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Foto: Duncan C. / Flickr

Monroísmo renascido: Trump vai levar imperialismo dos EUA a novos extremos

Apesar de momentos menos tensos, os EUA nunca abandonaram a Doutrina Monroe, mas as condições históricas do século 21 são diferentes das do século passado
Juan J. Paz-y-Miño Cepeda
Diálogos do Sul Global
Quito

Tradução:

Caio Teixeira

A mídia tradicional e as redes sociais costumam considerar exagero classificar os EUA como imperialista, sendo a própria expressão banida de todos os seus conteúdos. Josef Göebels, o famoso gênio da propaganda nazista durante os anos de Hitler, tinha duas teses sobre comunicação. A primeira, mais sofisticada intelectualmente, era de que é possível dizer uma grande mentira falando apenas a verdade.

Esta é a tese utilizada pelos meios de comunicação tradicionais como rádio TV e jornais, e consiste na utilização de fatos verdadeiros ardilosamente combinados com a exclusão de outros que possam contradizê-los, levando o leitor a um entendimento equivocado da realidade.

A segunda é a tese da barbárie intelectual que voltou à moda no Século 21 com as redes sociais. Através dela, Göebels defende que uma mentira mil vezes repetida acaba sendo aceita como verdade. Esta é a prática utilizada pelas redes sociais atuais de disseminar notícias falsas com velocidade avassaladora, com auxílio de algoritmos a um custo financeiro que só os muito ricos podem pagar.

Em ambos os casos, o resultado é a manipulação da maioria das informações circulantes em favor dos milionários do mundo cada vez mais arvorados a tomar o poder político nas sociedades do chamado Ocidente Coletivo, nas pessoas de seus próprios colegas de classe.

O caso mais emblemático é Donald Trump, milionário do ramo da construção civil nos EUA, eleito para um segundo mandato de “Imperador” estadunidense e que, antes mesmo da posse, já manifesta intenção explícita de anexar o Canadá, a Groenlândia e o Panamá, num retorno à mais tosca política colonial do Século 19. O Chile, até 2022 era presidido pelo milionário da mídia Sebastian Piñera, que foi dono da rede de televisão Chilevisión e sócio da empresa aérea Lan, hoje Latam.

No Equador, outro banqueiro presidente deu lugar em 2023 ao filho do maior empresário do país, que ficou milionário plantando e exportando bananas para os EUA e que hoje atua até na mineração. O México foi presidido pelo presidente da Coca-Cola mexicana, antes da virada de Lopez Obrador

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No artigo a seguir, o historiador equatoriano Juan Paz y Miño Cepeda descreve a evolução da política externa estadunidense na América Latina a partir da independência daquele país até os dias de hoje, quando se observa um retorno ao colonialismo de 200 anos atrás num verdadeiro retrocesso civilizacional. Leia e tire suas dúvidas, se ainda as possui, sobre os EUA serem ou não um império colonial.

*  *  *

Renasce o Monroísmo

A proclamação da independência das Treze Colônias da Grã-Bretanha, na América do Norte, a 4 de julho de 1776, teve um valor universal: pela primeira vez na era do capitalismo, rompeu-se com o colonialismo e constituíram-se os Estados Unidos como o primeiro país inspirado nos ideais e valores do pensamento iluminista, que converteu a liberdade e a democracia em fundamentos inseparáveis da sua evolução posterior.

As independências dos enormes territórios coloniais americanos, que estavam principalmente sujeitos antes de tudo às monarquias de Espanha e Portugal, arrancaram um pouco mais tarde, começando pela independência do Haiti frente à França em 1804 e terminando em 1824 com as batalhas de Junín e Ayacucho.

Nascia a América Latina, com cerca de vinte países que durante o século XIX tiveram de construir os seus Estados nacionais e edificar as repúblicas presidenciais sob os pressupostos teóricos do constitucionalismo, da democracia e dos direitos cidadãos.

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Mas os processos de afirmação dos Estados Unidos tiveram um desenvolvimento diferente ao dos países latino-americanos. Sobre o argumento de se considerar uma nação exemplar que deveria fortalecer o seu poder, transmitir seus valores institucionais ao mundo e garantir sua segurança nacional, inaugurou um expansionismo inédito, justificado tanto pela ideologia do Destino Manifesto como pela Doutrina Monroe (1823).

O maior impacto foi o expansionismo territorial através da compra da Louisiana da França (1803), da Florida de Espanha (1819) e do Alasca da Rússia (1867); a tomada de territórios indígenas a Oeste, que conduziu ao genocídio; a anexação do Texas (1845) ao México, alargada pelo Tratado de Guadalupe Hidalgo, após a guerra com o México (1846-1848), que lhe permitiu conquistar os territórios da Califórnia, Nevada, Utah, Novo México, a maior parte do Arizona e do Colorado, e partes dos atuais Oklahoma, Kansas e Wyoming, a que se juntou a compra de Gadsden (La Mesilla, 1853), ou seja, conseguindo apropriar-se de 55% do território mexicano.

