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Para o México, construir pontes com os BRICS por meio do Brasil pode ser uma aposta diversificadora e solidária com o Sul Global (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

México no Brics: como tarifas de Trump impulsionam nova expansão do bloco

A aproximação do México com o Brasil e uma possível inserção no Brics surgem como caminhos para diversificar parcerias e reduzir vulnerabilidades diante do protecionismo estadunidense
Mario Campa
Nodal
Cidade do México

Tradução:

Ana Corbisier

Não há dúvida de que a geopolítica vive dias difíceis. E por trás do traçado do novo mapa-múndi de alianças está o mandachuva da Casa Branca. O momento ultranacionalista do hegêmona fecha portas e abre janelas de oportunidade para novos polos de poder. A América Latina está obrigada à articulação para ganhar margem de negociação diante das agressões assimétricas que hoje são norma nas relações internacionais.

Uma das reconfigurações mais notáveis em décadas é a escalada das potências emergentes. Planos audaciosos como o incremento do comércio Sul-Sul ou mesmo a criação de uma moeda desafiadora são hoje algo mais que um sonho distante. Washington sabe disso. Nos últimos meses, Trump ameaçou os Brics com tarifas de 100% caso criem uma moeda para rivalizar com o dólar. “Os Brics estão mortos”, declarou Trump como um aviso, acompanhado de 20 pontos percentuais adicionais em tarifas contra a China e de acusações e ameaças contra a África do Sul.

Os Brics são uma associação econômico-comercial de países emergentes criada em 2010 que, em sua origem, reunia Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Em 2024, outros cinco Estados foram aceitos como membros plenos: Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia. Nos últimos meses, o grupo incorporou treze membros associados, entre eles Turquia, Tailândia e Vietnã, além de Cuba e Bolívia, na América Latina. Em sua diversidade e desalinhamento reside sua força, mas também sua fraqueza.

Ainda que os países do Brics construam instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff, representam um grupo heterogêneo, sem um robusto arcabouço institucional de comércio. Como exemplo, as represálias às ameaças tarifárias de Trump foram tão díspares quanto suas vocações de exportação: enquanto a China contra-atacou com tarifas de 15% sobre o carvão e o gás natural liquefeito e de 10% sobre outros bens, além de vetos de exportação e dossiês antitruste contra corporações estadunidenses, o primeiro-ministro Narendra Modi (Índia) viajou a Washington com a promessa de comprar mais combustíveis e aviões de caça F-35 para negociar isenções.

Mas mesmo diante da heterogeneidade, o desalinhamento com os Estados Unidos e os ambiciosos planos futuros tornam o Brics impossível de ignorar. Para começar, o PIB dos cinco Estados-membros originais, ajustado por Paridade de Poder de Compra (PPC), representou 35% da economia global em 2024, frente a apenas 30% do G7 — e a diferença continua crescendo. E a América Latina tem no Brasil um representante âncora.

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Onde entra o México como segunda maior economia regional?

O México está atado aos Estados Unidos pela geografia e pelo TMEC. Isso o torna um dos países mais vulneráveis à onda protecionista. Os Estados Unidos são, de longe, seu parceiro comercial mais importante, com mais de 80% das exportações — equivalente a quase 30% do PIB — dirigidas ao norte. Essa proporção é muito maior que a de qualquer outro país de renda média e também superior à do Canadá, parceiro e aliado de longa data.

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Cadeias de fornecimento integradas são uma restrição de curto prazo a um Mexit duro, mas as regras do jogo mudariam se Trump impuser tarifas a seus vizinhos. Embora a ameaça de tarifas gerais tenha se diluído nas últimas semanas por uma combinação de lobby corporativo interno e concessões pontuais no exterior, tanto o México quanto o Brasil já são afetados pelas novas tarifas estadunidenses de 25% sobre o aço e (em menor medida) sobre o alumínio. Enquanto a moeda gira no ar, o prudente é guardar cartas para turnos mais favoráveis.

Como Zelenski aprendeu da pior forma, Trump costuma equiparar os embates geopolíticos a jogos de cartas, nos quais as partes escondem e revelam cartas conforme a rodada e o placar de poder. O México tem poucas cartas na histórica relação assimétrica com os Estados Unidos, e uma delas é o redirecionamento de alianças em uma era de multipolaridade e economias de pré-guerra. Onde quer e deve estar o México depois de Trump? Enquanto o debate interno no país e na coalizão governante de esquerda segue aberto, crescem os impulsos pela via latino-americana.

A Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) é uma via para o relançamento do comércio intrarregional. No entanto, a ausência de um secretariado e de uma sede permanentes limita seu alcance e efetividade. O embate entre Petro e Trump ficou evidente quando Honduras cancelou a cúpula extraordinária por considerar uma “falta de consenso” entre os países membros. Ainda que seja uma via institucional que no futuro pode fazer frente à Organização dos Estados Americanos (OEA), no imediato é preciso explorar outros caminhos.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro bilateral com Presidenta do México, Claudia Sheinbaum, em Honduras, em 9 de abril de 2025 (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Onde quer e deveria estar o México depois de Trump?

A porta de entrada do México nos Brics pode ser o Brasil. Em março de 2025, Lula convidou México, Uruguai e Colômbia para participar da reunião do bloco a ser realizada em julho. Antes disso, em setembro de 2024, em uma visita à Cidade do México, Lula confirmou o desejo de firmar novos acordos comerciais com o México. As duas maiores economias latino-americanas têm assinados dois Acordos de Complementação Econômica (ACE) que facilitam o entendimento mútuo.

Segundo dados do Observatório de Complexidade Econômica referentes a 2023, o Brasil foi o sétimo destino das exportações mexicanas, e o México, o sexto das exportações brasileiras. Caso um tratado seja firmado, a provável expansão moderada do déficit comercial no setor mexicano poderia se justificar pela diversificação de mercados e pelo combate estratégico à inflação. Estreitar vínculos com o gigante sul-americano seria uma chave geoeconômica para o Mercosul e uma forma indireta de se aproximar dos Brics sem um confronto direto com os Estados Unidos — uma condição de possibilidade geográfica na realpolitik.

No curto prazo, a prioridade do México é evitar um choque econômico para preservar a redução da pobreza e a estabilidade macroeconômica. Em um segundo momento, uma política de poliamor comercial e o Plano México como projeto de política industrial e expansão do mercado interno seriam novos pilares de soberania.

Construir pontes com os Brics por meio do Brasil é hoje uma carta complementar de negociação e, amanhã, uma aposta diversificadora e solidária com o Sul Global. O México deve aproveitá-la hoje. Amanhã, pode acordar e Lula já não estar mais lá.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Mario Campa Economista e analista político em Diario Red.

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