É onipresente e incessante o espetáculo político de Trump, e para muitos analistas de um amplo leque ideológico, ameaça nada menos que o próprio sistema democrático eleitoral dos Estados Unidos, mais uma vez.
“Sua perseguição não é uma caça às bruxas. É a defesa da nossa democracia”, resumiu o reconhecido intelectual político, professor em Berkeley e ex-secretário do Trabalho, Robert Reich.
Nenhum outro ex-presidente foi formalmente acusado antes de cometer crimes, muito menos sujeito a quatro processos criminais – duas das quais têm a ver com tentativas de descarrilar o processo eleitoral e inclusive tentar um golpe de Estado – que contêm um total de 91 acusações criminais; nenhum mandatário havia sido sujeito ao impeachment duas vezes durante sua estadia na Casa Branca, e nenhum outro presidente foi declarado culpado de violação sexual, ações ilegais de contabilidade para encobrir pagamentos para silenciar uma atriz pornô, nem acusado por várias mulheres de importunação sexual.
E isso não inclui seu recorde de mentiras e falsidades documentadas, seu apoio implícito e explícito a organizações de ultradireita, incluindo agrupações nazistas, nem seu constante esforço para nutrir a violência racial e anti-imigrantes, sobretudo contra o México quando estava na Casa Branca até agora como parte central de sua mensagem de campanha eleitoral.
Com isso, a próxima eleição já não é um concurso político, nem uma contenda entre dois partidos e seus candidatos, mas sim um espetáculo, e isso é justamente como deseja o acusado Donald Trump. Mas não se podem prognosticar as consequências dessa estratégia, e por ora Trump tem uma citação para entregar-se pessoalmente, uma vez mais, às autoridades no condado de Fulton, na Geórgia, antes de 25 de agosto.
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Sua equipe de advogados se manterá muito ocupada nos próximos dias. Enquanto isso, o processo judicial federal sobre sua tentativa de descarrilar o processo eleitoral prossegue com uma próxima audiência marcada para 28 de agosto.
O jogo agora para o acusado é como utilizar os processos judiciais, que buscam que o ex-mandatário preste contas por uma série de delitos amplamente documentados para fins políticos, culminando em um retorno triunfal à Casa Branca, onde não descarta um auto indulto e com isso evitar o que para qualquer outro acusado dos mesmos delitos implicaria anos em prisão.
Foto: John Pemble/Flickr
Trump continua dominando a disputa entre republicanos para a nomeação como candidato do partido
Quando se anunciou a quarta acusação criminal formal contra Trump, no último dia 14, em Atlanta, Geórgia, por tentativas de descarrilar a eleição presidencial nesse estado, o acusado decidiu responder com algo que historicamente tem funcionado neste país (embora se pensaria que no século 21 já tivesse passado de moda) ao alegar que os acusadores são anti-estadunidenses e proclamar-se o patriota que resgatará este país.
“O comunismo finalmente chegou a nossas costas”, declarou em uma mensagem às suas bases agregando que “este lugar é uma ditadura marxista encabeçada por um tirano incompetente, mas corrupto”. Junto com isso, Trump reiterou que todos esses processos são parte do um complô esquerdista, e que os promotores, os juízes, o Departamento de Justiça e o governo de Joe Biden são os verdadeiros inimigos dos Estados Unidos. “A Justiça e o império de lei estão oficialmente mortos na América”, proclamou, afirmando que esta acusação é o quarto ato de “interferência eleitoral” dos democratas para “encarcerar seu maior opositor”.
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Concluiu que “eu não entregarei o nosso país a estes tiranos radicais que buscam destruí-lo” e advertiu que “o destino da nossa nação está em jogo na eleição de 2024. Não é só minha liberdade que está em risco, mas sim a de vocês – e eu não deixarei que eles tirem isso de ninguém”.
Com isso, Trump mais uma vez busca mobilizar seus fanáticos e está funcionando. As notícias de quinta-feira (17) dizem que as autoridades investigam ameaças contra integrantes do grande júri que aprovou as acusações contra Trump e 17 de seus sócios no processo judicial na Geórgia, enquanto seus seguidores enviaram ameaças, incluindo apelos para que a promotora Fani Willis e os integrantes do grande júri sejam linchados (com toda a carga racista vista no Sul, dado que a promotora é afro-estadunidense). Neste mesmo mês, uma mulher foi detida no Texas por ameaças contra a juíza federal Tanya Chutkan, encarregada do julgamento contra Trump em Washington.
Alguns especialistas comentam que talvez o caso mais perigoso para Trump é o da Geórgia, onde já está acusado sob leis estaduais, e não federais. Mesmo que um presidente republicano ou o próprio Trump ganhe a eleição, não teria autoridade para anular uma condenação, como tampouco o governador do estado.
Mas por ora, o espetáculo fora dos tribunais está funcionando, fazendo com que Trump cumpra exitosamente seu objetivo de manter-se no centro do círculo noticioso quase todos os dias. Segundo as pesquisas mais recentes, continua dominando a disputa entre republicanos para a nomeação como candidato do partido, com a média das principais pesquisas calculadas pela Real Clear Polítics colocando o ex-presidente com uma vantagem de 39,9 pontos sobre os outros 10 pré-candidatos anunciados. Na pesquisa mais recente da AP/NORC divulgada na quarta-feira (16), o ex-mandatário goza de um apoio de 63% entre os republicanos.
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Talvez a próxima prova dessa estratégia seja no primeiro debate entre os pré-candidatos republicanos marcado para o próximo 23 de agosto, em Milwaukee. Embora não se saiba se Trump se apresentará ou não nesse evento, em pessoa ou não, será o centro da atenção. Vários dos outros candidatos não têm mais que esperar que em algum momento algo sucederá para provocar uma queda catastrófica de quem é, por ora, o rei republicano.
No entanto, embora Trump domine seu partido, isso não se traduz no eleitorado em geral. Na mesma pesquisa da AP/NORC, a maioria dos estadunidenses (53%) afirma que definitivamente não apoiará Trump) outros 11% disseram que provavelmente não o fariam; 43% disse o mesmo de Biden. Não é nada, mas tampouco é muito.
David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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