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Informe diz que Trump tentou obstruir justiça, mas não é conclusivo sobre ingerência russa

Segundo o relatório de mais de 400 páginas, o presidente dos Estados Unidos teria cometido obstrução da justiça
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Segundo o informe final do inquérito instaurado para apurar possíveis crimes que teriam sido cometidos pelo magnata Donald Trump, quando da nomeação do primeiro promotor especial comandas as investigações, o então já presidente estadunidense, exclamou: “já me fodi” esperando que já tivesse chegado ao fim seu mandato, 

Divulgado no dia 18 de abril, o informe porém, longe de colocar fim às perguntas sobre as relações da campanha eleitoral do magnata com a Rússia, e se cometeu obstrução da Justiça, só intensificou as controvérsias que estão sitiando a Casa Branca há dois anos.

Afinal, a versão ligeiramente censurada do informe de 448 páginas elaborado pelo promotor especial Robert Mueller, não formula culpas criminais mas, explicitamente, também não inocenta totalmente o presidente.

Embora afirme que por “evidência insuficiente” não se pode formular uma acusação de uma conspiração criminosa com os russos durante a campanha presidencial, o informe detalha tentativas “sistemáticas” russas para interferir nas eleições a favor de Trump, e múltiplos contatos com a equipe do então candidato — algo que Trump repetidamente tem negado.

Contudo, e mais perigoso para o presidente, o informe apresenta ampla evidência sobre os esforços pessoais de Trump para frear a investigação, embora Mueller, no final, deixe nas mãos do Congresso a decisão de formular a acusação de obstrução da justiça.

Muitos — inclusive quase todos os meios nacionais e os democratas e seus aliados — desde o início apostaram quase tudo em que se revelaria uma grande conspiração entre a equipe e até de interesses da família Trump com russos ligados al Kremlin. Porém, tudo isso veio por água abaixo com as conclusões da investigação de Mueller, reveladas em março, quando o procurador geral William Bar emitiu um resumo de quatro páginas sobre o informe.

O informe revela muito do que já se sabia sobre constantes contatos entre subordinados de Trump com oficiais e operadores russos, porém Mueller e sua equipe concluíram: Afinal, a investigação não estabelece que a campanha coordenou ou conspirou com o governo russo em suas atividades de interferência eleitoral. 

O informe afirma que os russos desenvolveram um esforço de desinformação e monitoramento nas eleições estadunidenses e que houve muito mais interações do pessoal de Trump com os russos do que até agora se conhecia.

Trump passou dois anos insistindo que não houve relação alguma com os russos, porém o informe sobre o tema e outros relacionados com a investigação, documenta que o presidente mentiu repetidamente sobretudo nas acusações falsas contra os meios. No entanto, como todos sabem, que Trump minta ou engane já não é novidade.

Segundo o relatório de mais de 400 páginas, o presidente dos Estados Unidos teria cometido obstrução da justiça

"O jogo acabou", tuitou o presidente Donald Trump, referindo-se à série Game of Thrones da TV

Justiça fora dos trilhos

Porém, como é hábito da delinquência política em Washington, os esforços para encobrir um delito sãos mais daninhos do que o delito que se pretende ocultar, como foi no caso de Watergate e o escândalo Irã-Contra.

Segundo o informe, Mueller e seus investigadores detectaram pelo menos dez “episódios” que poderiam ser qualificados como esforços para obstruir a Justiça. O informe registra constantes atos desesperados do presidente para descarrilar a investigação, entre eles o chefe do Departamento Federal de Investigações sobre o complô com a Rússia, esforços por encobrir os detalhes sobre a famosa reunião na Torre Trump com representantes russos e seu comportamento em torno a seu ex-advogado pessoal Michael Cohen, entre outros.

Em junho de 2017, Trump ordenou a seu advogado da Casa Branca, Don McGahn, para que instruísse o Departamento de Justiça para despedir Mueller. McGahan se recusou e com isso evitou um escândalo.

Algo parecido ocorreu em vários outros episódios em que o presidente foi salvo de ter cometido graves atos possivelmente ilícitos de obstrução só porque seus subordinados se negaram a cumprir suas ordens, reza o informe.

