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Boris Johnson, o Brexit e a farsa “liberal”: por que o neoliberalismo leva o mundo ao fascismo

O caráter fascista do Brexit demonstra que a vinculação do neoliberalismo com a democracia é incidental, pois ele tem viés autoritário
Maíra Miranda
Socialista Morena
São Paulo (SP)

Tradução:

Semanas atrás, o recém-eleito primeiro-ministro britânico fez sua primeira live no facebook, que durou pouco mais de dois minutos.

Boris Johnson reafirmou o compromisso de saída do país da União Europeia até 31 de outubro “sem ‘ses’ e sem mas” (“no ifs, no buts”, nas palavras do líder do Partido Conservador).

A questão é o quê essa aparição nas redes sociais representa. Johnson é precursor entre os políticos que utilizam as redes sociais na Inglaterra. Aparentemente, o primeiro-ministro, assim como Bolsonaro, segue os passos da escola de Trump, com sua estratégia de utilizar as redes ao seu bel prazer e, assim, fugir das entrevistas e questionamentos da grande mídia.

Além disso, Boris Johnson também enveredou pelas fake news, não só ao longo de sua escalada rumo ao cargo de primeiro-ministro, mas também previamente, enquanto ainda atuava como jornalista. Recentemente, houve o episódio em que ele falou a respeito do arenque vindo da Isle of Man. No discurso, sacudia um pacote de peixe congelado criticando as tarifas praticadas por Bruxelas, quando na verdade, a regulamentação de tais produtos é feita pelo próprio Reino Unido. 

O caráter fascista do Brexit demonstra que a vinculação do neoliberalismo com a democracia é incidental, pois ele tem viés autoritário

Reprodução: Facebook
O novo primeiro ministro britânico Boris Jonhson

O caráter fascista do Brexit

Não só pelas fake news, mas talvez por ter ficado claro o caráter fascista do Brexit, de fechar as fronteiras para os demais países e optar por uma saída sem um acordo justo, ou ainda por receio da recessão que já anda dando as caras por lá,  surgiu um movimento, cada vez mais crescente, o Remainer Now, composto por britânicos que mudaram de opinião desde 2016, quando votaram pelo leave e, agora, fazem campanha para que o país não abandone o bloco econômico. 

Em seu livro Rebeldia do Precariado, o sociólogo Ruy Braga já alertava sobre como a votação do Brexit em 2016, combinada com a ascensão de Trump, representavam a sombra do fascismo tomando conta do Ocidente e, ainda, de como isso mostrava que países que pregam desde sempre o neoliberalismo mundo afora apresentam comportamento protecionista e anti globalizante.

Braga mostra como a distribuição desigual dos impactos da crise nas diferentes sociedades nacionais não apenas radicalizou as disparidades econômicas entre os países do Norte e do Sul como tem alimentado soluções regressivas. O objetivo do Brexit seria retomar o controle das fronteiras e ainda defender a ilha do desmanche neoliberal do Estado social praticado em outros países europeus. Entretanto, existe um risco iminente de que a decisão britânica, possa provocar uma instabilidade mundial, uma vez que a Irlanda do Norte, por exemplo, já levantou a possibilidade de cortar seus laços com o Reino Unido no caso de um Brexit sem acordo.

Diversos autores apontam para a ideia de que se faz necessário compreender como se deu a formação da sociedade neoliberal, para que posteriormente seja possível compreender outros fenômenos subsequentes e atuais, tais como a crise da globalização, a ascensão recente da onda conservadora e o surgimento do neofascismo.

Existe um risco iminente de que a decisão britânica possa provocar uma instabilidade mundial, uma vez que a Irlanda do Norte, por exemplo, já levantou a possibilidade de cortar laços com o Reino Unido no caso de um Brexit sem acordo.

Já nos capítulos finais de O Capital, Marx discorre sobre a acumulação primitiva, e é possível compreender como se deram os impactos na transição do sistema feudal para o mercantilista, análise que veremos também sob a obra do filósofo húngaro Karl Polanyi. Marx já apresenta a ideia que as relações sociais das pessoas em seus trabalhos aparecem como suas próprias relações pessoais e não se encontram travestidas em relações sociais entre coisas, entre produtos de trabalho.

Atentamos aqui ao fato de que quando ocorreu a transição do feudalismo, a classe capitalista em formação, grandes massas humanas foram despojadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários absolutamente livres. “A expropriação da terra que antes pertencia ao produtor rural, ao camponês, constitui a base de todo o processo”, dizia Polanyi.

Para ele, o mercado não constitui uma relação natural, pois houve uma ruptura com a ordem tradicional estabelecida pelo feudalismo. Enquanto nos feudos havia reciprocidade, redistribuição e domesticidade, o sistema mercantil suscitava a competição. Polanyi compreende que o mercado é um processo social, que gostaria de ser autônomo, porém está sempre suscetível às forças contínuas da política, se fazendo necessária a intervenção estatal.

