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ToggleA Rússia restabelece sua posição internacional, política, econômica e sobretudo militar, e com isso põe fim à euforia do Ocidente na Guerra Fria, para entrar em uma era onde deverá evitar armadilhas de confronto.
Desde a histórica intervenção do presidente Vladimir Putin na Conferência de Paz de Munique, em 2007, quando reiterou a necessidade de respeito aos princípios de integridade territorial, e de não ingerência e soberania dos Estados, voltaram os desafios para a Rússia.
Naquela ocasião, não se tratava de um confronto entre dois sistemas políticos diferentes e várias ideologias, e sim entre uma potência desejosa de manter sua declarada hegemonia mundial e outra que se atreveu a desafiá-la, depois de parecer completamente derrotada.
Putin reconduziu as Forças Armadas russas a um nível digno, recuperando o respeito as forças de defesa do país.
Depois converteu o Exército russo em uma preocupação para o Ocidente com a resposta à agressão georgiana na Ossétia do Sul, em 2008, a seguir por sua participação no conflito na Síria, em 2015 e, finalmente, com a “ameaça” dos novos armamentos, exibidos em 2018.
Quando falamos de “ameaça”, claro está, é apenas para destacar a forma como se projeta no Ocidente a imagem da Rússia para justificar gastos militares em alguns casos, assim como para dar continuidade a políticas de confronto e buscar um pretexto para aplicar sanções contra Moscou.
Twitter / Reprodução
É evidente a escalada de provocações e manobras com um nítido caráter anti russo perto das fronteiras do país
A OTAN e o imperialismo estadunidense
Um dos objetivos para justificar o aparecimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1949, foi conter a União Soviética em meio ao confronto ideológico, mas esse país desapareceu e o bloco militar manteve-se, com os mesmos objetivos.
Em março de 2015, a companhia Strategic Forecast (Stratfor), vista como uma empresa de fachada mantida pela Agência Central de Inteligência (CIA, publicou seu prognóstico para o período 2015-2025, no qual apontava para um cenário de descalabro na Rússia.
Ao justificar a formação de um arco de bases militares, centros de treinamento e outros meios, assim como a realização de manobras desde a Finlândia até a Geórgia, em torno da Rússia, a Stratfor apontava que seu objetivo era alcançar uma “solução final” para a Rússia, ou seja, sua destruição.
Dividir para reinar e o efeito Putin
A ideia de dividir a Rússia em pequenas formações territoriais, como fez o Ocidente com a Iugoslávia em determinado momento, continua presente, direta ou nas entrelinhas, na maioria das doutrinas militares ou políticas da maior parte das potências ocidentais.
De onde que ocorra qualquer ação de represália frente a um sinal de recuperação das potencialidades da Rússia, sempre encontrará seguidores nos Estados Unidos e mesmo na Europa.
Com Putin, a nação euro-asiática, em lugar de sucumbir às sanções impostas em 2014 por seu repúdio ao golpe de Estado na Ucrânia, incrementou a estratégia de substituição de importações, tanto na esfera agrícola, industrial como de tecnologias avançadas.
Entre outras causas, graças à necessidade de buscar soluções nacionais, catalisaram-se alguns processos de busca de recursos e tecnologias próprias para o desenvolvimento, inclusive da indústria bélica.
Ruptura de acordos e ocupação militar
Enquanto esse processo avançava na Rússia, os Estados Unidos abandonavam todos os compromissos com o desarmamento mundial: o Tratado de Defesa Antimíssil, o de Armas Nucleares de médio e curto alcance, assim como o de Céus Abertos.
Além disso, a aliança atlântica acelerou, com o concurso de países como Polônia, Letônia, Lituânia, Estônia e Romênia, o deslocamento de tropas e meios adicionais dos Estados Unidos para essas nações, inclusive com a possibilidade de instalar neles armas de destruição em massa.
Claro que essa escalada bélica foi apresentada como uma contenção da suposta agressividade da Rússia, em meio aos apelos do presidente estadunidense, Donald Trump, para que os membros da OTAN aumentassem substancialmente seus gastos com defesa.