Mueller e sua equipe deixam claro que em relação com a obstrução de Justiça, há ampla evidência, mas que por razões legais decidiram deixar a responsabilidade de formalizar acusações ao Congresso.

O informe esclarece que se tivéssemos confiança, depois de uma plena investigação sobre os fatos, de que o presidente claramente não cometeu obstrução de Justiça, declararíamos. Não obstante, baseado nos fatos e normas legais aplicáveis, não podemos emitir esse juízo. Portanto, enquanto este informe não conclui que o presidente cometeu um delito, tampouco o exonera.

O jogo político

Os dirigentes do partido Democrata, a presidência da Câmara de Deputados, Nancy Pelosi e o líder da minoria democrata do Senado, Chuck Schumer, emitiram um comunicado conjunto com foco na obstrução de justiça, acusando que era muito diferente as conclusões do informe da versão resumida de Barr.

Uma coisa fica clara: o procurador geral Barr apresentou uma conclusão de que o presidente não obstruiu a justiça enquanto o informe de Mueller parece minar essa conclusão.

Vários democratas estão pensando em convidar Müller a depor ante o Congresso. Ao mesmo tempo, embora a direção tenha indicado que não desejam caminhar a um processo de impeachment, outros ainda consideram possível depois de avaliar o informe.

Trump e os republicanos declararam uma e outra vez — incorretamente — que o presidente está, a partir desta quinta-feira, “plena e completamente exonerado, apesar do informe Mueller afirmar o oposto.

O presidente continuou seus ataques contra a investigação ao longo do dia, qualificando todo o resto como ataques hostis ao presidente. Trump declarou que essa investigação — que qualificou como farsa — jamais deverá acontecer a outro presidente. Pouco depois, por tuítes, enviou uma imagem dele dando as costas, no estilo do Game of Thrones, com as palavras O jogo terminou, (em referência à temporada final da série televisiva).

Contudo, o presidente nem sempre esteve seguro de que conseguiria escapar dessa investigação. Segundo Jody Hunt, chefe da equipe do então procurador geral Jeff Sessions, que tinha se recusado aceitar a investigação o que, por sua vez seu chefe nunca perdoou, a reação de Trump à nomeação de Mueller foi: o presidente arrastou para trás sua cadeira e disse: “oh Deus! Isto é terrível. Isto é o fim de minha presidência. Já me fodi”.

Enquanto isso, naquela quinta-feira, na Casa Branca, a banda oficial da Marinha decidiu tocar a canção Edelvaisse, famosa por ser parte do filme The Son of Music, cantada pelo capitão Von Trapp, como uma ode à Áustria, seu país, que tem que abandonar junto com sua família para o exílio diante da ocupação nazista. A canção também foi utilizada como tema na nova série de televisão Man in the High Castle, que trata de um Estado Unidos sob um regime fascista. Provocou um intenso debate no Twitter sobre o que isso significa, se sim ou não.

O informe oficial pode ser visto em https://urlzs.com/WtHk

Nota da Redação: 

Difícil entender porque fazem tanta onda em torno da suposta ingerência da Rússia na eleição presidencial, difícil de se provar, e deixam de investigar a interferência direta da Cambridge Analytica e dos bilionários mais poderosos do país, na manipulação das redes sociais através de inteligência artificial para influenciar pessoas e comprando likes com milhões de dólares.

Pelo visto não interessa mexer com isso. Seria como botar fogo no palheiro. Vai todo mundo pro imbróglio: mídia, eleições legislativas e majoritária, a própria eleição de Trump e a legitimidade do sistema democrático anunciado como “a melhor democracia do mundo”. Deve ser, porque logo, logo deverá haver eleições legislativas e mais pra frente a eleição presidencial. Trump já disse que é candidato à reeleição e terá que disputar ou com uma mulher ou com um socialista. Difícil imaginar horror maior que isso para os homofóbicos fanáticos e insanamente anti-esquerdista, que veem o perigo comunista em cada esquina. Mas é divertido pensar na queda de Trump, única maneira de garantir a vitória para os democratas. E vale perguntar: se cair Trump, aguentará no poder nosso êmulo de Trump?

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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