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Cadernos de Terceiro Mundo | Sanções e mortalidade infantil: as consequências da intervenção dos EUA no Iraque

No último dia 20, completou-se 18 anos da invasão ao Iraque promovida pela gestão do presidente norte-americano George W. Bush
Gabriel Rodrigues Farias
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

No último dia 20, completou-se 18 anos da invasão ao Iraque promovida pela gestão do presidente norte-americano George W. Bush.
Essa invasão, na verdade, seria a segunda intervenção no país árabe em 12 anos. Na primeira, em 1991, a intervenção foi breve, ao contrário da segunda que teve um carácter de permanência de ocupação pelas tropas americanas.
Entre as duas invasões, todavia, o Iraque sofreu com as consequências de um severo embargo econômico imposto pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. 
Essas sanções causaram o aumento da mortalidade infantil, pobreza e do sofrimento do povo iraquiano. Nesse sentido, vamos resgatar uma reportagem de 2001, escrita pelo correspondente Edouard Bailby, que relata os efeitos desse embargo econômico à nação iraquiana. Segue abaixo o texto completo:

DEZ ANOS DE EMBARGO 

Norte-americanos e ingleses continuam a bombardear sistematicamente o território iraquiano, onde o cerco econômico ocidental comanda um genocídio: de 23 por mil, a mortalidade infantil já alcançou o preocupante índice de 131 por mil

APESAR DO EMBARGO DECRETADO EM 1991 PELA ONU, 45 países participaram da última Feira Internacional de Bagdá. A França se fez representar por 130 empresas, 30% a mais do que em 1999. Isto comprova que as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos estão dividindo os antigos aliados da Guerra do Golfo. 
Enquanto os aviões norte-americanos e britânicos continuam largando bombas a cada semana sobre o Iraque, para destruir objetivos militares, países europeus e árabes procuram restabelecer um diálogo construtivo com Saddam Hussein, para aliviar os sofrimentos da população. No entanto, o presidente -George W. Bush, logo que se elegeu, já mandou dizer que pretende “revitalizar” as sanções. De que maneira? 

Antes da Guerra do Golfo, o Iraque era um dos países mais desenvolvidos do Oriente Médio. Com o embargo, está numa situação pior do que certas regiões do Terceiro Mundo. 

Aprovada pela ONU no ano passado, a resolução 986 (petróleo por alimentos) melhorou um pouco a situação da população. Mas as condições de vida continuam dramáticas. Em dez anos, a mortalidade infantil passou de 23 por mil para 131 por mil, uma das mais altas do mundo. Alguns hospitais não têm lençóis de cama para os doentes. A tuberculose, a cólera e a febre tifóide reapareceram. Apenas 40% dos iraquianos dispõem de água potável. 
Num livro recentemente publicado, Irak apocalypse, o sacerdote francês Jean-Marie Benjamin fornece detalhes impressionantes sobre a contaminação provocada pelo urânio empobrecido das bombas aliadas. Destruídas pela guerra, muitas fábricas não puderam ser reconstruídas por falta de material. Resultado: desemprego altíssimo. O salário médio varia entre cinco e oito dólares por mês. Uma galinha custa um dólar, um pneumático corresponde ao salário anual de um professor do ensino primário. 

Durante as aulas, alunos desmaiam de fome. Na universidade, a situação é dramática: nenhum livro, nenhuma revista científica desde 1991. Segundo a organização não-governamental francesa Premiere Urgence, estudante são obrigados a interromper os estudos, de dois em dois anos . para trabalhar e ganhar algum dinheiro. 
“A  satanização de Saddam Hussein é irreal pois apenas serviu para oprimir um povo inocente’’, declarou em Bagdá um diplomata ocidental à revista francesa de direita Valeurs Actuelles. Coordenador humanitário da ONU no país, Dennis Halliday demitiu-se do cargo em 1998 explicando que “as sanções eram um dispositivo brutal e desumano”. Em março de 2000, foi o seu sucessor, Hans von Spoeneck, que também se afastou, denunciando a aberração do embargo que agrava os sofrimentos de 22 milhões de habitantes.

O embargo não inclui voos comerciais. Mas a compra de passagens aéreas e querosene é considerada pelos Estados Unidos, que se opõem a qualquer tipo de tráfego aéreo normal, como transações comerciais. Porém, com a reabertura do aeroporto de Bagdá, em agosto passado, aviões fretados por ONGs da França, Rússia, Turquia, Marrocos e de outros países desrespeitaram a vontade de Washington, trazendo alimentos, livros escolares, remédios e equipamentos para os hospitais 
A França é o país da União Europeia que mais claramente se opõe ao embargo. Já não participa das missões aéreas de bombardeios sobre o Iraque, ao lado dos aparelhos norte-americanos e britânicos.

Embora respeitando as decisões da ONU, procura todas as brechas possíveis para firmar a sua presença no Iraque. Não restabeleceu as relações diplomáticas com Bagdá. No entanto, abriu, em 1995, uma “seção de interesses”, sob a bandeira da Romênia, irritando Washington. Funciona como verdadeiro posto diplomático, dando vistos para todos os países da zona Schengen, dentro da União Européia. O seu chefe, André Janier, fala fluentemente o árabe. Último diplomata a deixar Bagdá durante a ofensiva terrestre das forças aliadas, quando era encarregado de negócios da França, foi posteriormente embaixador no Catar, no Iêmen e no Chade. Desde maio de 1999, dirige a “seção de interesses franceses”.  

Por causa do embargo, Janier só pode deixar o Iraque por via terrestre. Em 18 meses, André Janier fez quinze vezes, pela estrada, o percurso BagdáAmman, na Jordânia, ida e volta, jornada de 12 horas de carro.
Graças à política do governo do primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, apoiada pelos verdes e comunistas, a França é hoje o primeiro parceiro comercial do Iraque.
No último dia 20, completou-se 18 anos da invasão ao Iraque promovida pela gestão do presidente norte-americano George W. Bush

Reprodução
Soldados americanos tampando o rosto de uma estátua de Saddam Hussein com uma bandeira dos Estados Unidos.

Em 1997, o governo francês abriu um centro cultural, que continua sendo o único centro estrangeiro no país, convidando artistas, conferencistas e escritores. Antes da Guerra do Golfo, aliás, as relações culturais e econômicas entre Paris e Bagdá sempre foram estreitas. 
Apesar do embargo, que o presidente Bush quer “revitalizar”, o Iraque deixou de ser uma nação isolada, como Cuba. Importa agora que redescubra as liberdades democráticas, sem ceder à intransigência de Washington ‘’

‘’Dez anos de embargo’’ por  Edouard Bailby.

Memória

Tema complexo, que requer uma análise de longo prazo e a compreensão da geopolítica atual. Para uma visão histórica do tema, compartilhamos reportagem publicada na revista Cadernos do Terceiro Mundo de 1997.

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A recuperação e tratamento do acervo da Cadernos do Terceiro Mundo foi realizada pelo Centro de Documentação e Imagem do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, fruto de uma parceria entre o LPPE-IFCH/UERJ (Laboratório de Pesquisa de Práticas de Ensino em História do IFCH), o NIEAAS/UFRJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul) e o NEHPAL/UFRRJ (Núcleo de Estudos da História Política da América Latina), com financiamento do Governo do Estado do Maranhão.


Textos publicados originalmente na página Revista Cadernos do Terceiro Mundo – Acervo Digitalizado

CADERNOS DO TERCEIRO MUNDO. Rio de Janeiro: Terceiro Mundo, ano 26, n. 229, fev-mar. 2001, p. 61-63.


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Gabriel Rodrigues Farias

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