O expansionismo incluiu a guerra com a Espanha (1898), que garantiu aos Estados Unidos o controle de Porto Rico e a intervenção direta em Cuba, onde se impôs a Emenda Platt (1901)*.

O expansionismo do século 19 fez dos Estados Unidos uma potência incontestável. Teve acesso a terras agrícolas férteis para agricultura, recursos energéticos, espaço para o crescimento demográfico e o desenvolvimento do seu mercado interno, a rotas comerciais e, definitivamente, a possibilidades inigualáveis o fortalecimento de uma pujante economia capitalista.

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Não faltaram ameaças e intervenções sobre a América Latina, ainda que essa caraterística tenha se tornado uma política internacional permanente durante o século 20, ao implementar a expansão imperialista, que apelou para a necessidade de proteger a segurança nacional, garantir os investidores norte-americanos, ter governos aliados ou subordinados aos seus interesses e impedir a incursão competitiva de outras potências no continente.

De fato, a Guerra Hispano-Americana é o seu ponto de partida, à qual se seguiram numerosas intervenções diretas ou indiretas, justificadas pelo “Corolário Roosevelt” (1904), que considerava esse intervencionismo como um verdadeiro direito de impor ordem e proteger seus interesses.

O apoio à independência do Panamá (1903) lhe assegurou a construção do canal transoceânico; houve incursões no Haiti (1915-1934); na República Dominicana (1916-1924); várias na Nicarágua, Honduras e El Salvador entre 1900 e 1933, particularmente destinadas a defender empresas como a United Fruit Company em cada “República de Bananas”.

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Para travar a luta contra o “comunismo“, os Estados Unidos conseguiram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR, 1947), que serviu para converter as forças armadas de toda a região em instrumentos da Guerra Fria e que tão graves repercussões viria a ter em boa parte dos países latino-americanos durante as décadas de 1960 e 1970, quando foram implantados regimes civis e ditaduras militares terroristas, violando sistematicamente os direitos humanos.

A isto acrescente-se as ações encobertas da CIA para desestabilizar e mesmo derrubar governos, as sanções de todo o tipo contra diversos países e o infame e ilegítimo bloqueio a Cuba, que tem merecido o rechaço das Nações Unidas durante 32 anos consecutivos.

Os Estados Unidos nunca abandonaram o monroísmo, apesar de momentos menos tensos. Mas as condições históricas do século 21 são diferentes das do passado, porque coincidem três processos: o surgimento de forças progressistas e de uma nova esquerda na América Latina, que reagem contra o neoliberalismo e as imposições imperialistas; a construção de um mundo multipolar com a imparável presença da China, da Rússia e dos BRICS; e a readequação das direitas econômicas e políticas, que tem lançado sua própria luta de classes para impedir um rumo diferente nos países da região.

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Sob estas novas condições, a presidência de Donald Trump projeta o renascimento agressivo do monroísmo. As referências sobre os interesses norte-americanos na Groenlândia, no Canadá, no Golfo do México e no Panamá, bem como as ameaças à Venezuela, ao México e aos governos progressistas; o interesse declarado nos recursos da América Latina e os acordos militares que os acompanham; e, acima de tudo, a necessidade de frear os interesses da China (e da Rússia) no continente, dão sinais de relações internacionais conflituosas, pelo menos com os governos progressistas.

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As primeiras respostas de Claudia Sheinbaum, presidente do México, colocam o país na vanguarda do latino-americanismo. O mesmo não acontece com o Equador, onde a Constituição e as leis são violadas para alcançar acordos militares prejudiciais (2021 e 2023) com os Estados Unidos, que incluem cooperação na luta contra o narcotráfico, mas, também, o uso das Ilhas Galápagos como uma base geoestratégica no Pacífico. 

Desde 2017, o Equador vive um cenário interno de regressão econômica, de consolidação de uma classe empresarial oligárquica no poder, de explosão da criminalidade e do narcotráfico e da sucessão de três governantes desprovidos de sentido nacional, trabalhista e social. O país é hoje um exemplo radical do que significam os governos de empresários-bilionários que usam o Estado para sustentar suas propostas econômicas, os seus negócios e os seus lucros, à custa da sociedade, das leis, dos direitos dos cidadãos, da soberania e da dignidade nacional, ao mesmo tempo que se alinham com políticas que favorecem o monroísmo e se opõem ao latino-americanismo.

* A Emenda Platt, legislação estadunidense do início do século 20 que, na prática declara Cuba colônia dos EUA. Sem ouvir os cubanos obviamente.

Tradução e introdução: Caio Teixeira


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Juan J. Paz-y-Miño Cepeda

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