No atual cenário mundial nos deparamos com diversos casos em que grandes defensores do mercado neoliberal atuam com medidas protetivas, o que seria contraditório, uma vez que fere o princípio de livre comércio neoliberal 

Somado a esse cenário, havia ainda uma onda de desarticulação social em curso na Inglaterra, em paralelo ao movimento de progresso econômico, resultado do novo regime e ainda  a crença de que “todos os problemas humanos poderiam ser resolvidos com o dado de uma quantidade ilimitada de bens materiais”. Polanyi acreditava que a sociedade humana poderia ter sido aniquilada, de fato, não fosse a ocorrência de alguns contramovimentos protetores que cercearam a ação desse mecanismo autodestrutivo. Polanyi fala em aquilo que ele chamou de duplo movimento, em que, de um lado estava a expansão do ordenamento político-jurídico e de outro a fé inabalável no progresso acompanhada do ritmo acelerado.

Na Inglaterra pré década de 1920, o fracasso do sistema internacional abriu espaço necessário para o surgimento de governos populistas, que representavam uma importante mudança na ordem anterior, uma vez que consistia em um intervencionismo político. Não era de hoje que esse intervencionismo já assombrava a economia e provocava reação conservadora na tentativa de proteger o sistema de mercado.  Posteriormente, em meados da década de 1920, diferentes países da Europa e EUA se sentiram forçados a abandonar os partidos trabalhistas em nome de salvar a moeda.

No livro A Nova Razão do Mundo, os teóricos franceses Pierre Dardot e Christian Laval fazem um ensaio sobre a sociedade neoliberal, que eles explicam que o neoliberalismo implica inclusive na forma como nos relacionamos, e, portanto, se fala em sociedade neoliberal, não podendo o modelo econômico ser dissociado da vida social. O neoliberalismo pode ser definido como o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modelo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência. Os autores apontam o neoliberalismo como razão do capitalismo contemporâneo e mostra sua conexão do Estado, e que o Estado é um agente fundamental para a implementação do capitalismo.

Dentro e fora da Inglaterra, de Macaulay a Mises, de Spencer a Sumner, não houve um único militante liberal que deixasse de expressar a sua convicção de que a democracia popular era um perigo para o capitalis.

A vinculação do neoliberalismo com a democracia é incidental, pois ele tem viés autoritário. Polanyi diz que os próprios defensores do liberalismo pregavam restrições à liberdade quando em conflito com o mercado auto-regulável. “Dentro e fora da Inglaterra, de Macaulay a Mises, de Spencer a Sumner, não houve um único militante liberal que deixasse de expressar a sua convicção de que a democracia popular era um perigo para o capitalismo”.

Dardot e Laval citam o conceito de biopolítica apresentado por Michel Foucault em suas formulações a respeito do papel do Estado no controle da população e concluem, portanto, que uma racionalidade política é, nesse sentido, uma racionalidade governamental. Nesse momento, os autores concordam também com Polanyi que também corrobora da ideia de que é necessária a coerção para a implementação do nosso modelo, não havendo assim outro caminho. O termo ‘governamentalidade’ foi introduzido precisamente para significar as múltiplas formas dessa atividade pela qual homens, que podem ou não pertencer a um governo, buscam conduzir a conduta de outros homens, isto é, governá-los”.

Em No Tempo das Catástrofes, a filósofa belga Isabelle Stengers definiu o panorama atual como barbárie. Fruto da competição generalizada, das desigualdades sociais, esgotamento de recursos naturais e apresenta como consequências, ou até mesmo vítimas, os imigrantes ilegais, o desemprego e a queda da produtividade. Tudo isso decorrente do caráter insustentável do desenvolvimento e pela incapacidade de se conciliar o imperativo de soltar as rédeas do crescimento de se obter vitórias na grande competição econômica.

Fazendo uma leitura geral da formação da sociedade neoliberal, é possível compreender que sua destruição estava em seu cerne, uma vez que na experiência global, não foi possível a implementação do modelo neoliberal utópico, pois em todos os casos se faz necessário a intervenção do Estado em maior ou menor grau.

No atual cenário mundial nos deparamos com diversos casos em que grandes defensores do mercado neoliberal atuam com medidas protetivas, o que seria contraditório, uma vez que fere o princípio de livre comércio neoliberal. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou recentemente a imposição de uma tarifa de 10% sobre US$ 300 bilhões em produtos importados da China. Com a decisão, todos os produtos exportados pela China para os Estados Unidos passam a ser taxados, com tarifas que vão de 10% a 25%. Os EUA alegam temer espionagem por parte do governo comunista chinês, além disso, os EUA visam proteger suas empresas nacionais da concorrência chinês daí o embargo econômico aparecer como uma solução para a superpotência americana.

Conforme disse Ruy Braga, a eleição do candidato republicano nos EUA de fato representou a reação popular contrária à globalização capitalista, anunciada pelo voto britânico em 2016 pelo Brexit. Aparentemente, mesmo as grandes potências estão ditando uma nova ordem, em que soluções protecionistas começam a substituir as receitas globalizantes propugnadas por governos e mercados desde os anos 1970.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Maíra Miranda

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