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Em defesa do Gambá: por que esses mamíferos merecerem a nossa atenção e proteção?

Segundo consultor ambiental, espécie se alimenta de carrapatos, baratas, escorpiões e até cobras venenosas, sendo verdadeira aliada da Saúde Pública
Amyra El Khalili
Pravda
São Paulo (SP)

Tradução:

José Truda Palazzo Jr., escritor, ativista e consultor ambiental, é mais conhecido mundo afora por seus mais de 40 anos de trabalho em defesa das baleias e dos ecossistemas marinhos. Mas ultimamente o objeto de seu afeto ativista tem sido um animal bem menos amado e defendido: o gambá.

Depois de cuidar de duas pequenas órfãs que caíram em seu pátio e no de um casal de amigos, ele e a esposa Nalu Machado criaram um projeto para protegê-los da matança indiscriminada que segue acontecendo Brasil afora. Nesta entrevista ele explica o porquê desses mamíferos tipicamente americanos merecerem a nossa atenção e proteção.

Segundo consultor ambiental, espécie se alimenta de carrapatos, baratas, escorpiões e até cobras venenosas, sendo verdadeira aliada da Saúde Pública

Alexandre Toda Faitarone – Wikimedia Commons
É importante informar e educar família, vizinhos e amigos sobre a importância ecológica e sanitária desses ursinhos de jardim

Truda, com tantos problemas ambientais assolando o mundo e o Brasil, por que se preocupar com gambás?

Truda: Justamente por isso! As pessoas costumam achar que os problemas ambientais são algo imenso e distante, desconectado da sua realidade diária, e também não relacionam a fauna urbana e suburbana, como é o caso dos gambás, com a necessidade de proteção da vida selvagem. Se queremos que haja uma verdadeira transformação na sociedade, rumo a um mundo mais sustentável, é preciso que as pessoas se reconectem com a Natureza – não através de imagens de florestas ou mares longínquos, mas sim em sua própria casa e arredores onde vivem.

Construção de outro modelo de economia depende de uma estratégia socioambiental

E como os gambás podem representar uma mudança de paradigma nesse sentido?

Veja, os gambás – pequenos mamíferos do gênero Didelphis que existem da Argentina ao Canadá, em ambientes florestais – aprenderam a sobreviver à invasão humana de seus habitats. Com o avanço das cidades, eles começaram a encontrar abrigo nos nossos telhados e porões, e a buscar alimento nas nossas sobras, ou nas pragas que nos acompanham, como carrapatos, baratas e escorpiões. Até cobras venenosas eles comem, fazendo um verdadeiro serviço de Saúde Pública! Mas as pessoas urbanas são profundamente ignorantes sobre a fauna silvestre, mesmo as espécies que convivem mais de perto conosco. Confundem os gambás com ratos, quando eles na verdade são marsupiais, parentes dos cangurus e coalas da Austrália. Acham que são animais sujos, quando na verdade não soltam mau cheiro (quem faz isso é o zorrilho, outro mamífero muito diferente), e são extremamente limpos, não transmitem doenças e não fazem nenhum mal às pessoas. Essa ignorância, infelizmente, se transforma em raiva e em maldade. São muito comuns os casos de agressões a gambás, que são mortos a pauladas ou até queimados vivos. Diversas vezes isso acontece com mãezinhas que têm a bolsa cheia de filhotes, e ficam assim mais lentas e vulneráveis quando saem em busca de comida. Esses bacanais de crueldade trazem à tona o que há de pior na relação homem-Natureza, e precisamos mudar isso, que acontece dentro ou perto de nossas casas, se quisermos que a mentalidade humana sobre o mundo natural como um todo também mude.

Mas como fazer com que essa ignorância e essas atitudes negativas mudem?

