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ToggleNa última quarta-feira (9), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma pausa de 90 dias na aplicação de suas tarifas — superiores a 10% — para a maioria dos países que, segundo ele, concordaram em negociar com os Estados Unidos, com a grande exceção da China, a qual anunciou que serão aplicadas taxas que somam 145%.
Trump reconheceu que sua decisão, anunciada primeiro por meio de sua rede social, foi resultado da disposição de muitos países em reduzir suas tarifas e outras barreiras comerciais, o que ele classificou como um triunfo de sua estratégia. No entanto, também reconheceu que suas medidas comerciais estavam tendo um impacto negativo nos mercados financeiros.
As tarifas de 25% sobre importações dos Estados Unidos vindas do México e do Canadá — de aço, alumínio e automóveis, exceto os que estão sob o T-MEC — permanecem vigentes. E Trump não deixou dúvida de que sua meta com essas tarifas é persuadir empresas a transferirem sua produção de seus dois vizinhos e sócios estadunidenses para os Estados Unidos. “Tivemos três cancelamentos — de [fábricas] no México, todos estão voltando para os Estados Unidos. Do Canadá, estão voltando. Da China, estão voltando. E isso é só no setor automotivo. Temos fabricantes de chips voltando também”, declarou Trump durante um evento na Casa Branca.
Assessores da Casa Branca vincularam a razão da pausa tarifária para a maioria dos países diretamente à disposição desses governos em negociar tarifas e outras barreiras comerciais, assim como questões da balança de pagamentos. No entanto, em um jantar de arrecadação de fundos para o Partido Republicano, na noite de 8 de abril, Trump foi menos diplomático ao caracterizar essas negociações, afirmando diante de seu público de simpatizantes: “Digo a vocês, esses países estão me ligando, beijando o meu traseiro. Estão fazendo isso. Estão desesperados por um acordo.”
Estratégia ou espetáculo
Embora assessores da Casa Branca tenham apresentado diferentes justificativas e razões para as tarifas que entrariam em vigor naquele mesmo dia, os eventos da última semana não deixam dúvidas de que a motivação principal era pressionar outros governos a oferecerem condições econômicas mais favoráveis aos Estados Unidos. Mas também faz parte de um espetáculo protagonizado pelo mandatário.
Trump segue atacando a China por ousar impor tarifas em resposta às aplicadas pelos Estados Unidos. “Com base na falta de respeito que a China demonstrou aos mercados mundiais, aqui estou, elevando a tarifa sobre a China”, publicou em sua rede social. Algumas horas depois, Trump comentou a jornalistas: “A China quer chegar a um acordo. Ainda não sabe como fazer isso, mas vai entender. Querem um acordo”. Logo em seguida, acrescentou: “Um acordo com a China será alcançado.”
Como de costume, diversos integrantes e assessores do governo de Trump pareciam um tanto confusos sobre os detalhes da mudança de política anunciada por seu chefe e suas implicações para a maioria dos países afetados. “Com base no fato de que mais de 75 países entraram em contato… para negociar uma solução para os temas que estão sendo tratados… autorizei uma PAUSA de 90 dias e uma tarifa recíproca substancialmente reduzida durante esse período, de 10%”, escreveu Trump em sua rede social. No entanto, a lista desses países ainda não foi divulgada.
Um sorridente secretário do Tesouro, Scott Bessent, que havia defendido uma pausa e negociações com outros países, declarou à imprensa: “ninguém cria tanto poder de barganha para si quanto o presidente Trump”. Ele destacou que o que aconteceu nas últimas semanas foi “uma estratégia de negociação bem-sucedida” do presidente, que “levou mais de 75 países a aceitarem negociar”. Em seguida, afirmou: “Isso exigiu muita coragem.” Bessent enfatizou que ele havia advertido todos os países afetados pelas tarifas anunciadas que “não tomassem represálias e seriam recompensados”.
