O governo estadunidense interveio no Chile para ajudar a derrubar com um golpe militar um presidente democraticamente eleito por, segundo palavras de Kissinger, “a irresponsabilidade de seu povo”. Não foi a primeira vez, nem seria a última em que Washington interveria em outros países para buscar mudar o regime, usando todo tipo de justificações – a Doutrina Monroe, a Guerra Fria, a “guerra contra as drogas” e, desde o 11 de setembro estadunidense, “a guerra contra o terror”.
Mas a violação do direito da autodeterminação e soberania de outros países por Washington tem sido essencialmente porque, de alguma maneira, se atreveram a oferecer um exemplo progressista não aprovado por Washington. No Chile, há 50 anos, Kissinger e seus cúmplices fizeram tudo para evitar o êxito de um projeto de justiça social e econômica que se identificava como socialista.
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São mais de 500 intervenções militares estadunidenses internacionais desde a fundação dos Estados Unidos em 1776, com mais da metade ocorrendo entre 1950 e 2017 e um terço do total depois de 1999, reporta o Projeto de Intervenção Militar na Universidade Tufts. E também há uma extensa lista do uso de força militar estadunidense entre 1798 e 2023.
É difícil calcular o número de vezes em que Washington praticou intervenção tanto militarmente como de outras maneiras diretas e indiretas na América Latina com o objetivo de lograr uma “troca de regime”, mas uma análise identificou pelo menos 41 casos entre 1898 e 1994 ou um a cada 28 meses durante um século, segundo o historiador John Coatsworth, então da Universidade de Harvard.
Os exemplos, sobretudo na América Latina, mostram de maneira esmagadora que estas intervenções de todo tipo foram contra regimes progressistas e ajudaram a instalar regimes direitistas, mas pouco deles no mundo são tão brutais como o relembrado pelo Chile neste 11 de setembro.
Montagem
Ambos os onzes de setembro se encontram, com as mesmas perguntas de sempre, esperando respostas
Com o governo de Salvador Allende, Kissinger disse estar preocupado que o êxito da social democracia no Chile seria contagioso… Estava preocupado que um desenvolvimento econômico exitoso, uma economia que produz benefícios para a população em geral e não só lucros para as empresas privadas – teria um efeito contagioso, apontou Noam Chomsky em 1994.
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Segundo o sociólogo, “Kissinger revelou a história básica da política exterior dos Estados Unidos durante décadas. […] Em todas as partes, o mesmo no Vietnã, em Cuba, na Guatemala, na Grécia, na Nicarágua. Era a mesma preocupação: a ameaça de um bom exemplo”.
Esse “bom exemplo” não pede licença e desafia Washington, explica Chomsky. E então, o governo estadunidense responde com políticas como as aplicadas durante mais de meio século a Cuba – castigada por se atrever a realizar uma revolução, que “ameaça” não por seu poderio, mas por seu exemplo em potencial – e Venezuela – desde o governo democraticamente eleito de Hugo Chávez.
Nesta segunda-feira (11), o circuito oficial de Washington – com algumas, mas poucas exceções – não se falou do 50º aniversário do 11 de setembro chileno, mas só do 22º aniversário do 11 de setembro estadunidense, ao relembrar os 3 mil mortos e jurar que nunca se repetirá. Mas não se fará essa promessa a outros países.
Tampouco se mencionará que o 11 de setembro estadunidense está diretamente relacionado à política intervencionista estadunidense, o que alguns qualificam como um “rebote”.
Al Qaeda surge das forças direitistas financiadas e capacitadas pela CIA no Afeganistão, cujos líderes haviam sido convidados à Casa Branca, onde foram qualificados como “lutadores pela liberdade” (freedom fighters) pelo então presidente Ronald Reagan. Hoje ambos os onzes de setembro se encontram outra vez aqui, com as mesmas perguntas de sempre, esperando respostas sobre o que significa “nunca mais”.
Pete Seeger – Víctor Jara
Bruce Springsteen – The Rising
David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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