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Esterilização forçada nos EUA e em Israel remete a padrão que inspirou regime nazista

“Quando eu conheci todas essas mulheres que haviam passado por cirurgias, eu pensei que era tipo um campo de concentração experimental”, denuncia imigrante
Benay Blend
Carta Maior
São Paulo (SP)

Tradução:

“Você vai demorar para encontrar algum momento na história em que o governo dos EUA não esteve comandando campos de concentração e esterilizando pessoas à força.” Onyesonwu Chatoyer, organizadora do Partido Revolucionário All-African People em resposta a um processo recente que afirma que um médico sujeitou mulheres a histerectomias indesejadas enquanto estavam detidas pela Agência de Alfândega e Imigração (ICE).

Como escreve Tina Vasquez, diversas organizações denunciaram a situação em nome das imigrantes do Centro de Detenção do Condado de Irwin (ICDC), uma instituição na Georgia comandada pela empresa privada prisional LaSalle Corrections. De acordo com a denunciante Dawn Wooten, uma enfermeira licenciada do centro, diversas mulheres disseram que foram transportadas para um local para o ver o “coletor de úteros”, o nome que deram ao médico que elas acreditavam ser o responsável pelas ações.

“Quando eu conheci todas essas mulheres que haviam passado por cirurgias, eu pensei que era tipo um campo de concentração experimental”, denuncia imigrante

White House
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu

“Quando eu conheci todas essas mulheres que haviam passado por cirurgias, eu pensei que era tipo um campo de concentração experimental”, disse uma detenta na denúncia.

De fato, a ICE tem um longo histórico de focalizar em mulheres grávidas migrantes e outras pessoas vulneráveis no sistema de detenção. Com a nova política “turismo do nascimento” de Trump, intitulada assim depois de pais supostamente viajarem aos EUA para ganhar cidadania para filhos ainda não nascidos, alguns requerentes a visas devem fornecer provas de que não estão viajando somente por essa razão.

Muitas dessas políticas são baseadas no medo de mudanças demográficas, um medo entre estadunidenses brancos de que seu capital cultural esteja perdendo valor. Por causa da alegação do esperançoso Joe Biden de que “uma alma partilhada une nossos dois países [Israel e Estados Unidos], geração atrás de geração”, faz sentido ambos os países temeres mudanças.

Por exemplo, depois de anos de negação, Israel admitiu em 2013 que ordenou que médicos injetassem uma droga em mulheres etíope-judias que as esterilizariam involuntariamente. Em uma linguagem muito parecida com a de supremacistas brancos nos EUA, Netanyahu alertou que imigrantes ilegais da África “ameaçam nossa existência enquanto estado judeu democrático”.

Histerectomias forçadas podem ser contextualizadas dentro de uma história mais ampla de eugenia em ambos os países. Hitler é, talvez, o proponente mais infame de uma raça única, mas como observa Edwin Black, o movimento por uma limpeza étnica originou nos EUA.

Uma pseudociência direcionada em “aprimorar” a raça humana, sua forma mais extrema quer exterminar seres humanos “indesejáveis”. Facetas dessa ideia são vistas em planos estratégicos como esterilizações forçadas e leis segregacionistas, bem como em restrições de casamentos entre brancos e afro-americanos que duraram até o século 20.

Nos anos 70 e 80, também, mulheres nativo-americanas receberam laqueaduras quando pensavam estar recebendo apendicectomias. Talvez cerca de 25% a 50% das mulheres nativo-americanas foram sujeitadas a tais procedimentos entre os anos de 1970 e 1976. Um número até maior de esterilizações é registrado em Porto Rico onde tais ações remontam a um período obscuro da história da ilha.

Em uma decisão de 1927, Oliver Wendell Holmes, juiz da Suprema Corte, escreveu: “é melhor para o mundo todo, se ao invés de esperarmos para executar proles degeneradas por crimes, ou deixá-los passar fome por sua imbecilidade, a sociedade pudesse evitar que pessoas que são obviamente inadequadas perpetuassem o seu tipo… três gerações de imbecis já são suficientes”.

