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Israel financia redes para espionar e difamar ativistas contra seu apartheid

Artigos apontam envolvimento de órgãos do governo, inclusive ministérios ligados aos serviços de espionagem israelenses no apoio, troca de informações e orientações com estas redes
Nathaniel Braia
Hora do Povo
São Paulo (SP)

Tradução:

É o que denunciam articulistas em matérias divulgadas em respeitados portais, jornais e revistas tais como The Nation, Haaretz, Electronic Intifada, The Intercept, Forward e The New Yorker.

Os artigos apontam o envolvimento de órgãos de governo, inclusive ministérios ligados aos serviços de espionagem israelenses no apoio, troca de informações e orientações com estas redes.

O alvo central declarado por um destes instrumentos, o aplicativo denominado ACT.IL, recentemente lançado com estardalhaço em Nova Iorque pelo ministro de Assuntos Estratégicos do governo de Israel, Gilad Erdan, é a campanha BDS (Boycot, Divestment and Sanctions – Boicote Desinvestimento e Sanções), uma frente de ativistas e organizações civis que se uniram para lutar de forma civil e de resistência pacífica contra a discriminação e usurpação que os palestinos sofrem sob ação deliberada e definida em leis segregacionistas israelenses.

O BDS se inspira na luta internacional contra o apartheid sul-africano, uma luta que uniu empresas, artistas, esportistas, acadêmicos e cientistas de todo o mundo no boicote a produtos, eventos e serviços da África do Sul, ajudando a isolar, inviabilizar e por fim ao regime de segregação racial no sul do continente africano.

Artigos apontam envolvimento de órgãos do governo, inclusive ministérios ligados aos serviços de espionagem israelenses no apoio, troca de informações e orientações com estas redes

Hora do Povo / Foto Alex Rosenfeld
Site ligado a birô de espionagem israelense é lançado em Nova Iorque

Manipulação no Google

Trata-se de “um aplicativo pró-israelense que atua em parceria com o Ministério de Assuntos Estratégicos de Israel e estimula ‘ativistas’ a influenciar e manipular buscas no Google quando o termo é BDS”, afirma artigo da jornalista Allison Kaplan Sommer, publicado no portal do jornal israelense Haaretz.

Na matéria, de janeiro de 2019, Kaplan – que trabalha como colunista do Haaretz desde 2012 – informa que o próprio portal do aplicativo assume como objetivo conseguir que aqueles que façam buscas através do Google usando o termo BDS “recebam mensagens pró-Israel” ou de difamação da campanha contra o apartheid, a exemplo de matérias ou portais que propalam, entre outras agressões que: “BDS mina a paz”; “BDS promove o ódio”, “BDS é antissemita” e “BDS mente”.

O aplicativo que congrega ‘ativistas’ que recebem como “missão” manipular os pesquisadores no Google, também os orienta a ajudar a promover e a direcionar pesquisadores para o portal especializado na defesa do regime israelense, lançado em junho de 2017, pelo mesmo Ministério de Assuntos Estratégicos de Israel, o 4il (acrônimo de For Israel – Para Israel).

Durante o lançamento, em Nova Iork, o ministro, Gilad Erdan, que comandou a cerimônia de promoção dos portais e aplicativos, fez questão de destacar o envolvimento governamental: “Estou iniciando um esforço internacional para unir os apoiadores de Israel em todo o globo e lhes fornecer uma plataforma que fortalece suas atividades com ferramentas que nos ajudarão a luta junto” e, mais adiante: “Como parte da campanha vamos alimentar os apoiadores de Israel com vídeos, gráficos, artigos e conteúdo”.

Segundo ele, as ações israelenses nas redes configuram “uma capacidade de virar o jogo e mudar a narrativa”.

O aplicativo ACT.IL que diz atuar com “voluntários” e que já teria 15 mil, agindo em 73 países, distribui “missões” a serem realizadas nas mais diversas plataformas. As missões que são oferecidas depois que os apoiadores em potencial concordam em baixar o aplicativo em seu celular, não se restringem a redirecionar buscas para “novidades” positivas sobre Israel, mas há, entre outras, as de registrar reclamações, ou assinar petições junto ao Youtube e ao Facebook exigindo a retirada de postagens que promovam resistência ao regime israelense ou denunciem massacres, como os ocorridos nos bombardeios a Gaza, ou prisões de crianças, além de vídeos divulgados pelo movimento BDS.

O ‘ativista’ recebe pontos pelas ações e isso pode lhe reverter em estímulos na forma de insígnias e medalhas, prêmios e bolsas de estudo.

