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"É o maior roubo da história", diz palestino sobre anexação de terras da Cisjordânia

Ativista palestino critica plano apoiado por Donald Trump e apresentado pelo primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu para expandir fronteiras de Israel
Lu Sudré
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

Considerada uma violação do direito internacional pela Organização das Nações Unidas (ONU), a anexação de partes da Cisjordânia por Israel segue encontrando oposição em nível global. 

Na última terça-feira (7), ministros das Relações Exteriores da França, Alemanha, Egito e Jordânia somaram-se a outras manifestações e reforçaram o pedido para que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu abandone o plano de declarar terras palestinas ocupadas ilegalmente desde 1967 como pertencentes a Israel.

O plano apresentado como o“Acordo do Século” por Netanyahu ao lado de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, prevê a apropriação de 30% das colônias e territórios palestinos no Vale do Jordão, localizado a 50 km de Gaza, assim como a criação de um estado Palestino restrito às áreas restantes.

Os debates no parlamento israelense estavam previstos para ter início em 1º de julho, mas foram adiados diante da pressão internacional.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o ativista palestino Sami Khader, que mora na Jerusalém Oriental, denuncia que a proposta de anexação é a continuidade de um projeto de colonização. 

Segundo Khader, integrante da organização não governamental Ma’an Development Center, que promove iniciativas para assegurar direitos básicos ao povo palestino, anexar as terras ocupadas seria uma forma de legitimar os crimes israelenses.

“Nosso slogan é: ‘Existir significa resistir’. Se quisermos continuar na nossa terra, temos que resistir. Temos que resistir a essa anexação porque é o maior roubo da história. Os palestinos não irão aceitar isso. Nos manifestamos e pedimos solidariedade da comunidade internacional, de todas as pessoas do mundo, para que levantem e se posicionem contra esse roubo”, afirma o ativista.

Ele acredita que caso a anexação de fato seja oficializada, Israel e Estados Unidos “sufocarão o sonho palestino” da criação de um estado.

“A violência é sistemática. É planejada. Não é algo que acontece no caos. Se olhar a história, encontrará movimentos de Israel implementando essas estratégias. O que precisamos é de apoio político. Precisamos que as pessoas saibam o tipo de opressão a qual estamos submetidos e que temos o direito de resistir.”

Ativista palestino critica plano apoiado por Donald Trump e apresentado pelo primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu para expandir fronteiras de Israel

icarabe.org
Em Gaza, menina protesta contra a anexação de parte da Cisjordânia, planejada por Israel

Confira a entrevista na íntegra 

Brasil de Fato – O que esse plano apresentado por Netanyahu e apoiado por Trump representa para o povo palestino?

Sami Khader – Antes de tudo, eu gostaria de salientar que o que está acontecendo agora não é algo desconectado do passado histórico dos últimos 52 anos da ocupação de Israel. O que estamos enfrentando é uma contínua opressão dos israelenses contra os palestinos desde 1948 até agora.

O que está acontecendo é que Israel está tentando legitimar o roubo das nossas terras. Eles querem roubar mas legitimar de alguma forma falando em anexação. A “anexação” não é de algo que é deles e querem incluir. [As terras] Não são propriedade de Israel. Essa terra é Palestina há muito tempo, há séculos. E Israel está tentando tomá-las, de um jeito ou de outro, com apoio total dos Estados Unidos.

Para nós, é a continuidade do que chamamos do sistema de apartheid que enfrentamos ao longo de todos os anos de nossas vidas. 

Vivo na Jerusalém Oriental, que está sob domínio de Israel desde 1967. Meus pais viviam na Jerusalém Ocidental, em um bairro chamado Katamon, mas perderam sua casa e se tornaram refugiados na Jerusalém Oriental.

Foi o que aconteceu em 1948, quando Israel ocupou 78% da Palestina. A maioria dos palestinos que estavam vivendo em Jerusalém foram expulsos pelos diferentes tipos de massacres, confrontos e guerras que esse movimento israelense lançou contra os palestinos. Eles foram obrigados a deixar suas terras, suas casas, suas fazendas, e tornaram-se refugiados em Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Faixa de Gaza. Alguns deles foram para o Líbano, Síria e Jordânia, ou outras áreas do mundo.

