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Carlos Flanagan | Joe Biden e a nova-velha política imperialista praticada pelos EUA

Nunca o velho ditado teve tanta vigência para definir as características essenciais do Sr. Trump e do Sr. Biden: são o mesmo cachorro com coleiras diferentes
Carlos Flanagan
Diálogos do Sul
Montevidéu

Tradução:

No dia 20 de janeiro, Joe Biden assumiu como o 46º Presidente dos Estados Unidos. Como era de se esperar, seu discurso de posse teve um fio condutor: uma clara mensagem de mudança de estilo com relação ao de Donald Trump.

Os grandes meios massivos de (in)comunicação cumpriram sua parte e fizeram badalar o sinos sublinhando as perspectivas de uma nova aposta ao diálogo e o retorno dos EUA aos organismos multilaterais que haviam sido abandonados por seu antecessor.

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Em síntese, a mensagem para a opinião pública é clara: foi embora o mau (prepotente e ofuscado) e voltou o bom (sorridente e contemporizador).

Formas e conteúdos

Não devemos estranhar que o imperialismo, os grandes meios de informação do oligopólio e os partidos políticos ao seu serviço em todo o mundo embaralhem à vontade os fatos apresentando forma e conteúdo como equivalentes. Forma parte de sua estratégia de dominação.

O que é triste é que ainda existam expressões políticas que se reivindicam de esquerda que caiam na confusão de forma com conteúdo, subsidiárias de velhas e rebatidas posturas socialdemocratas que a cada tanto reaparecem. As mesmas que “engoliram a cápsula” de que um Presidente dos EUA, por ser afrodescendente como Obama, seria menos imperialista que seus antecessores caucásicos.

Nunca o velho ditado teve tanta vigência para definir as características essenciais do Sr. Trump e do Sr. Biden: são o mesmo cachorro com coleiras diferentes

Facebook / Reprodução
Joe Biden, com seus 78 anos, é um veterano da política estadunidense

Quem é o bom Sr. Biden? 

Joe Biden, com seus 78 anos, é um veterano da política estadunidense. Em 1972 foi eleito Senador por Delaware sendo, com 29 anos, um dos mais jovens a ocupar esse cargo. Nesse ano, apesar de que em sua campanha eleitoral havia prometido apoiar leis contra a segregação racial, votou no Senado contra a integração racial no transporte escolar. 

Foi, por vários anos, membro e depois Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Como tal, não lhe foram alheias as diversas manobras intervencionistas de seu país em todo o período: cinco na América Latina e 16 no resto do mundo. A lista completa está incluída como anexo e está baseada no informe RL 30172 do Serviço de Investigação do Congresso dos EUA sobre Relações Internacionais. 

Reeleito em seis oportunidades, renunciou ao cargo em 2008 para ser candidato a vice-presidente de Barack Obama. Acompanhou-o como tal em seus dois períodos de governo (2009 – 2017).

Como vice-presidente apoiou todas as medidas intervencionistas de Obama, inclusive a vergonhosa “ordem executiva” (decreto) de 9 de março de 2015 pela qual se definia a República Bolivariana de Venezuela como “uma ameaça inusual e extraordinária à segurança nacional e à política exterior dos Estados Unidos” aumentando o bloqueio econômico ao referido país.

Confirmando antecedentes 

Os antecedentes mencionados já nos eximiriam de maiores comentários. Mas citemos dois exemplos destes dias: na quarta-feira, 24 de fevereiro, o futuro diretor da CIA, William Burns, afirmou no Senado que “a competição com a China e sua liderança era chave para a segurança nacional dos Estados Unidos”

Em 19 de fevereiro teve lugar em Munich (desta vez em forma virtual) a Conferência Anual de Segurança que acontece desde 1963 com a presença de figuras de primeiro nível de mais de 70 países. Este foi o cenário do primeiro discurso em um evento internacional do Presidente Biden após assumir a Casa Branca.

Disse que “Estados Unidos voltou” e que está totalmente comprometido com a OTAN; “a aliança transatlântica voltou e não vamos olhar para trás”. Em síntese, foi como dizer “voltamos e tudo seguirá como antes”. 

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Ao mesmo tempo apontou como inimigos a China “por seus abusos e coerção que socavam as bases do comércio internacional”, a Rússia já que “Putin busca erodir nossa aliança transatlântica” e Irã com quem está disposto a negociar o acordo nuclear firmado em 2015, “mas que também significa responsabilidades”. Definitivamente anunciou um política de multilateralismo, “mas não tanto”. 

Aliados se manifestam

Suas palavras tiveram uma fria resposta por parte do Presidente da França, Emmanuel Macron e da chanceler alemã Angela Merkel. Macron afirmou que além de alguma coincidência em desafios comuns, a Europa tinha autonomia estratégica, incluindo nela um diálogo com a Rússia e um maior compromisso econômico dos europeus para sua defesa. 

Por sua vez, Merkel disse claramente que “os interesses europeus e estadunidenses nem sempre convergirão”. Sem mencioná-lo concretamente referiu-se à vontade de seu país (apesar das pressões de Washington) de continuar com o projeto Nord Stream 2, um gasoduto que conectará a Rússia com a Alemanha e outros países da Europa Central e do Leste, embaixo do Mar Báltico.