O portal do aplicativo recorre à usual ideologia da vitimização do agressor dizendo que “o Estado de Israel está sob um ataque de mentiras cujo propósito e deslegitimá-lo enquanto Nação-Estado do povo Judeu” e pede para que os apoiadores de Israel baixem o aplicativo e passem a influenciar o debate sobre a questão “em rede”.

Nos passos de Goebbels

Dentro do princípio goebbeliano [refiro-me ao chefe de propaganda nazista, Joseph Goebbels, que afirmava que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”], os ativistas são orientados a repetirem buscas enfatizando, muitas vezes, resultados desejados de forma a influenciar nos mecanismos automáticos de pesquisa do Google.

O aplicativo ACT.IL é bancado por um trio de organizações nos Estados Unidos e em Israel: a faculdade denominada “Centro Interdisciplinar de Herzlia”, o Conselho Israelense-Americano e a “Força Tarefa Macabi” – estes dois últimos generosamente financiados por Sheldon Anderson, capo de cassinos em Las Vegas, apoiador e financiador dedicado de Bibi Netanyahu e de Trump.

Até a mais prestigiada das revistas judaico-norte-americanas, a Forward, se insurgiu contra o uso de cidadãos americanos nesta rede e, em artigo denominado: “O sombrio aplicativo israelense transforma judeus americanos em infantaria na guerra online”, publicado em novembro de 2017, informa que um ex-funcionário do serviço secreto israelense, fundador e diretor do aplicativo, Yarden Ben Yosef, assumiu que a ferramenta atuou em conjunto com o temido serviço de vigilância interna israelense, o Shin Bet: “Estamos trabalhando com a Força de Defesa de Israel e o Shin Bet, que nos dá informação sobre conteúdo de incitamento”.

Ben Yosef também afirmou à revista que o aplicativo é mais eficiente para remover postagens no Facebook do que pedidos governamentais oficiais da parte de Israel.

Segundo a articulista Kaplan, em reposta a questionamento sobre as possibilidades de distorção em seus portais de busca, o Google deu uma resposta evasiva e confusa: “Nós periodicamente atualizamos os sistemas para melhorar as buscas e as atividades de pesquisa dos nossos usuários variam, de forma que termos que aparecem podem mudar ao longo do tempo”.

Espionagem, difamação e intimidação

Em junho de 2018, o presidente do Fórum Judaico-Muçulmano de Washington, Walter Ruby, em artigo também publicado na Forward, denuncia a perseguição orquestrada pelas redes e serviços de espionagem contra a líder pró-palestina norte-americana, e líder da organização feminista, Marcha de Mulheres, Linda Sarsour.

No artigo denúncia, Ruby se baseia em material divulgado pelo jornal israelense Haaretz e informa:

“No dia 25 de maio (de 2018), o Haaretz publicou um artigo revelando que uma firma de atividades secretas, coletou material de inteligência sobre Sarsour e sua família a pedido de uma organização americana dedicada ao combate do movimento BDS.

“De acordo com o Haaretz, a firma em questão, Israel Cyber Shield (Escudo Cibernético de Israel), ICS, enviou um dossiê sobre Sarsour a uma organização pró-israelense atuante nos Estados Unidos, chamada ACT.IL. A recepção do material foi confirmada pelo próprio presidente da organização.

“A ACT.IL usou a informação coletada pelo ICS incluindo um caso jurídico contra a ativista [ela foi detida quando protestava junto com outras mulheres diante do edifício Trump Tower, contra o governo de Trump, exigindo que pare de perseguir imigrantes mulheres, amplo tratamento pré-natal e contra a discriminação salarial, exigindo salário igual para trabalho igual], material usado para escrever uma carta e distribuí-la, através de ‘ativistas’ conectados a seu aplicativo, para universidades no intuito de barrar sua participação em palestras nos campi dos Estados Unidos.

“A história de Sarsour está longe de ser a única de conteúdo perturbador envolvendo firmas israelenses que pescam informação sobre cidadãos norte-americanos de forma antiética [e ilegal]. Esta história vem depois de outras revelações, como as que envolvem a Black Cube, uma companhia de segurança dirigida por ex-profissionais da inteligência israelense acusados de coletar informação pessoal sobre dois funcionários do governo Obama, Ben Rhodes e Colin Kahl, que atuavam nas negociações em torno do acordo nuclear com o Irã. Soubemos também que a Black Cube bisbilhotou deslizes de mulheres que acusavam o produtor holliwoodiano, Harvey Weinstein, de assédio sexual”.

