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“São muitos animais com queimaduras e fome. É desolador”, diz ambientalista sobre Pantanal

Enquanto fogo consome 20% do bioma, mamíferos, anfíbios, répteis e aves sofrem com desidratação, fome e queimaduras
Oscar Valporto
Projeto Colabora
São Paulo (SP)

Tradução:

Depois da quinzena mais intensa e terrível de incêndios no Pantanal, o pico do fogo parece ter passado, as chamas diminuem em Mato Grosso do Sul, onde a temperatura caiu e houve alguma chuva, e também em Mato Grosso, onde o combate foi reforçado nos últimos dias.

“Ainda há muito fogo e novos focos surgem a todo momento, mas, aparentemente, o pior já passou. A hora agora é de reforçar o suporte e o alívio para a fauna do Pantanal. São muitos animais desidratados, muitos animais passando fome, muitos com queimaduras graves. É desolador”, relatou o ambientalista Leonardo Gomes, que estava em Poconé, município pantaneiro, 100 quilômetros ao sul de Cuiabá, no fim da semana passada, quando participou da série de debates Clima em Casa, promovido pelo Observatório do Clima nas redes sociais.  Pelos dados do Inpe, o fogo atingiu 20% dos 180 mil quilômetros quadrados do Pantanal.

A primeira quinzena de setembro foi particularmente devastadora no bioma. O Pantanal passa pelo setembro com mais focos de incêndio desde o início da série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em 1998: foram 5.603 focos de calor detectados em 16 dias –  o que representa uma alta de 94% em relação a setembro inteiro do ano passado. 

A marca inflamável supera também os 5.498 focos de calor registrados no mês inteiro de setembro em 2007 – o recorde para o mês.

O jornalista Claudio Angelo, moderador dos debates do Clima em Casa, informou que, até metade de setembro de 2020 os incêndios registrados no Pantanal já superavam em 25% todos os ocorridos em 2004, ano anterior em que o bioma mais sofreu com queimadas.

“É unânime aqui que ninguém nunca viu nada semelhante, nem mesmo os mais antigos viram tanto fogo.”, acrescentou Gomes, após acompanhar o combate ao fogo no Parque Estadual Encontro das Águas, que reúne a maior concentração de onças-pintadas do mundo.

Enquanto fogo consome 20% do bioma, mamíferos, anfíbios, répteis e aves sofrem com desidratação, fome e queimaduras

Mauro Pimentel
Jacaré morto pelo fogo no Pantanal: prioridade agora é salvar animais sobreviventes

De acordo com o ICMBio, o parque estadual teve 85% de sua vegetação atingida pelo fogo. “Há uma mobilização para levar água e comida para os animais sobreviventes”, explica o diretor do SOS Pantanal.

Considerada a maior área úmida continental do mundo, o Pantanal abriga, pelo menos, 4.700 espécies diferentes, entre animais e plantas. Levantamento de pesquisadores e do ICMBio indicam que vivem ali 582 espécies de aves, 132 tipo de mamíferos, 113 répteis e 41 anfíbios.

A onça-pintada é uma espécie ameaçada de extinção assim como outros animais típicos do Pantanal como o lobo-guará, celebridade da nota de R$ 200, a ariranha, a onça parda, o cervo do pantanal e a arara-azul-grande. A Fazenda São Francisco do Perigara, área em Barão de Melgaço (MT) onde fica reserva que concentra 15% de todas as araras-azuis, teve 93% de sua vegetação destruída pelo fogo. 

A cada dois dias, voluntários do Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD) percorrem a Transpantaneira, estrada de 150 quilômetros, ligando Porto Jofre, perto do Parque Estadual Encontro das Águas, a Poconé com a missão de depositar água e frutas – bananas, maçãs, mamões – em 70 pontos para os animais que perderam suas fontes de nutrição destruídas pelo fogo.

“São duas toneladas a cada dois dias para evitar que os animais morram de sede e de fome. São cenas inimagináveis como queixadas fazendo fila para beber água”, contou Leonardo Gomes. O Grad já atuou no resgate de animais durante a devastadora enchente na Região Serrana do Rio (2011) e no rompimento das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019). 

Voluntários de outras ONGs de proteção aos animais reforçam o trabalho. “Vimos muitos animais mortos, principalmente répteis, serpentes, jacarés. Vimos muitos cervos mortos, antas mortas, macacos mortos, quatis mortos”, disse ao G1 o veterinário Jorge Salomão Jr. Na Transpantaneira, mesmo com movimento menor devido à fumaça das queimadas e à pandemia, crescem os registros de animais atropelados, principalmente, macacos e cervos tentando escapar do fogo. Os incêndios no bioma também destruíram 10 pontes de madeira na Transpantaneira. 

De acordo com a previsão do Instituto Nacional de Meteorologia, deve começar a chover no Pantanal de Mato Grosso nos primeiros dias de outubro. “Para essa fase depois do fogo, é fundamental esse esforço de preservação da fauna, de ajudar os animais que vão enfrentar fome e sede. É uma tarefa que não pode ficar somente para os voluntários: é preciso ação do estado”, afirmou Leonardo Gomes. Para o diretor do SOS Pantanal, o começo da temporada de chuva precisa marcar também o começo do trabalho de prevenção para que a tragédia ambiental não se repita. “A emergência climática aponta para a repetição de eventos extremos. É preciso se preparar com base nesse cenário”, alertou. 

Resposta lenta e insuficiente

Essa necessidade de preparação adequada também foi destacada no debate do Observatório do Clima por Alice Thuault, diretora-adjunta do ICV (Instituto Centro de Vida), organização de Mato Grosso com foco em governança ambiental e políticas públicas. “É importante lembrarmos que, desde o começo do ano, os dados do Inpe, da Nasa, da Meteorologia, indicavam uma seca extrema no Pantanal o que poderia facilitar as queimadas. Quando os incêndios começaram a se multiplicar, em julho, não havia resposta alguma preparada pelo estado. As ações de combate foram isoladas, por inciativa dosbombeiros e dos brigadistas do ICMBio, que eram inúmero insuficiente para enfrentar o fogo naquela proporção”, disse Alice Thuault no Clima em Casa.

A diretora do ICV lembrou que somente no dia 14 de setembro o governo de Mato Grosso decretou situação de emergência no estado por conta dos incêndios florestais, o que foi seguido por uma promessa de R$ 10 milhões em recursos federais. “É um exemplo de como a resposta foi lenta. Com a seca intensa no Pantanal, o combate ao fogo já seria difícil. Houve muita demora até para reconhecer o tamanho da tragédia ambiental. Devemos esperar que agora haja um esforço para atender as comunidades afetadas, que não são poucas, socorrer a população afetada pela destruição causada pelas queimadas e agir para que isso não se repita”, afirmou Alice Thuault. 

O diretor do SOS Pantanal argumentou que, para a prevenção, é preciso criar unidades especializadas nas áreas ameaçadas pelo fogo. “O pessoal do PrevFogo (grupo de combate a incêndios do ICMBio) e os bombeiros foram verdadeiros heróis. Mas faltaram recursos humanos e materiais quando o fogo estava fora de controle. Quando chegou reforço da capital e até de outros estados, a situação já era gravíssima. Para enfrentar uma temporada seca, que pode se repetir, é preciso reforçar as equipes de prevenção, de fiscalização e também de combate ao fogo lá na ponta para garantir uma resposta rápida”, frisou Leonardo Gomes. 

Oscar Valporto, jornalista


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Oscar Valporto

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