Em definitiva foi um “pare”: diplomático mas muito claro para todos que queiram entender a postura de Biden de que “aqui não aconteceu nada” e seguiremos liderando (e ditando a agenda) da aliança atlântica.

Deveríamos perguntar-nos por que uma conferência que trata temas de segurança estratégica e que reúne em Munich líderes políticos e especialistas na matéria há 58 anos teve tão pouco espaço nos meios massivos de informação. 

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Acreditamos que se tenta minimizar a existência de uma fissura política considerável sobre estes temas estratégicos entre os Estados Unidos e seus aliados da OTAN, os quais aparentemente pretendem ter um papel mais protagônico em sua defesa e deixar de ser os “yes men” submissos do passado depois dos duros encontrões mantidos com Donald Trump, mas também porque a outrora indiscutida supremacia mundial do Tio Sam hoje está debilitada e ameaçada pela crescente influência internacional da China.

Perguntas e respostas

Para finalizar algumas perguntas e respostas para deixar de lado qualquer dúvida sobre o caráter da política exterior de Biden:

– Continuará a política de bloqueio à Venezuela?

Sim. Não está prevista a anulação do famoso decreto de Obama. A mesma coisa em relação a Cuba. O bloqueio econômico aplicado desde 1961 continuará. As medidas de flexibilização das viagens aplicadas por Obama seriam reinstaladas mas levará muito tempo, segundo Biden.

-Impulsionará alguma mudança na OEA e nas atitudes políticas de seu Secretário Geral?

Não.

-Seguirá sendo Israel seu principal aliado no Oriente Médio?

Sim

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-Manterá o gesto político de ter sua Embaixada em Jerusalém e não em Tel Aviv?

Sim.

-Continuará pressionando todos os países para que não tenham relações comerciais privilegiadas com a China ou acordos comerciais com a Rússia?

Sim.

Portanto, nunca o velho ditado teve tanta vigência para definir as características essenciais dos fins políticos do Sr. Trump e do Sr. Biden: são o mesmo cachorro com diferente coleira. 

Carlos Flanagan, Ex-Embaixador do Uruguai ante o Estado Plurinacional da Bolívia. Analista associado ao Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE)

Informações complementares

Lista de intervenções militares estadunidenses no resto do mundo desde 1970

1973: Chile
Golpe de estado ao presidente Salvador Allende pelas Forças Armadas chilenas em colaboração com o governo estadunidense de Richard Nixon.

1983: Granada
Invasão para apoiar o novo governo que derrocou o primeiro-ministro pró cubano Maurice Bishop.

1989: Panamá
Invasão para derrocar e capturar o General Manuel Noriega.

1994: Haiti
Intervenção para instalar o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide.

2004: Haiti
Os Estados Unidos, em uma intervenção militar e com a ajuda da França, Canadá e Chile, depõem o presidente haitiano Jean- Bertrand Aristide do poder, para depois entregar a administração do país a uma força das Nações Unidas sob o marco da operação MINUSTAH.

1959-1975: Guerra do Vietnã
Intervenção no Laos, Vietnã do Norte, Vietnã do Sul e Camboja

1983: Líbano
Invasão de força multinacional.

1986: Líbia
Bombardeio de várias cidades e bases militares em represália a um ataque com mísseis líbios durante um exercício naval da OTAN no golfo de Sidra.

1990-1991: Guerra do Golfo
Operação Tormenta do Deserto em resposta a uma demanda do Kuwait (ocupado pelo Iraque) na ONU. Com o apoio da ONU e de vários países da OTAN.

1993-1994: Somália
Intervenção para apoiar as operações da ONU (Batalha de Mogadíscio)

1995: Bósnia e Herzegovina
Apoio a forças da ONU/OTAN no mesmo lugar (Operação Deliberate Force).

1998: Sudão
Bombardeio de uma fábrica de medicamentos (suspeita de pertencer a Osama Bin Laden) em Khartum.

1998: Afeganistão
Bombardeios a campos de treinamento terrorista da Al Qaeda.

1999: Iugoslávia
Bombardeio da OTAN sobre a Iugoslávia (Guerra de Kosovo).

2001-actualidad: Afeganistão
Intervenção em resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001 (2001-2006), e como parte da ISAF (2006- ao presente).

2002: Filipinas
Intervenção no marco da “Guerra contra o terrorismo”. Com apoio do governo filipino.

2003-2011: Guerra de Iraque
Invasão do Iraque por presumida presença de armas de destruição em massa

2007: Somália
Bombardeio contra milícias somalis junto ao Comodoro Somali Alex Rojas Mecias.

2011: Líbia
Intervenção militar na Líbia.

2011-2012: Iêmen, Paquistão, Somália
Operações de ataques seletivos com drones ‘Guerra contra o terrorismo’.

2014-actualidad: Iraque e Síria
Bombardeio do Daesh na Guerra contra o Estado Islâmico.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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