Pesquisar
Pesquisar

“Vírus chinês”: mentiras, hipocrisias e preconceitos de Trump no discurso da ONU

China, Rússia, Cuba, Irã e outros oferecem uma visão mais adulta sobre como enfrentar os desafios mundiais no 75º aniversário das Nações Unidas
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Donald Trump, no mesmo dia em que seu país ultrapassou 200 mil mortos pela Covid-19 – o líder mundial nesse aspecto – lavou as mãos e pôs a culpa da China em quase tudo ao promover sua visão nacionalista de direita, contrastante com outros líderes que ofereceram perspectivas mais adultas ao abordar uma conjuntura internacional marcada pela pior crise sanitária, econômica e ecológica desde a fundação da Organização das Nações Unidas há 75 anos. 

O primeiro dia do Debate Geral entre chefes de Estado da ONU começou dentro de uma cavernosa sala da Assembleia Geral quase vazia (com alguns representantes de delegações sentados) realizada pela primeira vez de maneira virtual como consequência da pandemia mundial. Os discursos pré-gravados foram projetados na sala e através dos canais da organização multilateral que está festejando seu 75º aniversário a sadia distância planetária. 

Trump declarou: “temos realizado uma batalha feroz contra o inimigo invisível, o vírus chinês, que tirou incontáveis vidas em 188 países” e demandou que “temos que fazer a nação que descarregou esta praga sobre o mundo prestar contas: a China!”.

 

A frase “o vírus chinês” tem sido denunciada como xenofóbica e racista por especialistas de saúde pública e políticos, mas tornou-se parte do discurso de Trump para fins eleitorais – o objetivo real do discurso de hoje. De fato, minutos depois de ser transmitido o vídeo do discurso já estava sendo promovido como parte do pacote de propaganda eleitoral para sua campanha. 

O governo de Trump tem mostrado seu desdém às agências e aos acordos multilaterais, retirando-se recentemente da Organização Mundial da Saúde em plena pandemia e anteriormente do Acordo de Paris sobre mudança climática, e do acordo multilateral sobre o Irã. Hoje reiterou sua mensagem unilateral: “estou orgulhosamente pondo a América em primeiro lugar”.

China, Rússia, Cuba, Irã e outros oferecem uma visão mais adulta sobre como enfrentar os desafios mundiais no 75º aniversário das Nações Unidas

Nações Unidas
O governo de Trump tem mostrado seu desdém às agências e aos acordos multilaterais

A resposta da China: multilateralismo

A China, por sua parte, assumiu o papel de poder mundial responsável ressaltando o multilateralismo com seu presidente, Xi Jinping declarando que a nenhum país se devia permitir “ser o que quiser e ser o hegemônico, bully ou chefe do mundo”.

Em seu discurso pré-gravado (portanto, não respondia ao discurso de Trump) agregou, em óbvia referência a Trump, sem mencionar seu nome, que a globalização é uma realidade que não pode ser ignorada já que “o mundo jamais regressará ao isolamento e ninguém pode cortar os vínculos entre países”.

O mandatário chinês surpreendeu ao declarar que seu país conseguirá a neutralidade em emissões de dióxido de carbono para 2060. Ao mesmo tempo anunciou novas doações da China a fundos da ONU para o combate à Covid-19.

Rússia: mais multilateralismo

Vladimir Putin, da Rússia, enfocou a promoção da cooperação multilateral para uma resposta global à pandemia e ressaltou que a vacina que está sendo desenvolvida por seu país é “segura e efetiva”.

Ao mesmo tempo, criticou que “sanções ilegítimas” e outros mecanismos econômicos são contrários aos esforços para recuperar a economia mundial e propôs um acordo para proibir as armas no espaço.

Cuba: médicos e não bombas

Miguel Díaz Canel de Cuba denunciou a corrida armamentista impulsionada pelos Estados Unidos, e declarou que a frase de Fidel Castro: “médicos e não bombas”, é a divisa de seu país. “Salvar vidas e partilhar o que somos e temos, ao preço de qualquer sacrifício, é o que brindamos ao mundo”, acrescentou.

Ressaltou o trabalho da Brigada Internacional Médica Henry Reeves. Criticou severamente Trump e seu governo por sua “arrogância sem precedentes” e por ser um regime “marcadamente agressivo e moralmente corrupto que despreza e ataca o multilateralismo” e que emprega a chantagem financeira contra agências multilaterais. 

Hasssan Rouhani do Irã denunciou Washington por anular o acordo nuclear multilateral e por suas políticas de “máxima pressão” contra o país, insistindo que não só tem resistido, mas que o Irã “floresceu e avançou” ao promover seu papel “civilizado de paz e estabilidade”.

Bolsonaro

O aliado brasileiro de Trump, Jair Bolsonaro, buscou mostrar mais compaixão com as vítimas da pandemia, mas atacou os meios por “politizar o vírus” e gerar pânico. Ao mesmo tempo, declarou que “somos vítimas de uma campanha de desinformação mais brutal sobre a Amazônia e o Pantanal…somos líderes na conservação de bosques tropicais”.  

Também discursaram mandatários da Argentina, Colômbia, França, África do Sul, Chile, Coreia do Sul, Turquia e outros que não causaram surpresa ao fazer discursos já rotineiros ante a ONU sobre paz e cooperação, com uma quantas referências a problemas regionais. 

Guterres

Tudo começou com as palavras do secretário geral Antonio Guterres declarando que “de maneira simultânea enfrentamos uma crise de saúde, a pior calamidade econômica e perda de emprego desde a Grande Depressão e novas ameaças perigosas aos direitos humanos”.

Com palavras aparentemente destinadas a Trump e seus aliados, como Bolsonaro, de que “o populismo e o nacionalismo fracassaram” e que a comunidade internacional deveria enfrentar os desafios “guiados pela ciência e atados à realidade”. Advertiu que o planeta está enfrentando quatro ameaças que “põem em perigo nosso futuro comum” e enumerou as tensões “geoestratégicas”, a crise climática, o deterioro da confiança mundial, os efeitos negativos do universo digital e a pandemia. 

Trump é o menos confiável

Vale assinalar que Trump é o líder que menos confiança tem no mundo, segundo uma nova pesquisa da Pew Research Center, com apenas um número médio de 16% dos pesquisados em 13 países avançados opinando que o estadunidense “faria o correto” em assuntos mundiais.

O desfile de discursos dos mandatários ou de seus representantes dos 193 países membros da ONU continuará ao longo de uma semana.  

Por serem virtuais, chefes de estado, incluindo o presidente dos EUA, foram salvos de uma cidade que esta semana foi designada como uma “jurisdição anarquista” pelo governo Trump.

A cidade anarquista foi salva, ao mesmo tempo, da segurança adicional e do custo multimilionário de ter que aturar os chamados líderes mundiais que tanto fizeram por este planeta. 

David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Veja também

 

   

Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

LEIA tAMBÉM

Antony Blinken - Joe Biden
Mais uma vez, EUA omitem os próprios crimes em informe sobre Direitos Humanos no mundo
Biden Trump
Com Biden ou Trump, EUA estão condenados à violência e ao absurdo
bomba_nuclear_ia
"Doutrina Sansão": ideologia sionista coloca humanidade à beira da catástrofe nuclear
País Basco
Eleição no País Basco acaba em empate, mas confirma desejo da maioria por independência