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Toggle“Celebro a notícia que transcende o financeiro e amplia nosso horizonte. A Colômbia se une oficialmente ao banco do Brics (…) após a solicitação feita pelo presidente Gustavo Petro em Xangai no último mês de maio. Seguimos abrindo caminho para novas oportunidades para o país”, afirmou a chanceler Laura Sarabia no X.
A razão foi o ingresso formal da Colômbia no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), a instituição multilateral do Brics, formados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A adesão foi confirmada pela presidenta da instituição bancária, Dilma Rousseff, durante uma reunião com o mandatário russo, Vladimir Putin, no âmbito da realização do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF).
Trata-se de um dos movimentos mais audaciosos da política externa colombiana em décadas e foi interpretado por especialistas como uma guinada rumo a um modelo de integração com o Sul Global, em busca de autonomia estratégica frente aos centros tradicionais de poder financeiro.
Para o também docente universitário, esta decisão marca uma “inflexão substancial no marco da política externa do país”, e deve ser interpretada não como uma simples estratégia financeira, mas como uma ação profundamente política que responde a uma necessidade urgente: a de recuperar a autonomia estratégica e a soberania nacional.
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Uma guinada estratégica
A Colômbia, historicamente alinhada com os interesses dos Estados Unidos, foi, nas palavras de Corena, “uma peça subordinada no xadrez geopolítico de Washington, articulada à sua estratégia hemisférica de controle, tanto econômico quanto militar”.
Sob essa perspectiva, o ingresso no NBD representa uma reorientação rumo ao sul global, não como um alinhamento automático com outras potências, mas como “uma aposta na construção de um mundo multipolar, onde os países do sul possam exercer seu direito de definir seu próprio destino sem a tutela do capital financeiro global”.
A chegada da Colômbia a essa instituição bancária — criada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul para financiar projetos de desenvolvimento sustentável e infraestrutura — ocorre em um contexto de múltiplas tensões entre Bogotá e Washington.
O presidente da nação sul-americana tem sido claro em seu propósito de diversificar as relações internacionais do país e abrir novos canais de cooperação com a Ásia, África e América Latina. Nessa linha, a recente adesão da Colômbia à Iniciativa do Cinturão e Rota também foi vista como um sinal inequívoco de mudança.

Para Corena, a participação da Colômbia no NBD pode se tornar uma alavanca poderosa para a integração regional.
“A presidência pro tempore da Celac que a Colômbia exerce neste momento é uma oportunidade histórica para reativar as aspirações de unidade de Nossa América”, explica.
O especialista acrescenta que o presidente colombiano tem proposto uma visão que atualiza o ideário de Bolívar e Martí sob a ótica da transição ecológica, justiça social e integração produtiva.
“Petro poderia propor uma linha específica de crédito dentro do banco para iniciativas de integração latino-americana, o que significaria recuperar uma visão que foi traída pelas instituições financeiras tradicionais, como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), hoje transformadas em mecanismos de dominação ideológica do neoliberalismo”, afirma.
Nesse contexto, Corena sugere inclusive a possibilidade de criar uma mesa técnica CELAC–Brics, que articule projetos regionais com financiamento multilateral não condicionado, complementando-se com outras iniciativas como o SUCRE, o Banco do ALBA ou a proposta de moeda comum regional.
Em comparação com organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o BID, o Novo Banco de Desenvolvimento oferece, segundo o analista, vantagens claras.
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Por outro lado, o NBD se apresenta como um instrumento financeiro que respeita a soberania dos países membros.
“Não impõe condicionalidades macroeconômicas regressivas, e seu foco está em financiar projetos que contribuam para o desenvolvimento sustentável, a transição energética e a inclusão social”, afirma Corena. Neste ponto, o analista introduz um matiz importante: “Nenhuma relação financeira está isenta de contradições. A China, como principal ator do banco, também tem interesses estratégicos e econômicos”.
Olhar para o Sul Global
O ingresso no NBD também deve ser analisado no contexto da “autonomia estratégica” promovida por Petro.
“A unipolaridade está se esgotando, e Brics encarna o projeto de uma ordem mundial mais equilibrada”, afirma Corena.
No entanto, reconhece que a Colômbia mantém profundos laços econômicos, militares e culturais com os Estados Unidos e a Europa, razão pela qual “não se trata de rompê-los de maneira abrupta, mas de construir uma política externa soberana que não sacrifique os interesses nacionais aos ditames de nenhuma potência“.
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“A Colômbia deverá sustentar uma posição de não alinhamento ativo. Ou seja, não se subordinar nem ao capital ocidental, nem ao asiático, mas promover uma agenda internacional centrada na defesa da vida, do planeta e dos povos”, afirma o acadêmico, que ressalta: “a neutralidade não deve ser passividade, mas exercício firme de soberania”.
Mais do que o acesso ao crédito, o NBD poderia se tornar uma ferramenta para implementar os pilares da política externa petrista: a transição energética justa, a paz total e a luta contra a mudança climática.
“A transição energética justa requer investimentos colossais, e a Colômbia não pode assumi-los sozinha nem depender do capital especulativo”, aponta. Nesse sentido, Corena vê com otimismo o papel que o banco pode desempenhar em projetos como usinas solares em La Guajira, redes elétricas inteligentes, transporte público eletrificado e reconversão de indústrias poluentes.
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A paz total também requer recursos sustentáveis e não condicionados, especialmente para as regiões mais excluídas.
“Não apenas para desmobilizar os atores armados, mas para construir economias alternativas, infraestrutura rural, serviços sociais e justiça territorial”, explica. O NBD, nesse sentido, pode ser um parceiro-chave para implementar os acordos de paz em zonas como o Pacífico e o sul amazônico.
Em relação à luta climática, Corena propõe ir além. “Por que não propor um fundo regional para o bioma amazônico, financiado pelo NBD com participação dos países da região e com cooperação sul-sul?”, reflete. O mesmo vale para os grandes projetos de conectividade bioceânica: trens elétricos, corredores ecológicos, passagens fronteiriças integradas.
Em suma, conclui o analista, “tudo isso faz parte da visão de uma Colômbia que não seja mais quintal, mas coluna vertebral da nova ordem solidária e multipolar”.