Uma aliança de bases migrantes latinas com afro-estadunidenses e brancos progressistas na Geórgia ajudou a resgatar a democracia nos Estados Unidos, logrando selar a derrota de Donald Trump e seus aliados nas eleições de 2020.
Essa aliança foi conseguida com o surgimento de novas bases latinas, em sua maioria de migrantes mexicanos, que começaram a se organizar há mais de 20 anos. O seu início foi em campanhas focadas em necessidades imediatas, como licenças para dirigir para trabalhadores imigrantes, o que é essencial para o transporte a seus empregos na Geórgia, explicou Adelina Nicholls, diretora executiva e cofundadora da Georgia Latina Alliance for Human Rights (Aliança Latina para os Direitos Humanos na Geórgia – GLAHR).
Em entrevista ao La Jornada, Nicholls contou que quando chegou à Geórgia desde o México, as autoridades policiais locais fustigavam e detinham migrantes latino-americanos por não ter licença e os entregavam às autoridades de migração. Em um condado, a polícia local prendeu aproximadamente 70 mil latinos por conduzir sem licença, muitos dos quais foram eventualmente deportados como resultado da colaboração entre autoridades locais e federais.
Nenhuma das organizações nacionais dedicadas à defesa dos direitos dos imigrantes se dedicava a esse tipo de trabalho de base, em torno das necessidades urgentes e imediatas das comunidades de indocumentados. Diante disso, Nicholls, junto com o então cônsul do México em Atlanta, Teodoro Maus, começaram a focar neste tipo de tema, fazendo campanhas junto às autoridades locais a favor de outorgar as licenças aos residentes do estado, sem importar sua condição de migrante, como também frear a perseguição e o abuso aos migrantes no estado.
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Destes esforços, ambos fundaram a GLAHR, e Nicholls e sua equipe começaram a viajar por todo o estado para encontrarem-se com os migrantes mexicanos que chegavam de Hidalgo, Guerrero, Oaxaca, do Estado do México, Guanajuato e Jalisco. “Fizemos muitas reuniões com os chefes da polícia local, como com o chefe da polícia da patrulha estadual, abrindo assim, pouco a pouco, um espaço para ir conseguindo as mudanças”, recorda.
“Estamos fazendo esse trabalho há 20 anos, tivemos batalhas, êxitos, vitórias. Por exemplo, conseguimos que as autoridades de três condados – Fulton, DeKalb e Clayton – deixassem de colaborar com a agência federal de Aduanas e Migração (ICE); logramos que policiais e outros agências de segurança pública deixassem de abusar e intimidar às comunidades em povoadinhos e povoados. Não foi parte de uma estratégia eleitoral, mas da mobilização de bases… Ganhamos algumas batalhas importantes e isso criou uma esperança entre nossa gente de que através do trabalho coletivo de base se pode pressionar de maneira efetiva as autoridades e conseguir algumas mudanças”.
GLAHR/Twitter
Marcha em solidariedade aos trabalhadores mortos em condições inseguras de trabalho (28/04/2023)
Nicholls enfatizou uma e outra vez que construir poder real neste estado só se consegue com a organização de bases de longo prazo em torno dos assuntos e temas que afetam mais diretamente a vida cotidiana de comunidades imigrantes. A socióloga formada pela UNAM, que participou no movimento do CEU em fins dos anos 1980, diz que a GLAHR estabeleceu 18 comitês ao redor do estado, todos conformados por organizações comunitárias locais e hoje convoca reuniões com centenas de participantes aos seus cursos de capacitação e de construção do movimento.
No início, em 2002 os imigrantes latinos estavam trabalhando sós, com suas primeiras mobilizações – marchas e ações para exigir licenças e o fim dos abusos das autoridades – sem apoio dos líderes locais da comunidade afro-estadunidense e outros. Mas em 2011, GLAHR estava explorando maneiras de trabalhar com líderes afro-estadunidenses, com a comunidade gay e progressistas brancos. “Houve uma mudança de geração com os afro-estadunidenses, e a nova geração abraçou a comunidade latina”, apontou Nicholls.
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Os latinos e afro-estadunidenses começaram a entender que compartilhavam desafios parecidos, e que suas lutas estavam interconectadas. As próprias autoridades policiais que estavam perseguindo latinos eram as mesmas que faziam isso com os afro-estadunidenses, que a detenção de imigrante latinos é só outra cara da prisão massiva de negros levada a cabo por um sistema de justiça racista. “Tudo isto abriu espaços para que nós começássemos a trabalhar juntos”.
Surgiram outros tipos de organizações, como o Mijente, que buscam traduzir o poder social destas bases em poder eleitoral. Este tipo de trabalho se expressou por exemplo em campanhas locais para remover xerifes e chefes de polícia locais racistas em três condados no estado.
Através do trabalho com o Mijente, Nicholls começou a conhecer políticos afro-estadunidenses como Stacy Abrams, ex-legisladora estadual, ex-candidata ao governo da Geórgia em 2018 e reconhecida por seu papel em lograr que Joe Biden ganhasse o estado de Georgia em 2020.
33% da população da Geórgia é afro-estadunidense e 10% é latina. Portanto, as alianças entre esses setores são essenciais para fins eleitorais. No trabalho eleitoral realizado pelo Mijente, Nicholls conta: “batemos em 300 portas de latinos e afro-estadunidenses em 2020 com duas demandas fundamentais. Uma era pôr fim à HB287g (lei anti-imigrantes estadual) e a outra era retomar o sistema de fianças para encarcerados – uma demanda chave da comunidade afro-estadunidense”.
A aliança de bases das comunidades afro-estadunidenses e latinas construída ao longo de mais de uma década impactaram o mapa político nacional em 2020. Essa mobilização eleitoral, junto com brancos progressistas, deu o triunfo ao democrata Joe Biden contra Trump – de fato Trump está sob investigação criminal por suas tentativas de tratar de manipular o resultado que marcou sua derrota por pouco mais de 11 mil votos. E não é só isso: o triunfo dos dois candidatos democratas da Geórgia ao Senado federal selou a maioria e, portanto, o controle da câmara alta.
Nicholls diz que esse triunfo com implicações nacionais é algo que os especialistas podem continuar avaliando: “O que seu sei é que temos que continuar construindo o movimento de bases latinas, e a relação com afro-estadunidenses, a comunidade gay e os progressistas para transformar este estado”.
David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
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