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Mentiras podem se tornar criminosas quando as consequências são vidas humanas

Ver o manejo da pandemia do coronavírus no país mais rico e poderoso do planeta sob o regime Trump é como ser testemunha de um crime massivo
David Brooks
La Jornada
São Paulo (SP)

Tradução:

O lendário jornalista I.F. Stone repetia que todo estudante de jornalismo só necessitava entender três palavras: “todo governo mente”. Mas essas mentiras podem se tornar criminosas quando as consequências são vidas humanas como é o caso em quase todas as guerras, todas as repressões em massa, nas justificativas da inação sobre a mudança climática e, é claro, em crises de saúde pública. 

Ver o manejo da pandemia do coronavírus no país mais rico e poderoso do planeta sob o regime Trump é como ser testemunha de um crime massivo. Desde que se detectou o primeiro caso em janeiro até hoje, Trump e sua gente têm mentido sobre esse fenômeno, buscando enganar pessoas vulneráveis dentro e fora dos Estados Unidos, tudo guiado pela sempre perigosa mescla explosiva de ignorância e arrogância, pelo manejo caótico por sua equipe e seus familiares, pelo desprezo às ciências e, sobretudo, pelo propósito supremo de evadir custos políticos. Ou seja, tem posto em risco a milhões por seus interesses pessoais políticos.  

O coronavírus é talvez o primeiro fenômeno com que topou Trump durante sua presidência que é imune aos seus ataques por tuíte, seus enganos, suas tentativas de evadir responsabilidade e acusar a outros. Mas ele tentou: primeiro insistindo que o coronavírus era só outro tipo de influenza, acusou os democratas e os meios de inflar o temor para golpear sua presidência, assegurou que tudo estava “sob controle” e se auto elogiou por suas medidas e por sua inteligência em entender o fenômeno, repetiu falsamente que havia suficientes provas disponíveis, que o número de casos já estava se reduzindo, e é claro que acusou o chamado Covid-19 de ser um “vírus estrangeiro”, e culpou a China e os países europeus pelo problema.  Embora na última semana tenha sido obrigado a declarar uma “emergência nacional”, e comprometer-se a distribuir suficientes provas, as mentiras continuam.  

Ver o manejo da pandemia do coronavírus no país mais rico e poderoso do planeta sob o regime Trump é como ser testemunha de um crime massivo

Wikimedia Commons
Depois de passar a praga, a pergunta é: ficará impune esse crime?

“Isto será registrado como um grande desastre de saúde pública prevenível” com possivelmente mais de um milhão de mortos, comentou Andy Slavitt, ex-administrador do centro federal para os programas nacionais de assistência de saúde, enfatizando que “o pecado original foi sua negação da crise durante meses e seu desmantelamento de infraestrutura de saúde pública “ sob este regime.  

Este manejo da crise de saúde pública pelo regime de Trump tem mostrado “um desprezo completo pela vida humana e um enfoque monomaníaco em comprazer o líder, que só deseja aparecer bem e poderosos. Estas são características de uma liderança totalitária”, escreve Masha Gessen em The New Yorker, ao advertir que “uma população agarrada pelo medo cria oportunidades extraordinárias para este presidente, que tem estado buscando seu caminho para um governo autocrático”.

Analistas e veteranos de lutas sociais e políticas como Barbara Dudley advertem que não se pode descartar a possibilidade de que Trump chegue ao ponto de postergar ou cancelar as eleições presidenciais de novembro com o pretexto da emergência nacional.

Nem tudo é culpa dele. Esta pandemia está revelando os saldos das políticas neoliberais aplicadas durante as últimas quatro décadas que no setor de saúde resultaram na redução da capacidade hospitalar geral e de cuidado intensivo, e de equipamentos para este tipo de crise (por exemplo, ventiladores) e o controle quase absoluto do setor por mega empresas de hospitais, seguradoras e empresas farmacêuticas guiadas só por lucros e descartando prioridades de saúde pública.

É esperado um incremento espantoso de casos confirmados ao serem feitas mais provas, e que a infraestrutura de saúde será sobrecarregada e que se multiplicarão os doentes graves e o número de mortos relacionados ao coronavírus.  Mas essas cifras não serão só resultado de uma doença, mas sim das decisões políticas e econômicas, e as mentiras com que sempre se cobriram os autores intelectuais destes crimes sociais. 

Depois de passar a praga, a pergunta é: ficará impune esse crime?

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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