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Banco Mundial e FMI reconhecem riscos da fome e crise climática, mas decidem não agir

Reuniões entre os órgãos, realizadas há poucos dias, terminaram sem propostas de soluções reais para os problemas que ameaçam a vida no planeta
Jim Cason
La Jornada
Nova York

Tradução:

As reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, realizadas entre 11 e 15 de abril, foram finalizadas com um reconhecimento de uma possível “década perdida” e os perigos da mudança climática, mas sem decisões para enfrentar esses desafios e sem os investimentos bilionários ou mudanças em política que quase todos os participantes e os especialistas dizem ser essenciais para a saúde do planeta. 

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Enquanto a primeira ministra de Barbados, Mia Motley, e vários delegados de países africanos fizeram ferozes críticas pela falta de ação das instituições multilaterais e pela falta de uma maneira democrática na tomada de decisões que afetam a todos, foram notáveis por seu silêncio público os delegados latino-americanos no debate sobre o futuro destas instituições apesar de que governos do Brasil, da Colômbia, do Chile e do México expressaram seu repúdio à agenda neoliberal dentro de suas nações. 

A sensação surrealista das reuniões oficiais do Banco Mundial e do FMI foi evidente desde o princípio. A liderança reconheceu que se requer entre um e quatro trilhões de dólares anuais em um novo financiamento para abordar os desafios atuais e disse que a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia ameaçavam as taxas de crescimento econômico a tal grau que os países em vias de desenvolvimento enfrentam potencialmente uma “década perdida” no futuro imediato.

A diretora-gerente do FMI, Kristialina Georgieva, admitiu em uma entrevista coletiva que “não estamos em um grande lugar, vemos o incremento em riscos”. Mas no prosseguimento da semana, o diagnóstico não foi seguido de um plano de tratamento. No fim da semana, Georgieva reconheceu que apesar de diálogos intensos sobre como abordar o possível risco de não pagamento da dívida por parte de algumas nações, não se haviam logrado acordos sobre esse problema, e que apesar possivelmente haver fundos adicionais do setor privado, o qual vê oportunidades para lucrar com novos empréstimos, não havia progresso para obter os trilhões que todos sabem que são necessários para este e outros problemas que o sistema financeiro internacional enfrenta.

Quando foram perguntados por que não se podia simplesmente cancelar parte da dívida internacional dos países mais endividados que estão à beira de uma possível crise de não pagamento, um funcionário do FMI explicou que “deixem dizer-lhes o que ocorre quando começamos a discutir cancelamento da dívida. Primeiro os países chegam para dizer que há um risco muito perigoso de que outros países farão o mesmo e com isso criarão uma crise cada vez mais ampla. Depois os credores – os bancos – chegam e dizem: ‘está bem, lhes daremos mais anos no prazo, ou se estenderá o reparto’. Esta advocacia tem um impacto sobre nossos governadores e sobre as conversações sobre a dívida”.

Reuniões entre os órgãos, realizadas há poucos dias, terminaram sem propostas de soluções reais para os problemas que ameaçam a vida no planeta

UN Women Asia and the Pacific/Flickr
Antonio Guterres: “Não resolveremos os desafios de hoje dependendo de sistemas financeiros que ajudaram a causá-los"

Ao concluir as reuniões, a primeira-ministra Motley declarou que “me frustra muito quando as pessoas querem chutar a bola mais adiante no caminho”. Em um foro organizado pela Fundação Rockefeller, agregou que “o que está em jogo é um déficit de confiança entre o norte global e o sul global… Francamente, a população mundial não vai tolerar isto, quando as temperaturas estão subindo além do que é humanamente sustentável”. Ela advertiu que “isto não se trata só de clima. Se podemos salvar o planeta e morremos de fome, ou salvar o planeta e morremos por balas, isso não nos ajuda”.

Sem nomear a algum país em particular, Motley criticou os contribuintes mais importantes do FMI e do Banco Mundial por fracassar em outorgar o capital necessário para abordar a crise atual. Apontou que quando as nações mais ricas do mundo enfrentaram a pandemia de covid, violaram toda a recomendação de políticos do FMI relativo ao gasto público e ajuste estrutural para proteger suas próprias populações. “Tudo o que nos dizem para não fazer foi feito recentemente pelo Grupo dos 7 no momento da crise”, sublinhou.

O secretário de finanças de Gana, Ken Ofori Atta, agregou que “é hora de que o mundo tome ação para criar um sistema financeiro global mais inclusivo que funcione para todos as nações”. Em um foro organizado pelo Atlantic Council, agregou que as instituições multilaterais não estão se movendo “na escala e na rapidez que se requer”.

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Os ministros de finanças da América Latina estavam presentes nas reuniões, com Argentina em particular tratando de renegociar uma dívida exacerbada por uma seca a qual todos aceitam que não é culpa do governo. Mas nos cinco dias de reuniões, o La Jornada não encontrou declarações públicas aqui dos ministros latino-americanos e outros oficiais somando-se às críticas ao Banco Mundial e ao FMI. “Entram nas reuniões, mas não dizem nada em público”, comentou um jornalista encarregado de cobrir as reuniões dos ministros.

No fim de semana, o secretário geral da Organização das Nações Unidas, Antonio Guterres, denunciou uma vez mais a falta de ação. Depois de reiterar as consequências já bem conhecidas da guerra na Ucrânia, da crise climática e da dívida dos mais vulneráveis, acusou que “estas tendências são profundamente daninhas para as pessoas e para as comunidades mais pobres – mas não para os mais ricos. Um informe recente sobre a desigualdade aponta que, desde a pandemia, o 1% mais rico das pessoas ao redor do mundo captou quase o dobro em nova riqueza que o resto do mundo combinado”.

Concluiu que “não resolveremos os desafios de hoje dependendo de sistemas financeiros que ajudaram a causá-los. A arquitetura financeira global foi criada para um mundo que já não existe. Não pode abordar os desafios de hoje para os países em desenvolvimento. Sejamos honestos: falhou para os países em seu momento de maior necessidade”.

Jim Cason e David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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