Mercado na montanha-russa
Mas essa não é toda a história. Na semana passada, quando um repórter perguntou se a pausa na aplicação das tarifas foi uma resposta ao que estava acontecendo nos mercados de títulos, Trump respondeu: “estava observando o mercado de bônus, o mercado de bônus é muito complicado”. Horas depois, disse: “o mercado de bônus está bonito”.
Os mercados financeiros dos Estados Unidos e de outras partes do mundo, que haviam caído para novas mínimas na manhã de 9 de abril, se recuperaram com grande entusiasmo até o final do dia, registrando seu melhor desempenho desde 2020. Também era visível o alívio entre integrantes do partido do presidente. O senador republicano do Texas, John Cornyn, declarou: “júbilo é uma palavra forte demais”, mas que a pausa “é positiva”. O líder da maioria republicana no Senado, John Thune, não hesitou em concordar.
Embora a maioria dos comentaristas do país tenha recebido bem o anúncio da pausa nas tarifas, muitos destacaram que a incerteza persistente e a ameaça de tarifas no futuro continuarão afetando negativamente vários setores da economia dos Estados Unidos. Talvez por reconhecer isso, o secretário da Agricultura, Brooke Rollins, declarou à Bloomberg News que o governo está considerando oferecer mais assistência financeira para agricultores que agora não poderão exportar seu produto a outros mercados em razão das tarifas recíprocas.
O comentarista conservador Mark Helprin declarou no Wall Street Journal: “este governo está viciado demais no choque, no assombro e na intimidação para perceber o dano que está fazendo a si mesmo”.
Embora haja uma pausa tarifária, não há uma pausa na incerteza que marca o governo de Trump até hoje. E tudo pode mudar a qualquer momento a partir de uma simples mensagem pelas redes sociais.
Maior choque comercial da história
Nero tocando sua harpa enquanto Roma arde resume o que um amplo coro de observadores expressa para definir a conjuntura política nos Estados Unidos.
Pouco depois de Donald Trump declarar suas tarifas universais há duas semanas, provocando quedas nas bolsas de valores e alertas sobre um incêndio no sistema financeiro e comercial mundial, ele foi jogar golfe na Flórida, onde anunciou ter vencido a partida em seu próprio clube, em um evento patrocinado – ou seja, pago à sua empresa – pela Arábia Saudita. Quando comentaram sobre o caos financeiro provocado por suas medidas, respondeu: “você tem que tomar o remédio se quiser consertar alguma coisa”.
Em 7 de abril, já de volta à Casa Branca, o incêndio no sistema internacional se intensificava, com alguns prevendo que a ordem internacional liderada pelos Estados Unidos estava prestes a desmoronar. O dia começou com mais quedas em todos os mercados de ações, e com a persistente incerteza – a condição mais odiada nos circuitos financeiros – sobre o que o presidente americano faria ou deixaria de fazer.
Já ao meio-dia, Trump ameaçava aumentar as tarifas contra a China, enquanto também havia indícios de que poderia iniciar uma série de negociações com vários países, com a promessa de reverter algumas das tarifas – desde que ele pudesse declarar vitória.
O risco de uma recessão
Os dias avançam com intensa especulação sobre quanto dano as tarifas podem causar e por quanto tempo, com a palavra “recessão” sendo mencionada, às vezes em sussurros, às vezes em gritos, por economistas, políticos (de ambos os partidos), historiadores e comentaristas. Há poucos dias, as manchetes dos sites de notícias – sempre acompanhadas de gráficos alarmantes sobre as bolsas – destacavam que nunca antes um presidente havia provocado de forma deliberada um colapso nos mercados financeiros. “Este é o maior choque comercial da história”, comentou Paul Krugman, economista e Prêmio Nobel, em entrevista ao New York Times.
Talvez o melhor resumo da atuação de Trump tenha sido feito pelo comediante Stephen Colbert, apresentador do Late Show, da CBS: “Este é o pior dia para nossa economia desde a Covid [em 2020]… e desta vez, ele é a doença.”