Ruby afirma discordar das opiniões de Sarsour sobre Israel e de sua campanha em promoção do BDS, mas se insurge contra a maledicência e perseguição a ela, lembrando que ela comandou uma campanha para levantar fundos quando diversos cemitérios judaicos foram vandalizados nos Estados Unidos.

Ruby deixa claro que “no momento em que devemos construir uma coalizão contra o antissemitismo, a islamofobia, racismo e misoginia em um momento em que Trump legitima tudo isso, é contraproducente para os judeus sancionarem uma campanha de difamação contra uma valiosa aliada em potencial”.

Projeto Butterfly e Missão Canário

“Hatem Bazian, um veterano na atividade pró-palestina, aos seus cinquenta anos, vive com sua família em uma rua tranquila, em North Berkeley, próxima ao campus da Universidade da Califórnia, onde é professor. Cedo na manhã de maio de 2017, quando Bazian estava para levar sua filha adolescente para a escola, reparou que havia folhetos nos para-brisas de carros estacionados na mesma quadra que o seu. Ele pensou que seriam anúncios de algum filme ou restaurante. Mas, quando olhou mais de perto, viu que traziam sua foto sob uma tarja que dizia: ‘Ele apoia o terror’. Baiano apressou-se a amassar o folheto para que sua filha não o visse”, é assim que começa matéria de Adam Entous, publicada na revista The New Yorker, publicada em 28 de fevereiro deste ano, denominada “Como uma firma de inteligência israelense espionou um ativista pró-palestino nos Estados Unidos”.

Seguem aqui trechos que considero elucidativos da matéria de Entous, publicada em uma das mais prestigiadas revistas nova-iorquinas:

“Nascido na Jordânia, com pai vindo da cidade palestina de Nablus e a mãe de Jerusalém, Bazian tem sido um dos mais destacados advogados das causas palestinas.

“No entanto, o incidente com os folhetos – me disse ele – o perturbou muito.  Ele alugou sua casa, mudou-se e desde então não divulga seu novo endereço.

“Segundo Bazian – que se descreve como proponente do protesto não violento -, mais tarde, no mesmo dia, reportou o fato à polícia de Berkeley e, segundo ele, os policiais lhe disseram que não podiam fazer nada com relação à agressão.

“Ainda que não esteja claro quem colocou os folhetos, documentos internos de uma firma privada israelense de espionagem denominada Psy-Group mostram que, no momento do incidente, a companhia e possivelmente outros investigadores privados estavam com Bazian na mira por causa de seu papel de liderança na promoção do BDS.”

O autor informa que, em outra matéria, publicada na mesma revista, intitulada “Aluguel privado do Mossad”, divulgada uma semana antes, este Psy-Group, aceitou uma contratação e acabou se envolvendo em atividades de espionagem e difamação contra uma candidata a diretora de um hospital na pequena cidade de Tulare. A operação deu errado. A candidata alvo das maledicências teve 76% dos votos e o PSy-Group acabou fechando as portas quando passou a ter suas atividades investigadas pelo FBI.

Mas, voltemos à primeira matéria:

“Antes de encerrar suas, o Psy-Group se destacava de seus rivais por não apenas reunia informações pessoais; seus operadores usavam identidades falsas, ou operadores, para em segredo espalhar mensagens sobre o comportamento de seus alvos”.

Segundo o autor do artigo, em 2016, a organização começou a atuar nos campi norte-americanos e começou a levantar dinheiro de doadores judeus norte—americanos para suas finalidades, assegurando-lhes de que seriam mantidos no anonimato enquanto doadores.

“A campanha, que recebeu o nome-código de ‘Projeto Butterfly’”, prossegue, “começou por tomar como alvo os ativistas do BDS nos campi de um único Estado dos EUA, Nova Iorque. A companhia dizia que seus operadores formatavam uma lista de indivíduos e organizações a serem colocadas na mira. Os operadores depois reuniam informação desqualificadora sobre eles nas mídias sociais e, em alguns casos, os operadores faziam pesquisa presencial encoberta contra seus alvos.

“Em relatório interno do PSy-Group, está dito que ‘uma nova realidade dos ativistas anti-israelenses é exposta e eles são forçados a se confrontarem com as consequências de suas ações’.

“As mensagens da campanha eram formuladas de forma a igualar a atividade anti-israelense a terrorismo, de acordo com o que a organização prometia aos doadores. Um dos seus antigos empregados disse que essas ‘táticas de nominar e envergonhar’ eram efetivas em silenciar ativistas do BDS.”