Quais seriam as consequências diretas desse processo de anexação, caso ele prossiga?

A anexação que eles estão falando é de 30% da Cisjordânia. Para deixar claro: perdemos 78% da Palestina em 1948. O que restou foi 22%. Agora, esses 22% eles querem anexar, roubar e tirar à força. Essas terras estão, principalmente, no Vale do Jordão. Que tem 30% da área total da Cisjordânia, a área mais rica, uma área de agricultura, que chamamos de “cesta de alimentação” da Palestina na Cisjordânia.

Há muitos lugares históricos. É o que chamamos como o “pulmão da Palestina”, onde há contato com a Jordânia. Ao anexar essa área, não haverá mais continuidade ou conexão entre a Cisjordânia e a Jordânia. A Palestina estará sufocada, isolada em áreas separadas. Anexar 30% significa que perderemos totalmente nossas terras, nossos aquíferos de água, os recursos naturais. Não terá nenhuma conexão entre o Vale do Jordão e outras partes da Cisjordânia.

 Quando perdemos todas essas terras, perdemos todas nossas fontes. Não teremos água, não haverá terras e nessas áreas, principalmente, há vilas e palestinos que serão isolados 

O que está acontecendo agora não é novo. Começou com Alon, do Plano Alon, o primeiro ministro de 1968, que começaram a confiscar a cada ano, mais e mais terras, confiscaram nossas recursos de água. Agora, nesse momento, eu posso dizer que cerca de 95% do Vale do Jordão está totalmente sob controle deles.

O que eles estão fazendo é legitimar isso, matando as aspirações dos palestinos. Barrando o que chamamos da solução dos dois estados. Não haverá nenhum Estado para os palestinos. Não haverá continuidade entre as diferentes áreas entre a Cisjordânia e o Vale do Jordão.

E também a anexação não é limitada ao Vale do Jordão. Eles estão falando de anexar os grandes assentamentos. O primeiro é o Maale Adumim, o segundo maior assentamento israelense ou colônia, a 16 km de Jerusalém. Esses querem anexar e isso significa que não haverá continuidade entre a Jerusalém Oriental, Ocidental e o Vale do Jordão até o Mar Morto. 

Nessa área, de acordo com o plano, não haverá palestinos. A Cisjordânia será cortada na metade. Eles vão evacuar cerca de 21 mil beduínos palestinos das comunidades dessas áreas para outras vilas. Eles vão sufocar o sonho palestino. Irão matar a solução de dois estados e, ao mesmo tempo, terão o controle total do Vale do Jordão e do assentamento.

O segundo assentamento, o Rosh Atzion, em Bethlehem ficará totalmente desconexo do sul e de Jerusalém. Esse assentamento confiscou 87% das áreas rurais das vilas da região.

O terceiro assentamento é em Ariel, a maior colônia israelense no centro da Cisjordânia. Em geral, ele querem anexar cerca de 450 mil colonos israelenses que agora vivem na região. Isso significa que a Cisjordânia será como um queijo suíço. Não há continuidade. Não haverá esperança para um Estado palestino ou para a liberação. 

Terminaremos com um estado. Os palestinos lutarão pela solução de um estado e é claro que Israel não aceitará isso. Um estado significa o fim do apartheid, do chamado Estado judeu puro. 

Quando perdemos todas essas terras, perdemos todas nossas fontes. Não teremos água, não haverá terras e nessas áreas, principalmente, há vilas e palestinos que serão isolados. Não terá áreas para cultivar e cuidar das ovelhas e dos bodes. Eles terminarão sendo trabalhadores precarizados trabalhando na terra deles, para os colonos israelenses e nos assentamentos. 

Então, algumas faces dessa violência que seria legitimada pela anexação já são realidade?

É o que estamos vivendo agora. Uma grande porcentagem da população palestina, ao invés de investir em sua própria terra, cultivar e plantar, se tornaram trabalhadores para colonos israelenses. 

Vou dar um exemplo: uma família israelense veio para uma vila pequena no Vale do Jordão, a 10 km a norte de Jericó, a cidade mais antiga do mundo. Eles foram para lá e confiscaram milhares de km², e manejaram uma área enorme. Eles tem piscinas, celeiros para animais, todas as formas de facilidades.