Ao mesmo tempo, a crise provocada pelo presidente também está gerando fissuras dentro de seu próprio círculo interno, entre aliados no Congresso e até no clube exclusivo de seus amigos bilionários. Elon Musk divulgou um vídeo de Milton Friedman elogiando as virtudes do livre comércio e não escondeu seu desprezo pelo assessor econômico do presidente, Peter Navarro. Há relatos de que o secretário do Tesouro, Scott Bessent, também expressou sua esperança de que as tarifas sejam revertidas por meio de negociações, em contraste com o secretário de Comércio, Howard Lutnick, que assegura que tudo está indo bem.
O sempre subordinado senador republicano Ted Cruz, de repente, expressou preocupação com os efeitos eleitorais das tarifas – obviamente mais preocupado com seu próprio futuro político do que com o de seu chefe – ao advertir que seus colegas republicanos no Congresso correm o risco de enfrentar um “banho de sangue” nas eleições legislativas intermediárias de 2026, caso as tarifas de Trump provoquem uma recessão. Ele não é o único republicano: seus colegas, sobretudo dos estados agrícolas, também expressam alarme e até buscam recuperar o poder histórico do Legislativo sobre políticas comerciais, incluindo a imposição de tarifas.
O multimilionário Bill Ackman, até agora fiel a Trump, tuitou que a forma como seu amigo está conduzindo as coisas coloca tudo em risco. “Ao impor tarifas massivas e desproporcionais tanto a nossos amigos quanto a nossos inimigos, lançando assim uma guerra econômica global contra todo o mundo ao mesmo tempo, estamos no processo de destruir a confiança em nosso país como parceiro comercial, como lugar para fazer negócios e como mercado para investir capital”, advertiu ele, acrescentando que isso pode levar a “um inverno nuclear econômico autoimpulsionado.”
O influente banqueiro Jamie Dimon, executivo-chefe do JPMorgan Chase, destacou em sua carta anual aos clientes a incerteza sobre a política de tarifas e expressou o desejo de que isso “seja resolvido o mais rapidamente possível” por meio de negociações, já que os efeitos negativos se acumulam com o tempo.
A fórmula utilizada para estabelecer as tarifas sobre cerca de 185 países (e ilhas desabitadas) consiste em uma equação aritmética que calcula apenas o déficit comercial que Trump alega ser resultado de barreiras injustas impostas por outros países, dividindo esse valor pela metade para chegar à tarifa – uma equação que foi adornada pela Casa Branca com letras gregas para parecer mais sofisticada, segundo análise de uma matemática inglesa à BBC.

Muitos em Wall Street e em outros setores ainda esperam que haja mais indícios de que tudo isso seja apenas uma manobra de negociação de curto prazo. Mas vários especialistas indicam que o dano não será reparado tão rapidamente e que o sistema construído e liderado pelos Estados Unidos ao longo de mais de um século já não poderá ser reconstituído.
A pergunta que não quer calar? Por quê?
A pergunta mais frequente nos EUA nas últimas semanas: por quê? Ou seja, o que está por trás das tarifas massivas? Com a queda das bolsas de valores, o prognóstico de aumentos drásticos no preço de automóveis e celulares, e grandes empresários – de Wall Street ao Vale do Silício – expressando alarme, as especulações sobre as razões e a lógica por trás das tarifas vão desde a ideia de que seriam um instrumento de negociação, parte de um plano de longo prazo para ressuscitar o setor industrial dos Estados Unidos e até uma manobra para provocar de propósito o colapso da economia.
“O cara simplesmente não está nem aí”, comentou ao The Washington Post um funcionário da Casa Branca com conhecimento sobre o que Trump pensa a respeito. “Más notícias? Ele não está nem aí. Vai fazer o que disse que faria. Vai cumprir o que prometeu na campanha eleitoral.”
