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Cannabrava | Com economia em colapso, ganhe quem ganhe na França, nada tende a mudar

A França se tornou campeã no processo de desindustrialização. A participação da indústria no PIB caiu quase 10% nesses 40 anos
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Úrsula von der Leyden, na presidência da União Europeia, em pronunciamento sobre a crise que assola o planeta, crise provocada pela ânsia expansionista dos Estados Unidos, diz que “a falência do Estado russo é apenas uma questão de tempo”. 

Eu diria precisamente o contrário. Muito mais próximo está a falência dos Estados europeus. É uma questão de tempo. De quanto tempo os europeus suportarão sem a energia e os produtos básicos de que dependem da Rússia, e dos manufaturados da China. 

Essa senhora decretou o bloqueio de portos e de acesso rodoviário para caminhões trazendo produtos da Rússia.

Mediocridade, ignorância, oportunismo de novos-ricos que não se situam no mundo, vivem fora da realidade. Como interpretar o pronunciamento da presidenta da Comunidade Europeia? A União Europeia se tornando um amontado de republiquetas manejadas pelos Estados Unidos, algo muito parecido com o que os ianques faziam com as repúblicas bananeiras da América Central.

O mundo mudou, estamos diante do limiar de uma Nova Ordem e só não vê quem não quer.

Nesse clima transcorre o processo eleitoral na França. O primeiro turno revelou uma nação tripartida, quase que em partes iguais e inexpressivas, poder-se-ia dizer, com Emmanuel Macron 27,8%, Marine Le Pen 23,1% e Jean-Luc Mélenchon 22%.

No segundo turno, dia 24 de abril, as pesquisas indicam uma vantagem de quase dez pontos para o atual presidente, 56,5% contra 44,5% para sua adversária, mais confortável que os meros 4% de diferença do primeiro turno.

Bastante equilibrado, a decisão do jogo está nas mãos dos que votaram em Mélenchon, e sua França Insubmissa. As pesquisas indicam que ninguém votará em Le Pen mas que pelo menos uns 30% votará em branco ou nulo. Eles se opõem a continuidade da farsa conduzida por Macron.

O que é que está em jogo? Le Pen promete proibir o uso do véu em público para as muçulmanas; Macron promete liberar. O Estado é laico, mas a religião passou a ter a importância que não tinha antes por causa de uma imigração massiva vinda do Islã. Quase 10% da população e em ascensão. 

Migração é um baita problema, mas o que realmente aflige os franceses é o desemprego, a inflação e recessão econômica, agravadas agora com as sanções que, em obediência aos Estados Unidos, resolveram impor à Federação Russa. Os resultados estão aí… os mais prejudicados são os europeus. Se já havia uma inflação agora há uma disparada de preços sem controle, em setores básicos como energia e comida.

No sábado, multidões nas ruas em mais de 30 cidades para protestar contra essa situação e para mostrar que não querem ir mais para a direita do que já foram. Assim, protestavam também contra a candidatura de Le Pen. Em Paris, o movimento Extinção e Rebelião ocupou um pedaço do centro para protestar contra a falta de atitudes diante do caos climático que se avizinha. 

Por conta do pensamento único imposto pelo capital financeiro no contexto da chamada globalização a partir dos anos 1980, a França se tornou campeã no processo de desindustrialização. A participação da indústria no PIB caiu quase 10% nesses 40 anos. De quase 20% em 1975, caiu para 10% em 2015. Na Alemanha é 25,5% e na Itália 19%, para comparar.

Tornou-se campeã também da desigualdade. Acabou a sociedade de bem-estar como objetivo da social-democracia fiel aos princípios da internacional socialista. Acabou la belle époque. Voltou o regime das mais altas concentrações da renda. Os 10% mais ricos concentram mais 549.600 de patrimônio enquanto os 10% mais pobres apenas 2.600. 

A França se tornou campeã no processo de desindustrialização. A participação da indústria no PIB caiu quase 10% nesses 40 anos

Divulgação
Macron em videoconferência com líderes europeus para tratar da Guerra na Ucrânia

A pobreza atinge 14% da população, pouco mais de 9 milhões de pessoas. São pessoas que vivem com menos que um salário mínimo que, a partir de 1º de maio, passará a 1.645 euros, algo como 6.500 reais.

Além do desemprego, queda do consumo e aumento das importações tem causado déficits crescentes na balança comercial. Maior déficit comercial da história em 2021, de 84,7 bilhões de euros. Déficit também em conta-corrente, de 25,8 bilhões de euros, algo como 15 do PIB. Em 2020, por conta da Covid, o PIB despencou 12% negativos. Em 2021, cresceu 7%, faltando ainda cinco para compensar a perda.

Houve aumento de investimento em serviços, notadamente nas áreas de alta tecnologia, mas não compensa na melhora do padrão de vida nem na oferta de emprego. Pois é alta a dependência em energia e também em manufaturados, consequência da desindustrialização.

A partir de 1980, seguindo as políticas impostas pelos teóricos do neoliberalismo, na realidade teóricos da dependência aos Estados Unidos, foram extintos 2,2 milhões de empregos industriais. Só na indústria automobilística foram extintos 100 mil empregos em 20 anos.

Uma empresa como a Whirlpool fabrica lavadoras, geladeiras como aqui no Brasil. Fecha a fábrica na França e vai para a Polônia. Não é para vender produto mais barato. É para pagar salários menores e ter mais lucro, que é isso que interessa ao mercado financeiro. É quem manda. O Estado não tem mais poder de decisão.

Como a economia paralisada, lá como aqui, a flexibilização das leis do trabalho, com perda de direitos e precarização, rebaixamento dos salários, com graves consequências sociais como o empobrecimento de amplos setores da população. Uma situação em que cai bem o discurso anti sistema, abandonado pela esquerda, apropriado pela direita mais radical.

Macron assumiu a presidência em 2017, a desindustrialização estava no auge. Enfrentou com políticas sociais visando diminuir os efeitos, mas sem apontar para soluções de longo prazo para a crise. Na realidade, atuou como um agente do capital financeiro. Agora promete mais independência, sem explicar o que é isso.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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