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A democracia estadunidense está "fundamentalmente" em perigo, alertam especialistas

Recentemente, mais de cem acadêmicos especialistas em processos democráticos difundiram uma declaração expressando sua preocupação sobre o futuro democrático do país
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

O país que se proclama o campeão mundial da democracia, e que nos últimos dias apresentou sua proposta para promover seus “valores democráticos” ao redor do mundo, enfrenta graves riscos internos à sua própria democracia. 

O presidente Joe Biden em sua visita histórica a Tulsa, Oklahoma, na última terça-feira (8), para comemorar o centenário de um massacre por uma turba branca que matou 300 afro-estadunidenses e deteve a milhares em acampamentos — o primeiro mandatário a marcar esse evento — vinculou esse “ato de terrorismo doméstico” com as expressões de ódio e racismo por supremacistas brancos e ultradireitistas em datas recentes, incluindo manobras para suprimir a participação plena de minorias na democracia estadunidense. 

Anunciando aí que sua vice-presidenta Kamala Harris encabeçará o esforço para proteger o direito ao voto e confrontar esforços republicanos “anti-estadunidenses” para suprimir o voto, Biden afirmou que “esse direito sagrado está sob assalto com uma intensidade incrível como nunca vi antes”. 

Comentou que uma sobrevivente (de 107 anos) do massacre em Tulsa lhe disse agora que o assalto de direitistas contra o Capitólio em 6 de janeiro “lhe partiu o coração”, já que lhe trazia recordações dos extremistas brancos que massacraram sua comunidade há um século. Biden recordou que a comunidade de inteligência tem declarado que “o terrorismo da supremacia branca é a ameaça mais letal à pátria nos dias de hoje”.

O presidente com líderes legislativos — incluindo alguns poucos republicanos — e um coro cada vez mais amplo de especialistas, defensores de direitos civis e políticos têm repetidamente alertado que a democracia estadunidense está “sob ameaça”.

Recentemente, mais de cem acadêmicos especialistas em processos democráticos difundiram uma declaração expressando sua preocupação sobre o futuro democrático do país

Reprodução/ Twitter
Memorial aos mortos em combate

Essa ameaça se apresenta abertamente em várias partes do país, inclusive no próprio Capitólio. Ao longo dos últimos meses, e nos últimos dias, um amplo setor identificado com o projeto neofascista de Donald Trump continua insistindo, sem prova alguma, que a eleição presidencial foi roubada pelos democratas através de uma magna fraude. 

Alguns até afirmam que o governo de Biden é ilegítimo e buscam anulá-lo por meio de múltiplas investigações que estão promovendo sobre essa fraude em vários estados importantes; alguns até têm promovido a necessidade de um Golpe de Estado para “resgatar” o país. 

Ao mesmo tempo, visando as eleições intermediárias de 2022 e a presidencial de 2004, governadores e legisladores estaduais republicanos pelo menos em 14 estados promulgaram este ano novas leis para “limitar o acesso ao voto”, e outros 61 projetos de lei em mais 18 estados estão sendo considerados, reporta o Brennan Center for Justice.  

Estas iniciativas buscam suprimir o voto de minorias e setores que costumam favorecer os democratas. Outros mais buscam redesenhar distritos eleitorais em estados chaves para favorecer os republicanos. Tudo sob a justificativa de proteger contra a fraude, embora não exista evidência de fraude significativa em nenhuma parte do país. 

No passado fim de semana, legisladores democratas no Texas conseguiram barrar de maneira temporária uma das medidas mais extremas para suprimir o voto e para facilitar os mecanismos para reverter resultados eleitorais que não favoreçam os republicanos, mas o governador promete impulsioná-la de novo. 

Enquanto isso, senadores republicanos conseguiram impedir a aprovação de um projeto de lei para estabelecer uma comissão independente para investigar a intentona de golpe de Estado em 6 de janeiro, na qual foram feridos mais de 140 policiais e houve um morto. As autoridades federais acusaram penalmente mais de 400 participantes. 

Porém,  aliados de Trump, incluindo vários deputados e senadores federais continuam promovendo o que os críticos chamam de “a grande mentira” da fraude e do resultado eleitoral. Alguns insistem que Trump é o presidente legítimo e que é preciso combater as forças “socialistas” que tomaram o governo federal pondo em risco a todo o país. Em fóruns como o realizado no passado fim de semana, “Patriotas por Deus & Pátria” no Texas, se nutrem as teorias de conspiração e se contempla a necessidade de um golpe de Estado. 

Apesar de não haver evidência significativa de fraude, de que os tribunais rechaçaram as múltiplas demandas que solicitavam anular resultados em vários estados, e que o processo de certificação foi concluído, não se conseguiu superar a crise democrática provocada por Trump e seus cúmplices. Pelo contrário, republicanos e direitistas estão buscando anular o sufrágio efetivo para manter-se no poder, alarmando os defensores do processo democrático. 

Recentemente, mais de cem acadêmicos especialistas em processos democráticos difundiram uma declaração expressando sua preocupação sobre o futuro democrático do país. Indicaram que as iniciativas estaduais promovidas por republicanos estão causando mudanças nas quais “não se cumprem as mínimas condições para eleições livres e imparciais. Portanto, toda a nossa democracia agora está em risco”. 

Criticam que as “leis antidemocráticas” que estão sendo adotadas com a falsa justificativa de prevenir fraudes, resultaram em governos eleitos por uma minoria do eleitorado, “violando o princípio democrático de que os partidos que recebem mais votos deveriam ganhar as eleições”. Advertem que “estas ações põem em dúvida a permanência da democracia nos Estados Unidos”. 

Para neutralizar tudo isso, somam-se à demanda de promover legislação federal — dois projetos de lei complementares estão no Congresso agora — para estabelecer normas nacionais para assegurar o exercício pleno do voto e o manejo independente das eleições. “Nossa democracia está fundamentalmente em jogo. A história julgará o que façamos neste momento”, concluem. 

Outros colunistas, analistas e intelectuais continuam soando como alarme. O veterano jornalista de televisão Dan Rather, após resumir que houve uma eleição presidencial encabeçada pelo presidente Trump, e uma tentativa de golpe, e agora os esforços para suprimir o voto, comentou que “estamos vivendo em tempos perigosos que não podem ser normalizados nem ignorados”.  


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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