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O histórico de controvérsias de Boris Johnson, o novo primeiro-ministro britânico

Descrito como "fantasista em série", novo líder do Partido Conservador e futuro primeiro-ministro do Reino Unido é conhecido, entre outras coisas, pelas mentiras que já contou
Redação GGN
GGN
São Paulo (SP)

Tradução:

A última aparição de Boris Johnson no leste de Londres – a última antes de o Partido Conservador elegê-lo, nesta terça-feira (23/07), como seu líder e, portanto, o novo primeiro-ministro britânico – foi uma daquelas cenas teatrais que o candidato adora. 

Acenando com um arenque embalado a vácuo, supostamente comprado em um defumador de peixes da Ilha de Man, ele comentou: “Por décadas a fio, esses arenques eram simplesmente enviados pelo correio, mas  burocratas de Bruxelas fizeram os custos explodirem. Eles exigem que cada peixe seja acompanhado de um ‘travesseiro’ de gelo.” Segundo ele, isso é sem sentido, caro e ambientalmente nocivo. Depois do Brexit, o Reino Unido poderá se libertar desse tipo de normas, pontificou Johnson.

Acontece que a história é totalmente falsa. Por um lado, a ilha situada entre a Irlanda e a Grã-Bretanha não faz parte da União Europeia, e só segue os regulamentos de Bruxelas se assim o desejar. Como esclareceu imediatamente um porta-voz da Comissão Europeia, em Bruxelas, a UE não é responsável por normas de higiene e segurança nos transportes nacionais, só no âmbito transnacional. Portanto a famigerada caixa de gelo para o arenque defumado é obra de algum burocrata de Londres.

Descrito como "fantasista em série", novo líder do Partido Conservador e futuro primeiro-ministro do Reino Unido é conhecido, entre outras coisas, pelas mentiras que já contou

Governo de Londres
Depois do Brexit, o Reino Unido poderá se libertar desse tipo de normas, pontificou Johnson.

É por causa deste e outros incidentes que Martin Wolf, comentarista-chefe do Financial Times, chama Boris Johnson de um “fantasista em série”, desqualificado para o mais alto cargo estatal britânico. E ele não exibiu suas fantasias incontroláveis apenas em relação a arenques, como também a respeito de uma bicicleta.

Na última segunda-feira, o ex-jornalista Johnson foi indagado qual fora a última vez em que havia chorado: quando sua amada bicicleta “Bikey” foi roubada diante do Parlamento, respondeu. “Eu possui essa bicicleta durante todo o meu tempo como prefeito, ela nunca foi roubada, e eu a prendia com um corrente por toda a cidade. Mal Sadiq Khan [o prefeito do Partido Trabalhista] assumiu, ela foi roubada.”

A intenção da anedota era dar uma rasteira num adversário político, só que o próprio Johnson forneceu a prova de que a história não procedia: em 2014 ele escreveu em sua coluna que “Bikey” havia sido danificada num buraco no asfalto e se tornou sucata. Na época, ele mesmo era o prefeito de Londres. 

Nas mais recentes eleições municipais, em maio, ele tuitou que já votara no Partido Conservador, e que seus compatriotas deveriam seguir o exemplo. O defeito é que em Londres, onde ele reside, não houvera pleito local. O tuíte desapareceu rapidamente da rede.

Estes são apenas alguns exemplos da relação relaxada – para expressar de forma branda – de Boris Johnson com a verdade. “Boris é, claro, uma figura, maior do que o tamanho natural, às vezes bastante difícil. Com frequência não se pode confiar nele”, avaliou Anne McElvoy, do semanário The Economist, falando à emissora alemã Deutschlandfunk.

“Eu fui chefe de Boris Johnson, ele é totalmente inapto para premiê”, escreveu seu antigo superior no jornal The Daily Telegraph, Max Hastings. Há algumas semanas, ele partiu para a ofensiva direta contra o ex-colega: Johnson “não reconheceria a verdade, nem que fosse confrontado com ela numa acareação”.

Num debate recente, o político se esquivou de responder quantos filhos realmente tem. Diz-se que ele teria vários, de casos extraconjugais, e seus assessores devem ter-lhe esclarecido que uma cifra falsa em tal questão poderia desencadear um escândalo de verdade.

No entanto é inútil fazer polêmica contra Johnson, admite o ex-chefe Hastings: “Não se pode tirar a roupa nova do rei de um homem que construiu sua carreira desfilando sem roupa nenhuma.” Pois, por mais que se critiquem suas falhas, seus correligionários não se se deixam impressionar.

Embora nunca, na história britânica recente, um candidato ao cargo de primeiro-ministro tenha recebido críticas tão avassaladoras, ou sido reunidas tantas provas de sua relação criativa com a verdade e de sua incapacidade de aprender os detalhes da função governamental, antes mesmo da eleição desta terça-feira, parecia inevitável o ingresso de Boris Johnson em 10 Downing Street, a sede do governo, nesta semana.

A decisão coube aos cerca de 160 mil membros do Partido Conservador, numa espécie de protoeleição. Compondo apenas cerca de 0,3% do eleitorado nacional, eles não são representativos, enquanto grupo: na maioria, são homens brancos, abastados, de mais idade – mais de 40% deles com mais de 66 anos de idade.

Quando, em 2007, Gordon Brown assumiu de Tony Blair a chefia de governo, sem novas eleições, Johnson escreveu que o procedimento era “antidemocrático”. Doze anos depois, aparentemente o veredicto não se aplica a ele mesmo.

Antigas figuras de proa do partido, como Michael Heseltine e o ex-premiê John Major, condenaram em alto e bom som o atual candidato e sua ambição pelo mais alto posto estatal. Nada tem sido capaz de deter Boris Johnson, e ao que tudo indica, ele já pode ir mandando encher as caixas da mudança, assim que os resultados sejam anunciados.

John Major promete tudo fazer para evitar um Brexit sem acordo sob Johnson. No entanto, segundo a autora do The Economist Anne McElvoy, “Boris é também às vezes bastante esperto e flexível, mais flexível do que leva a crer, com suas palavras de ordem”. “Ele vai tentar negociar mais uma vez. Seja como for, não vai partir direto para um ‘no deal‘.”

A revista política conservadora National Review afirma que “se chegou o tempo de Boris Johnson, então o relógio não está mais funcionando”. Esse pode ser o caso no Reino Unido, porém na União Europeia o tique-taque prossegue: em 31 de outubro é novamente dia de Brexit. Até lá, o novo chefe de governo precisa ter se decidido se realmente concretizará sua promessa mais recente, de que tirar o país da UE é uma questão de “vida ou de morte”.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Redação GGN

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