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Banco do Brics, mais do mesmo ou novo modelo de desenvolvimento?

Revista Diálogos do Sul

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Os chefes de Estado de Rússia, Índia e Brasil durante a Cúpula do Brics, em 2014. Foto: Conta oficial do Flickr de Narendra Modi/cc-by-sa-2.0 Os chefes de Estado de Rússia, Índia e Brasil durante a Cúpula do Brics, em 2014. Foto: Conta oficial do Flickr de Narendra Modi/cc-by-sa-2.0

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Kanya D’Almeida*

As cinco economias emergentes que integram o BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizaram sua sétima cúpula na Rússia, oportunidade em que foi inaugurado o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), enquanto 40 organizações sociais de todo o mundo exigem transparência e democracia por parte desse novo órgão financeiro.

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Em carta aberta aos governos do BRICs, as organizações não governamentais também pedem que o NBD, cujo objetivo é financiar a infraestrutura e o desenvolvimento sustentável dos países do Sul, fixe padrões sólidos e assegure seu cumprimento.

Com capital inicial de US$ 100 bilhões, o NBD nasceu graças a uma combinação de circunstâncias, incluída a frustração das cinco potências emergentes com o Grupo do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), dominados em grande parte pelas potências ocidentais.

Segundo um documento divulgado em 2014 pela organização humanitária Oxfam, outro fator que explica a criação desse banco foi o grande déficit existente na quantidade de fundos destinados aos projetos de infraestrutura nos países do Sul em desenvolvimento. Nesse sentido, a ajuda oficial ao desenvolvimento e ao financiamento das instituições multilaterais só atendia entre 2% e 3% das necessidades dos países do Sul, segundo a organização.

Afetada por sanções econômicas em resposta à crise da Ucrânia, a Rússia tem particular interesse em colocar em marcha o NBD e pressionar as agências internacionais de qualificação para que avalizem a dívida do banco, com um primeiro passo necessário para que inicie suas operações.

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Sem contar com a África do Sul, último membro a aderir ao BRICs, os outros quatro países acumulam 25% do produto interno bruto e 41,4% da população do planeta, ou aproximadamente três bilhões de pessoas. Além disso, as fronteiras desses países incluem um quarto da superfície terrestre em três continentes.

Enquanto os chefes de Estado participavam da cúpula, cidadãos de seus países manifestavam dúvidas de que o organismo financeiro nascente seja na verdade uma alternativa aos modelos de desenvolvimento tradicionais liderados pelas potências ocidentais.

“O modelo de desenvolvimento existente em diversos países emergentes e em vias de desenvolvimento favorece estratégias centradas na exportação de matéria-prima e também políticas que são socialmente prejudiciais e ambientalmente insustentáveis, provocando maior desigualdade entre os países e dentro deles”, afirmam as ONGs que assinaram a carta aberta divulgada no dia 7.

“Se o Novo Banco de Desenvolvimento vai romper com essa história, deve se comprometer com esses quatro princípios: promover o desenvolvimento para todos, ser transparente e democrático, estabelecer padrões fortes e assegurar seu cumprimento, e promover o desenvolvimento sustentável”, acrescentam os signatários.

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“Embora o Convênio Constitutivo do NBD tenha um artigo sobre transparência e prestação de contas, até o momento não vimos nenhum indício de políticas operacionais em matéria de transparência ou relacionadas com mecanismos de prestação de contas”, afirmou à IPS Gretchen Gordon, coordenadora da Bank on Human Rights, uma rede mundial de movimentos sociais. “E, lamentavelmente, não existe um diálogo aberto com a sociedade civil a respeito”, acrescentou.

“Quanto ao tipo de desenvolvimento que o NBD oferece, ainda não temos indícios de que o banco tomará uma direção qualitativamente diferente daquela seguida pelas instituições do Consenso de Washington”, pontuou Gordon, por correio eletrônico. “É por isso que os grupos da sociedade civil nos países do Brics exigem um processo participativo e transparente que identifique estratégias e políticas para o NBD, que possam colocá-lo em rumo diferente e proporcionar um desenvolvimento sério”, ressaltou.

Uma das principais preocupações das ONGs é que o banco do Brics copie o velho modelo de desenvolvimento baseado em megaprojetos, que fracassou na erradicação da pobreza e em proporcionar maior acesso aos serviços básicos. Uma pesquisa internacional recente revela que, no transcurso de uma década, cerca de 3,4 milhões de pessoas pobres, principalmente da África, América Latina e Ásia, foram deslocadas por megaprojetos financiados pelo Banco Mundial e por seu órgão de empréstimos ao setor privado, a Corporação Financeira Internacional.

Embora tais projetos pretendessem fortalecer as redes de transporte, a expansão das redes elétricas e a melhoria nos sistemas de abastecimento de água, acabaram agravando a pobreza e a desigualdade que afetam milhões de pessoas.

Um informe da organização Human Rights Watch (HRW) concluiu que a debilidade das salvaguardas e dos protocolos do Banco Mundial habilitou a violação dos direitos humanos de quem se pronunciou contra as consequências econômicas, sociais e ambientais dos projetos financiados pela instituição financeira.

Com esses antecedentes, as ONGs temem que um novo banco de desenvolvimento, operando dentro desse marco falido, contribua com o ciclo sem fim de violência e pobreza que caracteriza a era dos megaprojetos.

Considerando que mais de um bilhão de pessoas não têm acesso a estradas transitáveis durante todo o ano, 783 milhões vivem sem fornecimento de água potável e 1,3 bilhão não estão ligadas à uma rede elétrica, não há dúvidas de que o mundo em desenvolvimento se beneficiará enormemente de uma instituição financeira liderada desde o Sul.

Resta saber se o NBD deixará para trás o velho modelo de financiamento e estabelecerá um padrão de desenvolvimento que seja inclusivo e favoreça os pobres.

*IPS de Nações Unidas, especial para Diálogos do Sul, Editado por Kitty Stapp / Traduzido do inglês por Álvaro Queiruga – versão ao português por Envolverde


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

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