De piscina à educação, a cuidado à saúde. Começou com uma família vivendo lá e agora existem muitas. Os palestinos dos vilarejos conseguem ouvir a água atravessando o cano por baixo de seus pés e não têm direito de usar a água.

Eles não têm direito de usar a eletricidade, mesmo que esteja instalada em suas terras.  Eles não têm serviço médico ou escolas. Mas os outros têm tudo. Essa é uma comparação, as contradições que estamos vivendo. Será mais e mais difícil para os palestinos no futuro.

E qual a reação dos palestinos a essa ameaça?

A posição oficial é a rejeição ao nível nacional. A população em geral está contra esse plano. É uma guerra criada por Trump e Netanyahu, para dar a ele mais poder para que seja eleito de novo.

Que direito Trump tem de dar uma terra, que não é dele, para outro Estado? Que foram estabelecidas como terras palestinas?

Os palestinos irão resistir. Há 52 anos, no Vale do Jordão, nosso slogan é: “Existir significa resistir”. Se quisermos continuar na nossa terra, temos que resistir. Esse é nosso slogan. Temos que resistir a essa ocupação. Resistir à anexação, porque é o maior roubo da história. 

Os palestinos não irão aceitar isso. Nos manifestamos e pedimos solidariedade da comunidade internacional, de todas as pessoas do mundo, para que levantem e se posicionem contra esse tipo de roubo.

As manifestações estão acontecendo com frequência?

Estamos fazendo nosso melhor para aumentar a resiliência do nosso povo. O direito do nosso povo sobre sua terra. A resposta acontece há 52 anos no Vale do Jordão. Eles foram enganados por israelenses e americanos que disseram falar sobre área A, B e C. Em alguns anos, os palestinos iriam retomar as áreas B e C. 

Só para saberem, a área A consiste nas cidades, 18% da área total Cisjordânia. A área B é 22% da Cisjordânia e a área C é 61%. A área C, incluindo Jerusalém Ocidental, entrou para o que eles chamam de “últimas negociações”.

“A Palestina está unida e determinada a continuar sua luta para a liberação, por nosso direito de estabelecer um Estado como qualquer população do mundo”

Desde a Conferência de Madrid, em 1991, são 29 anos de negociação. O que eles fizeram? Israel confiscou mais terras, eles têm mais assentamentos em nossa região. Agora, em Jerusalém Ocidental e Oriental, eles têm 721 mil colonos, aproximadamente 20% da população de Israel. 

Eles geriram para ter mais e mais assentamentos, mais colônias, cerca de 1030 colônias e mais de mil assentamentos israelenses menores. Nos últimos 29 anos, eles mudaram o futuro democrático da Cisjordânia.

Um exemplo: Apenas no Vale do Jordão, em 1966, existiam 300 mil palestinos vivendo no local, incluindo Jericó. Os palestinos estavam crescendo em torno de 3.7% e 3.9% a cada ano. Era para estarmos alcançando 1 milhão agora, após 52 anos.

Atualmente, a população palestina no Vale do Jordão é de 66 mil. Eles agiram de forma a evacuar os palestinos, os afastando de suas terras e campos de refugiados. É um sistema de extração, confisco e todas as formas de restrições. De serviços, de mobilidade, de acomodações. Até mesmo de construção.

Ninguém pode construir sem a aprovação de Israel. Os palestinos enfrentam todos esses tipos de restrições, restrições para movimentação, evacuações à força. Eles controlam tudo.

E veja a contradição: 66 mil palestinos estão vivendo no Vale do Jordão e eles têm 11 mil colonos, que controlam metade da área do Vale do Jordão, cerca de 250 mil km². Além das áreas controladas pelos colonos, o resto são áreas fechadas, áreas de treinos militares, bases militares de Israel. O que resta aos palestinos? Menos de 5%.

“Precisamos ter o maior boicote e desinvestimento e sanções contra esse apartheid. Sem isso, eles continuarão” 

Essa é a vida. É muito triste. Estamos construindo casas para as pessoas, com suporte de agências da ONU. Algumas semanas atrás, eles destruíram 12 delas. Por que? Eles não querem que ninguém esteja lá. Querem evacuar, querem deslocar os palestinos de suas comunidades. Eles querem anexar essa área, tomá-la e entregá-la a mais colonos.