O próprio presidente alimentou a confusão sobre por que impulsionou as tarifas dessa maneira ao compartilhar um tuíte de uma conta chamada PapaBear nas redes sociais, que dizia: “Trump está derrubando a bolsa de valores em 20%… mas está fazendo isso de propósito.” O tuíte inclui um vídeo que sugere que as tarifas fazem parte de uma estratégia para gerar fundos para o Tesouro americano e enfraquecer o valor do dólar em relação a outras moedas, com o objetivo de reduzir o déficit comercial.
Embora a lógica de provocar a queda das bolsas de valores para melhorar a economia interna seja rejeitada pela maioria dos economistas, e o conteúdo do tuíte compartilhado por Trump contenha várias inverdades, de fato existe uma estratégia econômica promovida por setores da direita que buscam uma reestruturação da economia americana.
“O sistema comercial atual favorece países que reprimem salários, criando uma corrida mundial para baixo. Isso resultou em 40 anos de estagnação dos salários americanos, em uma classe média menor e na queda da qualidade dos empregos”, escreveu na semana passada o economista conservador Mark DiPlacido, da empresa American Compass, no New York Post. “Agora, em vez de buscar lucros no exterior às custas dos trabalhadores americanos, as empresas têm novos incentivos para construir, capacitar e investir aqui, utilizando mão de obra e recursos americanos.”
Coincide em parte o líder progressista do sindicato nacional automotivo UAW, Shawn Fain. “Estamos sentados aqui há mais de 30 anos, desde os primórdios do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, em 1993-1994, vendo nossa base industrial desaparecer neste país”, comentou recentemente em entrevista à National Public Radio. “Metade dos estadunidenses nem sequer possui ações, então, quando ouço todo esse chororô sobre a bolsa de valores, penso: isso é só Wall Street. É gente que já é rica, e, no fim das contas, a maioria da classe trabalhadora está tentando sobreviver agora mesmo. É revoltante saber que nossos meios de vida nos foram arrancados durante décadas e ninguém se importou.”
Para Fain, o objetivo das tarifas é reformar a economia dos Estados Unidos para recuperar empregos industriais no país, mas ele reconhece que o processo de reajuste será difícil. Respondendo a advertências de pessoas como o executivo-chefe do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, sobre uma possível recessão causada pela política tarifária, Fain disse: “E onde estava o JPMorgan, e toda essa gente, quando as empresas estavam elevando os preços… durante os últimos três ou quatro anos?”
Para quem busca uma explicação, nem mesmo os próprios assessores de Trump – muitos dos quais são multimilionários – estão de acordo entre si; na verdade, muitos deles estão perdendo dinheiro com a queda das bolsas de valores. Ainda assim, Peter Navarro, assessor-chave de Trump na Casa Branca, escreveu no Financial Times: “Isto não é uma negociação. Para os Estados Unidos, estamos numa emergência nacional provocada por déficits comerciais causados por um sistema trapaceiro.” E acrescentou: “Trump está sempre disposto a ouvir. Mas os líderes mundiais que, depois de décadas trapaceando, agora aparecem oferecendo reduzir tarifas, devem saber que isto é apenas o começo.”
Concluiu: “Queremos ouvir de muitos países, incluindo Camboja, México e Vietnã, que deixarão de permitir que a China evite tarifas estadunidenses usando seus territórios para exportar. A ameaça muito maior está na rede de barreiras não tarifárias que continuam estrangulando as indústrias dos Estados Unidos. E isso também precisa acabar. Tudo o que os Estados Unidos querem é equidade. O presidente Trump está simplesmente cobrando o que vocês nos cobram. O que pode ser mais justo do que isso?”
Trump voltou a reclamar, na semana passada, que todos estão trapaceando, enfatizando que seu país “perdeu 90 mil fábricas” desde o TLCAN e que o T-MEC “foi muito melhor”. Mas concluiu: “O problema é que eles trapaceiam como loucos. O Canadá trapaceia, o México trapaceia.”
Ou seja, ainda não há consenso, nem dentro, nem fora do governo, sobre o porquê dessa política.
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