Tem de ser na base da blitz de informação e de educação. Inundar as redes, as escolas, as comunidades de fatos sobre os gambás e a sua importância, e relacioná-los à necessidade de convivência harmônica entre as pessoas e o mundo natural que (ainda) as cerca. Uma oportunidade muito boa para isso acontece com os resgates de gambás órfãos, que acontecem aos milhares anualmente em todo o Brasil, graças a uma enorme rede de voluntários do bem. O que acontece é que quando as mãezinhas morrem depois de agressões, atropeladas ou mortas por cachorros em quintais, muitas vezes os bebês engatinham para fora da bolsa quando o corpinho dela esfria. E aí pessoas de boa índole procuram levá-los aos centros de resgate de fauna estatais, sempre insuficientes e sobrecarregados, ou a voluntários privados. A maioria dos filhotes é reabilitada para voltar à Natureza, mas muitos acabam tendo de ser adotados e ficam vivendo nas casas dos(as) resgatistas. Esses órfãozinhos oferecem uma excelente oportunidade educativa, se forem visitados por familiares, vizinhos, levados a escolas para que as crianças vejam como são bonitos e inofensivos. Mas há um problema: a legislação brasileira sobre fauna não reconhece os resgatistas voluntários, e manter gambás resgatados em casa pode, ao menos em tese, ser considerado crime ambiental! Para mudar essa situação bizarra, propus ao IBAMA uma nova norma que reconheça e ampare os resgates voluntários de gambás, mas a proposta está encalhada em alguma gaveta de Brasília desde setembro do ano passado…

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Será que proteger os gambás é suficiente pra que as pessoas enxerguem a Natureza à volta delas, e que são parte de um grande todo? Me parece tão pouco comparado com a enxurrada de alienação e consumismo que nos chega todos os dias…

Sim, há muito mais o que fazer, mas aprender sobre, e proteger os, gambás é um bom começo. Nas cidades, ao contrário do que se propala, há muita vida natural ainda a ser protegida. Se os jardins e áreas verdes receberem mais plantas nativas da região onde se encontram por exemplo, eles podem atrair e abrigar muito mais pássaros, borboletas, abelhas nativas. Além dos gambás, os morcegos urbanos não são demônios chupadores de sangue, e sim auxiliares do bem-estar humano que polinizam flores e devoram milhares de mosquitos a cada noite. Se formos capazes de entender e ensinar às nossas crianças sobre essas pequenas maravilhas da Natureza que existem no nosso entorno imediato, fica mais fácil fazer delas cidadãos ambientalmente conscientes, que lutem para proteger a Biosfera como um todo, e que, quando forem votar, ponham pra correr da administração pública esse bando de vagabundos e corruptos ordinários que estão hoje no Congresso brasileiro e em muitas Assembleias Estaduais, destruindo a legislação ambiental que levamos décadas para estruturar.

Quem quiser ajudar a proteger os gambás e a fauna urbana pode fazer o que?

Primeiro que tudo, ajudar a informar e educar sua família, vizinhos, amigos, sobre a importância ecológica e sanitária desses nossos ursinhos de jardim”. Depois, tentar reduzir as mortes cruéis e desnecessárias deles; não deixar que sejam mortos por gente desinformada, recolher sempre que possível os cães do pátio à noite, ou remover a ração destes, porque os gambás adoram a ração de cachorro e acabam sendo mortos por estes ao procurá-la. Deixar um potinho de ração ou uma fruta, banana, manga ou o que seja, sobre o muro ou em outro lugar a salvo de cães ajuda muito as mãezinhas esfomeadas a se alimentar com segurança. Se tiver um jardim, plantar frutas nativas, ter arbustos emaranhados no fundo do quintal onde eles e outros animais silvestres possam se abrigar; ajudar a aumentar a arborização urbana, adensar a vegetação em parques e praças, enfim, fazer das nossas cidades lugares mais convidativos e seguros para os gambás e toda a fauna da qual nós literalmente roubamos as casas, e que pedem hoje apenas o direito de conviver conosco nos espaços que ainda lhes sobram

Amyra El Khalili, para Pravda.RU


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Amyra El Khalili Beduína palestino-brasileira da linhagem de Saladino e do Sheik Mohamed El Khalili. É editora das redes Movimento Mulheres pela P@Z!, e Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras.

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