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Foto: Hosny Salah, fotojornalista palestino em Gaza / Pixabay

“Onde estão os milhões, onde?” Um grito sob os escombros após mais de 600 dias de guerra de extermínio em Gaza

As respostas da Liga Árabe diante dos massacres diários em Gaza não passam de notas de repúdio tímidas e vergonhosas, incapazes de estar à altura do crime contínuo contra a humanidade

Wisam Zoghbour
Diálogos do Sul Global
Gaza

Tradução:

Um grito que um dia ecoou nas ruas e praças do mundo árabe, movendo consciências e acendendo a chama da solidariedade. Hoje, após mais de 600 dias de guerra de extermínio sobre a Faixa de Gaza, esse grito volta a ressoar pelos ares – não como canção nacionalista, mas como um clamor ardente de socorro, vindo debaixo dos escombros, das bocas das crianças famintas, dos corações das mães enlutadas e dos olhos dos órfãos que buscam um calor que perderam para sempre.

São mais de 600 dias de bombardeios, de fome, de deslocamento forçado e de completo isolamento. Massacres contínuos que atingem tanto as pessoas quanto as pedras, que visam a infraestrutura e a memória nacional, que golpeiam o âmago da vida civil em uma estratégia sistemática de destruir Gaza, expulsar seu povo e liquidar a causa palestina. Ainda assim, nosso povo, na resistente Faixa de Gaza, insiste em permanecer em sua terra, armado de vontade, altivez e espírito de resistência.

Em contrapartida, uma pergunta dolorosa se impõe, e não há como evitá-la: onde estão os milhões de filhos da nossa nação? Onde está a fúria popular árabe? Onde está a solidariedade que conhecíamos nos tempos das intifadas e dos massacres passados? Por que silenciou a voz das ruas árabes enquanto em Gaza ecoam os gritos de socorro e de heroísmo?

Compreendemos o nível de repressão, autoritarismo e sufocamento das liberdades sob o qual vivem muitos povos árabes, e sabemos que os regimes trabalharam para cauterizar a consciência coletiva e anular o sentimento nacional. Mas não podemos aceitar que a causa palestina – essência do conflito na região – se transforme em uma notícia efêmera em telas deformadas ou em um tuíte sazonal que desaparece com o fim do bombardeio midiático.

Talvez a postura da Liga Árabe reflita o desalento da realidade oficial do mundo árabe: suas respostas diante dos massacres diários não passam de notas de repúdio tímidas e vergonhosas, incapazes de estar à altura do crime contínuo contra a humanidade. Comunicados vazios que se repetem desde a Nakba, como se a Liga tivesse se tornado um arquivo de notas e não uma instituição atuante que exprima a consciência da nação. Não vimos nenhum movimento político real, nenhum passo diplomático contundente, nem sequer esforços jurídicos para processar os líderes da ocupação como criminosos de guerra. Enquanto essa instituição não se transformar de um fardo formal em um ente efetivo, permanecerão as dúvidas quanto ao seu papel e à sua utilidade.

O silêncio oficial árabe atingiu o grau de cumplicidade, e a normalização com o inimigo sionista já é uma política declarada por alguns regimes. Mas a esperança esteve – e ainda está – nas mãos dos povos. Em sua vontade. Em sua consciência. Em sua capacidade de superar os bloqueios que lhes são impostos. Pois o que acontece em Gaza não é apenas uma questão palestina: é uma causa ética, humana e política que diz respeito a todo ser livre neste mundo e toca a consciência de todo árabe que se diz parte de sua nação.

Hoje, estamos em extrema necessidade de reviver a ação popular árabe, de reconstruir o muro da solidariedade que foi quebrado, de fazer ressoar novamente a voz árabe contra a opressão, em apoio a Gaza, à resistência e à liberdade.

Chegou a hora de o grito renascer do ventre da fúria e da lealdade:

“Onde estão os milhões, onde? Onde está o povo árabe, onde?”

Pois Gaza não clama por ajuda humanitária, mas por consciência, por dignidade e por ação.

Edição de Texto: Alexandre Rocha


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Wisam Zoghbour Jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos e diretor da Rádio Voz da Pátria.

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