformação. Mencionou, sem comentar, a existência de possíveis sanções internacionais e defendeu o acordo ente a União Européia e a América latina. Porém não saiu de generalidades.

Vale ver a reação em meios de comunicação normalmente favoráveis a ele. No Globo News Guga Chacra, respondendo ao patético ministro de relações internacionais, que afirmara tratar-se de ações de esquerdistas para atacar o ocidente, diria que, pelo contrário, o Brasil é que se tornara pária no ocidente. O Jornal Nacional, termômetro da situação, dedicou enorme espaço à crise e às reações pelo mundo afora.

Aumenta assim o desgaste deste governo. Poderá cair, ou manter-se cada vez mais enfraquecido, prisioneiro à custa de compromissos com os poderes reais que o cercam? Pode prosseguir numa política subserviente e de entrega de empresas em privatizações ao gosto do ministro Guedes. O custo para o futuro será altíssimo. Diante desse desastre quero trazer, uma vez mais, a incômoda pergunta: quando poderá surgir uma oposição unida, como alternativa concreta de outro projeto histórico?

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Luiz Alberto Gómez de Souza

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