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Desigualdade e democracia

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Roberto Savio*

Roberto Savio. Perfil DiálogosNão passa um dia sem notícias sobre a crescente desigualdade, o indicador que revela o tipo de modelo econômico no qual embarcamos, graças à doutrina neoliberal apregoada pelo chamado Consenso de Washington desde os anos 1990.

O crescimento econômico tem sido distribuído de maneira desigual entre as pessoas comuns e os ricos O crescimento econômico tem sido distribuído de maneira desigual entre as pessoas comuns e os ricos

A suposição de que o crescimento econômico é “uma maré alta que levanta todos os barcos”, como proclamou a falecida primeira ministra britânica Margaret Thatcher (1979-1990), quando anunciou a guerra ao Estado do Bem-estar, assim como o lema paralelo de que uma política favorável aos ricos “filtra riqueza para todos”, estão hoje em dia completamente desacreditados.

Falam que os fatos são inapeláveis. Com fatos, o economista francês Thomas Piketty prova, através de uma monumental análise estatística mundial titulada O capital no século XXI, que ao longo dos últimos séculos o capital obteve maiores dividendos que o trabalho.

O estudo de Piketty demostra que o crescimento econômico tem sido distribuído de maneira desigual entre as pessoas comuns e os ricos, de maneira que estes últimos captam a maior parte dos benefícios e são cada vez mais ricos.

De acordo com o modelo econômico vigente, os herdeiros de capitais ficam com a parte principal do crescimento. Em outras palavras, sugam sua crescente riqueza do resto da população.

Isto significa que estamos voltando aos tempos imperiais da rainha Vitória (1837-1901) na Grã Bretanha.

Está provado que o capitalismo financeiro está na dianteira sobre o capitalismo produtivo.

O último número da revista estadunidense Alfa enumera os 25 gestores de fundos especulativos que mais ganham. No ano passado, esses executivos – todos homens – ganharam a assombrosa soma de mais de 21 bilhões de dólares.

Isto supera os ingressos nacionais conjunto no mesmo ano de dez países africanos: Burundi, República Centro-africana, Eritréia, Gambia, Guiné, São Tomé, Seychelles, Serra Leoa, Níger e Zimbabue.

O premio Nobel de Economia, Paul Krugman, por sua vez, escreve que, considerando o 0,1 por cento com maiores ingressos nos Estados Unidos, regressou-se ao século XIX. Segundo o índice de multimilionários Bloomberg, os 300 indivíduos mais ricos do mundo aumentaram sua riqueza no ano passado em 534 bilhões de dólares, mais que os ingresso conjuntos da Dinamarca, Finlândia, Grécia e Portugal.

O mesmo vale para Europa. Por exemplo, na Espanha, em 2013, as aposentadorias de 23 banqueiros ascenderam a 22,7 milhões de euros (31.2 milhões de dólares) A mesma tendência se observa em toda Europa, inclusive nos países nórdicos, mas também no Brasil, China, África do Sul e outras partes do mundo.

Esta pasmosa disparidade chegou a ser considerada como uma tendência normal na “nova economia”, enquanto o trabalho se trata como uma mera variável da produção, e o desemprego permanente é julgado como inevitável e estrutural.

Por outro lado, a Organização das Nações Unidas afirma que a pobreza extrema no mundo foi reduzida pela metade. O número de pessoas que vivem com menos de 1,25 dólares diários passou de 47 por cento da população mundial em 1990 a 22 por cento em 2010.

 

1.200 bilhões ainda vivem em pobreza extrema
1.200 bilhões ainda vivem em pobreza extrema

Contudo restam 1.200 bilhões que vivem em pobreza extrema, enquanto uma nova classe media está emergindo em todo o mundo, graças fundamentalmente ao Brasil, China e Índia.

Por isso, os defensores do modelo econômico atual argumental que “a existência de uns poucos multimilionários não ser utilizada para negar o enorme progresso que criou um bilhão de novos cidadãos de classe média.”

Este argumento tem três óbvios problemas. O primeiro é que este modelo econômico está limitando os ingressos da classe média nos países ricos e agravará seus efeitos no longo prazo.

O consumo dos multimilionários não pode substituir o consumo de milhões de cidadãos de classe média. A produção de automóveis, por exemplo, ultrapassa à demanda, e o mesmo ocorre com muitos outros produtos. A pobreza global está diminuindo, porém ao mesmo tempo a desigualdade está aumentando.

O segundo problema é que os ricos pagam atualmente muito menos impostos que no passado, graças a múltiplos benefícios fiscais introduzidos nos tempos do também falecido presidente estadunidense Ronald Reagan (1981-1989), sob o lema “a riqueza produz riqueza e a pobreza produz pobreza”.

O presidente da França, François Hollande, descobriu que nos dias de hoje não se pode gravar o capital porque é sagrado.

Pelo menos 300 bilhões de dólares em ingressos tributários são perdidos a cada ano através de uma combinação de incentivos fiscais corporativos e a evasão de impostos. Estima-se que uns quatro trilhões de dólares estão escondidos em paraísos fiscais.

O terceiro problema é mais grave. É redundante citar alguns dos inúmeros exemplos de como a política se está subordinando aos interesses econômicos.

Um cidadão comum não tem o mesmo poder que um multimilionário. Resulta irônico que a Corte Suprema dos Estados Unidos tenha eliminado os limites às doações aos partidos político, com a justificativa de que todas as pessoas são iguais.

Uma vez que as eleições presidenciais nos Estados Unidos custam uns dois trilhões de dólares, um cidadão comum seria realmente igual a Sheldon

Adelson, o magnata estadunidense que doou oficialmente 100 milhões de dólares para o Partido Republicano de direita?

É possível acreditar que esta tendência é boa para a democracia?

E que não devemos nos preocupar pela ascensão de uma minoria desmesuradamente rica? Isto é o que nos dizem e pretendem que

*IPS de Roma para Diálogos do Sul – Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agencia informativa Inter Press Service e editor de Other News.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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