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Biden e Trump protagonizarão uma disputa eleitoral contaminada de coronavírus

Tudo indica que a eleição girará em torno ao manejo da pandemia e suas consequências econômicas e sociais, como também de quem conseguir definir a narrativa política desta crise
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

A contenda eleitoral estadunidense está contaminada de coronavírus, o que não apenas interrompeu fisicamente o processo, anulando os tradicionais eventos e comícios massivos, mas faz com que a resposta política à pandemia agora esteja inevitavelmente no centro do processo que culminará nas eleições nacionais em novembro.

A eleição geral já começou meses antes de que fosse concluído o ciclo de eleições primárias; o Partido Democrata selecionou o ex-vice-presidente Joe Biden como seu candidato (embora ainda pode haver surpresas) para enfrentar o presidente Donald Trump.  

Com o endosso do senador Bernie Sanders, que era seu último concorrente, e hoje da ex-candidata Elizabeth Warren, todas as principais figuras democratas conseguiram a unidade muitos antes do usual, e com isso cessa o fogo amigo e toda a artilharia gira contra Trump.

Sanders, ao endossar a Biden na segunda-feira (13), argumentou que agora a prioridade é fazer tudo quanto seja necessário para “derrotar o presente mais perigosos dos tempos modernos”. 

Com o endosso se esfumam não só as batalhas nas eleições primárias ainda pendentes, mas sim uma convenção nacional conflitiva. 

Assim, Biden ficou como o presunto candidato (o que se fará oficial na convenção nacional), e com isso começaram a chegar outros endosso, nenhum mais importante que o do ex-presidente Barack Obama.

Obama declarou seu apoio ao seu ex-vice-presidente na terça-feira declarando em um vídeo já viral que Biden o ajudou a responder a epidemias durante sua presidência, e elogiou sua experiência e seu compromisso com os interesses da maioria em tempos como estes. Biden centrou toda a sua campanha na ideia de que representa a continuação de Obama, e sua propaganda inclui um convite para regressar a esses tempos “normais”, antes de Trump.  

Mas, ainda com a liderança democrata proclamando agora a unidade, não será automático nem fácil obter o apoio das filas progressistas, sobretudo dos jovens, que impulsionaram as campanhas de Sanders e, em menor grau, de Warren, que representam o futuro do partido. 

Tampouco será fácil superar a ira entre as bases de Sanders, e até certo ponto de Warren, que testemunharam o ataque tanto explícito como subterrâneo da cúpula democrata e seus aliados contra Sanders, algo que chegou a tal ponto que às vezes parecia que para a liderança democrata o maior inimigo era Sanders e sua “revolução política” com sua feroz condenação ao “establishment” político, e não Trump.

Parte das manobras encobertas contra a ameaça de Sanders vieram do ainda rei do partido, o ex-presidente Obama – o mesmo que se proclamava como o “candidato da esperança e da mudança” em sua candidatura em 2008. 

Obama declarou publicamente que se manteria “neutro” até a nominação do candidato presidencial. Mas com a crescente ameaça de Sanders que assustou a cúpula ao encabeçar as preferências no início das primárias, Obama junto com seus colegas e aliados, se intrometeram de várias maneiras. De fato, desde novembro em um ato privado de doadores democratas advertiu contra os candidatos de esquerda, já que o eleitorado “é menos revolucionário e mais interessado em melhorias”, reportou Politico. E nestas últimas semanas, revelou o New York Times hoje, interveio para “acelerar o fim do jogo”, incluindo conversações com o próprio Sanders.

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Trump tem usado tudo, inclusive a pandemia, para fins eleitorais. Cada uma de suas entrevistas coletivas, agora diárias, sobre a pandemia são na verdade atos eleitorais. Esta semana até projetou um vídeo de propaganda política fazendo reluzir comentários editados dos elogios a ele por governadores e sobre seu “grande” manejo da crise.  

E mais ainda, em uma manobra sem precedentes, os cheques de assistência de emergência emitidos pelo governo federal que chegarão a dezenas de milhões de estadunidenses a partir desta semana, como parte do mega pacote de resgate econômico, levarão impresso o nome do presidente (não será ele quem assinará o documento em si, já que isso seria ilegal, mas seu nome estará no cheque) – uma brilhante tática eleitoral que entregará a cada beneficiado uma mensagem: Trump enviou este cheque a você (embora os fundos sejam do tesouro público). 

Ele e seus estrategistas obviamente entendem que seu futuro político depende da narrativa que consigam impor ao seu manejo da pandemia. Por incrível que pareça, seu nível de apoio não sofreu ainda uma queda, apesar de seu já bem documentado manejo tardio, caótico e politizado com seus resultados devastadores.  Mas isso poderia estar mudando segundo alguns indicadores que expressam um nível de aprovação do manejo da pandemia muito maior aos governadores que ao presidente.  

Trump continua com suas táticas de culpar a todos os demais – a China, a Organização Mundial da Saúde, Obama, os meios, entre outros – da catástrofe que tem gerado seu manejo da crise de saúde; não cessa de auto elogiar-se por seu “incrível” trabalho nesta emergência. 

A pandemia eleitoral

Tudo indica que a eleição girará em torno ao manejo da pandemia e suas consequências econômicas e sociais, como também de quem conseguir definir a narrativa política desta crise.  

Antes da pandemia, Trump apostava tudo na continuação do “auge” econômico expressado pelos índices de Wall Street e pela taxa de emprego, tudo o que agora enfrenta a pior crise desde a Grande Depressão. Se a repentina crise econômica não mostrar sinais de uma recuperação, analistas coincidem que isso talvez seja o pior cenário para a reeleição do presidente. 

Por enquanto, os democratas se preparam – e a cada dia há mais material – para atacar o presidente por seu manejo inicial da emergência de saúde pública. Hoje, a presidenta da câmara baixa do Congresso e a democrata eleita mais poderosa do país, Nancy Pelosi, ofereceu uma amostra dessa narrativa. Criticando a decisão de Trump de não dar fundos para a OMS, comentou: “este é outro caso mais…da ineficiente resposta do presidente, de que uma pessoa débil, um pobre líder, não assume nenhuma responsabilidade. Uma pessoa débil culpa a outros”. 

Nunca houve uma disputa eleitoral durante uma crise de saúde e uma crise econômica. A pandemia e suas conseqüências parecem ser o voto decisivo.

David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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