Essa retórica é reiterada em Israel, onde oficiais como Ayelet Shaked, do Partido Jewish Home, são conhecidos por suas observações racistas. Por exemplo, em 2015, Shaked abertamente pediu pelo genocídio dos palestinos ao postar uma citação de Uri Elitzur, o falecido jornalista de direita e líder do movimento israelense de colonos:

“Por trás de cada terrorista, têm dúzias de homens e mulheres, sem os quais [o inimigo] não poderia iniciar o terrorismo. Atores na guerra são aqueles que incitam em mesquitas, que escrevem currículos assassinos para as escolas, que dão abrigo, que fornecem veículos, e todos aqueles que honram e dão apoio moral. Todos são combatentes inimigos, e seu sangue deve estar em todas as suas cabeças. E isso também inclui as mães dos mártires, que os enviam para o inferno com flores e beijos. Elas também devem seguir seus filhos, nada seria mais justo. Elas devem ir, como também as casas físicas nas quais as cobras foram criadas. Senão, mais cobrinhas serão criadas lá.”

De acordo com Bem Norton, as visões de Shaked são apoiadas por outros no governo de Netanyahu. Durante o ataque israelense de 2014 em Gaza, chamado de “Operação Limite Protetivo”, Norton reporta que o exército colocou na prática a retórica extrema de Shaked.

Na época, Moshe Feiglin, membro do Partido Likud de Netanyahu, pediu pela “conquista de toda a Faixa de Gaza e aniquilação de todas as forças combatentes e seus apoiadores”. Sua declaração segue as diretrizes da limpeza étnica. “Esse é o nosso país – exclusivamente nosso país”, ele disse, “incluindo Gaza”.

Em 14 de setembro, Bend the Arc: Jewish Action tuitou:

“Esterilização forçada é genocídio. A ICE está realizando histerectomias em massa em mulheres imigrantes. A ICE está cometendo genocídio. É parte de uma longa história de eugenia e ataques à liberdade reprodutiva nos EUA – um sistema que inspirou diretamente o regime nazista.”

Uma organização judia “progressista” que chama atenção para tais questões, Bend The Arc falha em conectar com o tratamento israelense para com os palestinos, o que também é um genocídio como descrito pelo Centro de Direitos Constitucionais.

Se valores comuns unem Israel e os EUA, como afirma Joe Biden, então deveríamos todos nos preocupar. Deveríamos estar conectando os pontos.

Quando a notícia das esterilizações forçadas na Georgia veio à tona alguns dias atrás, houve choque e indignação, como deveria acontecer. Por outro lado, esse tratamento com os “indesejáveis” tem um longo histórico nos EUA e em Israel. De fato, ambos os países poderiam facilmente ser condenados por genocídio, Israel em relação aos palestinos e os EUA em relação aos povos nativos.

Além disso, se há pouca diferença entre Trump e Biden em relação ao seu apoio completo a Israel, como afirma Ramzy Baroud, então parece que a melhor ação para os ativistas nos EUA será o trabalho educativo e ações de base nas ruas.

Kwame Ture (Stokely Carmichael) uma vez disse que para a não-violência funcionar seu oponente deve ter uma consciência. Os EUA, ele concluiu, não têm.

O mesmo poderia ser dito sobre ambos os candidatos, ao menos em relação a Israel. De fato, a recusa de Biden em reverter muitas das políticas de Trump, escreve Baroud, incluindo a execução da Lei da Embaixada de Jerusalém, deixa claro a “falência moral” do Partido Democrata que parece motivado muito mais pela sua agenda política do que pela sua agenda ética.

*Publicado originalmente em ‘The Palestine Chronicle‘ | Tradução de Isabela Palhares

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Benay Blend

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