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EUA e Europa negaram alertas de especialistas sobre riscos de expansão na Ucrânia

Em 1997, o estrategista George Kennan já apontava que ampliar OTAN seria o erro mais fatídico da política estadunidense em toda a era pós-guerra fria
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Os líderes políticos dos Estados Unidos e da Europa ignoraram as advertências de seus próprios estrategistas geopolíticos mais importantes de que suas políticas em torno da Ucrânia provocariam um conflito bélico desnecessário com a Rússia.

O presidente Joe Biden e a comunidade europeia conseguiram impor uma narrativa de que a Rússia é exclusivamente responsável pelo conflito bélico ao violar o direito internacional com sua invasão à Ucrânia, com muitos dos meios de comunicação de massa reportando a guerra sob esse prisma, e recusam seu papel em gerar a crise.

No entanto, uma ampla gama, desde os mais reconhecidos estrategistas e arquitetos geopolíticos da guerra fria até ao mais destacados críticos destes, advertiram durante anos que as políticas promovidas pelos poderes do chamado “ocidente” culminariam precisamente nesta crise.

O consenso entre estes especialistas se resume em que toda expansão da OTAN ao redor da Rússia, e em particular na Ucrânia, desde o fim do guerra fria seria intolerável para qualquer líder russo.

De fato, Washington, Moscou e os europeus e até o Conselho de Segurança da ONU assinaram, mas nunca implementaram o chamado Acordo de Minsk de 2015 cujo eixo é justamente resolver o assunto da expansão da OTAN, ao garantir a independência da Ucrânia em troca de que esse país seja neutro.

Não é a primeira vez que o “ocidente” viola seus acordos com a Rússia sobre segurança, já que no processo de dissolução do Pacto de Varsóvia, o “ocidente” se comprometeu com o então líder soviético Mikhail Gorbatchov que a OTAN não ampliaria sua geografia “nem por uma polegada” para o Leste. Washington e alguns de seus aliados começaram a violar esse acordo desde 1993. 

George Kennan, um dos arquitetos intelectuais da guerra fria e particularmente da estratégia de contenção do bloco soviético que enquadrou em 1947, e que estava presente na criação da OTAN, escreveu em 1997 no New York Times: “ampliar a OTAN seria o erro mais fatídico da política estadunidense em toda a era pós-guerra fria”. Explicou que de tal decisão se poderia esperar “inflamar” as tendências nacionalistas e militaristas da Rússia e que isso levaria a “restaurar o clima da guerra fria às relações Leste-Oeste, e impulsionaria uma política exterior russa em direções decididamente não ao nosso gosto”.

“Estive na Ucrânia e vou esclarecer as mentiras que a imprensa tem contado para você”

Keenan enfatizou que não havia nenhuma necessidade de expansão da OTAN. Ele estava respondendo em parte a estrategistas no governo de Bill Clinton, os quais estavam rompendo o compromisso com Gorbachov e outros ao convidar a Polônia, a Hungria e a República Checa, ex-integrantes do Pacto de Varsóvia à OTAN – algo que valeu o protesto do então líder russo Boris Yeltsin.

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Respondendo à ratificação da expansão da OTAN promovida por Clinton em 1998, Keenan –  com seus 94 anos de idade – expressou com tristeza: “eu creio que isto é o início de uma nova guerra fria… creio que é um erro trágico. Não há nenhuma razão para isto. Ninguém estava ameaçando ninguém”. 

Henry Kissinger, em um artigo que escreveu em 2014 para o Washington Post, reiterou sua oposição a um ingresso da Ucrânia à OTAN e advertiu que “demasiado frequentemente o tema ucraniano se apresenta como uma confrontação: se a Ucrânia deve incorporar-se ao Leste ou ao Oeste. Mas a Ucrânia vai sobreviver e prosperar, não deveria ser a avançada de qualquer um contra o outro – deveria funcionar como uma ponte entre eles…” e recomendou: “Estados Unidos necessitam evitar tratar a Rússia como um ente aberrante ao qual se têm que ensinar regras de conduta estabelecidas por Washington”.

Em 1997, o estrategista George Kennan já apontava que ampliar OTAN seria o erro mais fatídico da política estadunidense em toda a era pós-guerra fria

dlugo_svk / Wikimedia Commons
Há um consenso entre especialistas de que toda expansão da OTAN ao redor da Rússia seria intolerável para qualquer líder russo

Washington, sob Barack Obama, já estava se intrometendo nos assuntos internos da Ucrânia em 2013-2014, quando apoiou um golpe contra um governo pró-russo, contribuindo ainda mais para os problemas das relações com Moscou.

Nos últimos anos, muitos outros altos funcionários estadunidenses expressaram que a relação tinha sido mal manejada durante os últimos 30 anos, sobretudo em torno do assunto da expansão da OTAN e da Ucrânia, entre eles Robert Gates, o qual foi secretário de Defesa nos governos de George W. Bush e Barack Obama. William Perry, o secretário de Defesa de Clinton, que há cinco anos declarou que “Estados Unidos merece muita da culpa” pelo deterioro nas relações com a Rússia, e até o atual chefe da CIA de Biden, William Burns, o qual advertiu em uma autobiografia há dois anos que convidar a Ucrânia à OTAN é percebida por toda a gama política da Rússia como “nada menos que um desafio direto aos interesses russos”. 

“Era completamente prognosticável que a expansão da OTAN levaria a uma ruptura trágica, possivelmente violenta, de relações com Moscou… as advertências foram ignoradas. Agora estamos pagando o preço pela miopia e arrogância da política exterior dos Estados Unidos”, conclui Ted Galen Carpenter, especialista em relações internacionais do conservador Cato Institute.

Coincide, do outro extremo do leque político, Noam Chomsky, o qual tem insistido em que a pergunta básica é: por que continua existindo a OTAN? Assinala que ao desaparecer o Pacto de Varsóvia e a URSS, não há razão para a existência da OTAN. Afirma que o única razão é para assegurar a “supremacia” dos Estados Unidos na aliança atlântica, e que isso atiça o conflito atual.

EUA mantêm armas de ataque, e não de defesa ao redor da Rússia, afirma Noam Chomsky

“A OTAN, à deriva desde o fim da União Soviética, agora proclama um novo propósito e energia. Falcões na Rússia e nos Estados Unidos estão encorajados. Os fabricantes de armamento estão elaborando planos para lucrar com o incremento de armas, e ideólogos e demagogos estão desempoeirando sua retórica conhecida”, lamenta Katrina van den Heuvel, diretora do The Nation em sua coluna no Washington Post.  

Recusa os argumentos de que o conflito está forjando uma nova ordem mundial, mas sim “a velha ordem – com suas atitudes de guerra fria, militares, alianças e inimizades – está retornando ao centro do palco”.  

Van den Heuvel apela a um movimento transnacional pela paz e para impedir que as lideranças russas, europeias e americanas regressem ao esquema antiquado e ultrapassado da Guerra Fria.

David Brooks é correspondente do La Jornada em Nova York — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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