Essa é nossa terra. Nosso Estado. Parte do sul da Síria. Originalmente a Palestina era parte do sul da Síria. E o estado de Israel só existiu em 1948. A vida é difícil mas os palestinos insistem em manter sua luta popular contra o apartheid. 

É isso que eles estão fazendo, unindo os palestinos. Temos 1.6 milhão de palestinos dentro de Israel, 2 milhões em Gaza e 3 milhões na Cisjordânia. Agora, os palestinos, na Palestina Histórica, são 51%. Eles estão unindo os palestinos para a luta por um estado. 

E quais são os posicionamentos dos grupos políticos nesse momento, como a Autoridade Palestina, Fatah e Hamas?

Todos os partidos políticos, incluindo Fatah e Hamas, rejeitam isso. A Palestina, neste nível, está unida. Em relação à população também. A Autoridade também está rejeitando isso, porque não há esperança para eles. O que há para  presidente negociar? 

Ninguém pode aceitar isso, mesmo um traidor não aceita isso. A Palestina está unida e determinada a continuar sua luta para a liberação, por nosso direito de estabelecer um Estado como qualquer população do mundo.

Acredita que há possibilidade de alguma revolta popular a curto ou médio prazo?

Ninguém pode prever uma revolta em um mês ou dois. Não é que se puxa um botão e haverá uma revolta. Os palestinos não pararam sua luta. E vão continuar.

A primeira Intifada, a segunda Intifada e a terceira Intifada, mostram que a luta é contínua. Mas as pessoas escolherão a hora certa.

Infelizmente, um dos problemas que afetam nossa luta é a divisão entre Fatah e Hamas. Havia uma indicação nas últimas semanas que eles iam negociar e chegar a alguma conclusão de que precisam estar juntos. Esse é um dos principais problemas da nossa luta.

E se você me perguntar como podemos alcançar a nossa liberação, respondo com alguns pilares principais: A unidade palestina entre Gaza, Cisjordânia e todas as organizações políticas. Dos palestinos dentro e fora da Palestina. Sem isso, não haverá liberação.

A segunda é a solidariedade internacional de grupos e povos para auxiliar a Palestina, defender os direitos palestinos, legitimá-los.

O terceiro é o apoio árabe. Seja dos estados ou das populações, e apostamos mais nas pessoas do que nos estados. Um dos nossos problemas é que regimes árabes apoiam os israelenses para normalizar crises econômicas e gerar lucros entre eles. 

Esses são os três pilares: o internacional, a solidariedade árabe, a unidade palestina e, claro, o apoio de ONGs internacionais e autoridades para defender nossa existência.

Mesmo que não possamos liberar nossas terras agora, nossa existência é crucial para nosso futuro. Sem nossa existência não haverá uma causa palestina. Precisamos resistir e dar apoio ao nosso povo, dar-lhes os direitos apropriados que precisam.

Educação, agricultura, acesso à saúde. As necessidades básicas. Sem esse serviços, os palestinos irão deixar suas terras e ir para outras cidades. E isso ajudará o controle por parte de Israel.

A Autoridade Palestina está tentando fazer algo com ONGs palestinas e internacionais. Os países também podem impor sanções a Israel. Precisamos ter o maior boicote e desinvestimento e sanções contra esse apartheid. Sem isso, eles continuarão.

Há possibilidade do boicote de fato se intensificar nesse movimento?

O boicote é uma ferramenta pacífica contra qualquer tipo de opressão. Seja aqui no Israel ou no Brasil. Uma ferramenta que pode ser usada por qualquer pessoa, qualquer grupo, por pesquisadores, por universidades, centro de pesquisa… Há muitos acordos de outros países com as universidades de Israel, por exemplo. Eles podem aplicar sanções nesse sentido. 

Sanções no esporte, na economia, em commodities. E, com prioridade, o boicote a compra dos produtos militares e dispositivos feita pela Europa, Estados Unidos e outros países com Israel.

Lu Sudré, jornalista da Brasil de Fato

Edição: Leandro Melito


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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