De acordo com este empregado do Psy-Group, “eles desapareciam de cena” e exemplificou: “se um ativista se colocava como um piedoso muçulmano, os operadores buscavam evidências de que eles haviam se comportado de formas inaceitáveis aos fiéis de sua religião, tais como beber álcool ou ter casos fora do casamento”.

“O Projeto Butterfly”, finaliza o autor da matéria, “era supervisionado por veteranos ex-funcionários do governo de Israel, dos setores de segurança e advocacia”.

“O mais destacado era Yaakov Amidror que se tornou conselheiro de segurança nacional para o premiê Netanyahu depois de dirigir uma divisão de inteligência dentro da força militar israelense. Amidror me contou que se aconselhou com um dos mais proeminentes advogados de Israel, Daniel Reisner, conselheiro externo do Psy-Group, para se garantir que seus operadores não infringissem lei dos EUA enquanto perseguiam os ativistas norte-americanos. Amidror recebeu de Reisner o conselho de ‘Não bater neles. Não entrar em suas casas’”.

“Depois de Amidror, o Psy-Group recrutou Ram Ben-Barak, que deixou a função de vice-diretor do Mossad ao final de 2011. Barak recebeu pagamento como conselheiro estratégico do Projeto Butterfly”.

De acordo com um informe do Psy-Group de 2017, o professor “Bazian recebeu nossa completa atenção e seu dossiê incluía informações de precedentes criminosos”.

Bazian foi, de fato, preso ao ajudar a organizar um protesto de estudantes em San Francisco em 1991. Para Bazian, sua perseguição faz parte de uma “campanha de difamação para desacreditar quem quer que trate das questões palestinas”.

Em paralelo ao Projeto Butterfly, que junto com seu patrocinador, o Psy-Group, decidiram fechar as portas, em 2018, atua a Missão Canário, que aprofundou a perseguição contra Bazian. Na página, apócrifa da Missão (CanaryMission.org), ele é acusado de “espalhar clássico antissemitismo” e há vídeos sobre ele, um deles intitulado “O mais perigoso professor na América?”

O portal da Missão Canário descreve, claramente, seu objetivo persecutório, “garantir que os radicais de hoje não sejam os empregados de amanhã”.

Interrogatórios no Aeroporto Ben-Gurion

Simone Zimermann, fundadora da organização IfNotNow!, de judeus norte-americanos contra a ocupação da Palestina, que hoje vive em Israel, uma das interrogadas ao chegar ao país – foto IfNotNow – Gili Getz 

Ainda a respeito da Missão Canário, matéria do Haaretz de 15 de junho, 2019, conta o que aconteceu em dezembro do ano passado ao ativista norte-americano Andrew Kadi, quando viajou a Israel para visitar sua mãe. 

“Enquanto andava pelo aeroporto israelense Ben-Gurion, Andrew Kadi, funcionários israelenses o empurraram para o lado e disseram que os serviços de segurança queriam falar com ele.

“O norte-americano Kadi é um dos líderes de um grupo de advocacia que apoia palestinos e sempre que chega na fronteira quando vai visitar familiares e amigos em Israel é questionado. Mas, desta vez, algo diferente aconteceu.

Durante sua segunda de uma maratona que se constituiu em três interrogatórios, que juntos duraram oito horas, Kadi percebeu que muito do que seu interrogador sabia sobre ele vinha da Missão Canário. Pergunta após pergunta, mencionavam organizações listadas no seu perfil no site da Missão. O terceiro interrogador também se baseava em seu mesmo perfil.”

Outra das interrogadas na fronteira com Israel foi Simone Zimmerman, que chegou a integrar a campanha de Bernie Sanders à Presidência dos Estados Unidos e foi fundadora da organização norte-americana que congrega judeus contra a ocupação da Palestina.

A advogada Schaeffer Omer-Man denuncia que ao examinar os arquivos sobre interrogatórios de seus clientes, há referências a material fornecido pelo Ministério de Assuntos Estratégicos, que, depois de Gilad Erdan ( o mesmo que comandou o lançamento do portal 4il e do aplicativo ACT.IL) ter assumido, em 2015, passou de um escritório pequeno com um parco orçamento de alguns milhares de dólares para um orçamento de mais de 100 milhões de dólares e tem como uma das atividades centrais o combate ao BDS. Segundo a matéria do Haaretz, o ministério de Erdan se baseia em “uma rede secreta de organizações que ajudam a defender Israel no exterior”.

*Nathaniel Braia

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Nathaniel Braia

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