O cerco da OTAN e as respostas russas
Moscou, por outro lado, depois de advertir durante vários anos que daria uma resposta assimétrica à criação de um escudo antimíssil estadunidense em torno de seu território, para anular seu efeito, passou finalmente à prática com o anúncio de novas armas em 2018.
Como denunciou o vice chefe do Estado Maior das Forças Armadas russas, Serguei Rudskoi, ficou evidente a escalada de provocações e manobras com um nítido caráter anti russo perto das fronteiras deste país.
A OTAN teve que postergar suas manobras Defensor da Europa-2020, previstas para março passado, devido às medidas de quarentena provocadas pela pandemia da Covid-19, mas realizou muitos exercícios em maio, com nítido caráter anti russo, denunciou Rudskoi.
Para a prática dos militares da aliança atlântica, foram utilizados polígonos situados perto da fronteira deste país e neles foram marcados objetivos russos, afirmou. Nos exercícios de março passado estava prevista a transferência para a Europa de 28 mil soldados estadunidenses, 287 tanques e 449 blindados, assim como 95 helicópteros, enquanto as Forças Unificadas da OTAN deviam criar cinco formações bélicas multinacionais, recordou.
Hostilidades e provocações
De outro lado, continuou o deslocamento de complexos antimísseis Aegis Ashore para a localidade polonesa de Rodzikivo, que se soma aos da Romênia, enquanto cresce a preocupação com a transferência para lá de foguetes Tomohawk.
Com as instalações de Aegis Ashore na Polônia e na Romênia abrangesse toda a região europeia da Rússia e se pode dar sequência a voos de mísseis balísticos Topol-M e Yars, insistiu o general russo.
Além disso, se em abril passado os bombardeiros estratégicos supersônicos estadunidenses B-1B voaram uma única vez perto da península de Kamchatka, em maio fizeram o mesmo cinco vezes na zona do mar Báltico, mar Negro, Escandinávia e, até mesmo, sobre a região da Kamchatka, declarou o militar.
Em um desses voos, os B-1B chegaram a apenas dez quilômetros do enclave ocidental russo de Kaliningrado, denunciou ainda Rudskoi.
Pela primeira vez em várias décadas, três destroyers estadunidenses, dotados de sistemas antimísseis, entraram no mar de Barents, em uma atividade de provocação, ao praticar ali uma operação para interceptar foguetes balísticos russos, afirmou o general.
Em maio, os voos espiões dos Estados Unidos e seus aliados da OTAN foram ampliados, somando 10 no mar Báltico e 6 no mar Negro
Sinais trocados
A Rússia propôs evitar manobras perto de fronteiras estrangeiras, transferindo-as para o interior do território, assim como determinar a distância de aproximação entre aviões e navios da Rússia e da OTAN; mas tal proposta não obteve resposta alguma por parte dos Estados Unidos.
A isso se acrescenta o fato de que Washington implanta instalações como o Centro de Preparação Combativa, na Geórgia, país que, sem ser membro da aliança atlântica, conforma outra plataforma para fechar o cerco em torno da Rússia com dispositivos militares de todo tipo.
Moscou, por outro lado, acaba de ratificar sua concepção estatal de contenção nuclear, onde se esclarece em detalhe quando esta nação pode apelar para o uso de suas armas de destruição em massa. O porta-voz do Kremlin esclareceu que este país nunca iniciará um confronto nuclear.
No entanto, o Ocidente, e em especial os Estados Unidos, encarregam-se cada dia de transformar a arma nuclear, de um meio de contenção em um meio de possível uso bélico, ao reduzir o limite para o emprego em todas as suas doutrinas.
A preocupação de Rudskoi sobre o aumento das provocações é uma reação ao que parece ser só o começo de um perigoso rumo para perturbar a estabilidade estratégica e a paz no mundo, quando pouco a pouco desaparecem os mecanismos para garanti-las.
Antonio Rondón, Correspondente chefe de Prensa Latina na Rússia.
Tradução de Ana Corbisier