Pesquisar
Pesquisar
“Nosso bairro não é ruim, mas é complexo”, afirma Regla González, coordenadora do Centro Comunitário Nelson Barrera, no bairro de La Marina, em Matanzas (Imagem: Jorge Luis Baños/IPS)

Na cidade cubana de Matanzas, violência de gênero se combate com Educação

Uma das iniciativas em Matanzas é o projeto SoLuna, que promove debates entre ativistas e mulheres da comunidade sobre temas como papéis no lar, criação dos filhos e independência econômica
Redação IPS
IPS
Matanzas

Tradução:

Uma mulher caminha ao lado de várias imagens alegóricas ao tema da violência de gênero, expostas em uma rua central da cidade de Matanzas, a cerca de 100 quilômetros a leste de Havana. Em Cuba, persistem múltiplas manifestações de violência de gênero. (Imagem: Jorge Luis Baños/IPS)

O bairro de La Marina, localizado na cidade de Matanzas, a 103 quilômetros a leste de Havana, é um retrato da violência de gênero em Cuba.

Com quase 1900 habitantes, sendo a maioria negra, um grande número de ex-presidiários e uma população flutuante proveniente de províncias mais orientais, La Marina é reconhecido na cidade como um dos bairros mais vulneráveis.

Segundo um diagnóstico realizado em janeiro de 2023 pela educadora popular Nayla Mazorra para a Universidade de Matanzas, ali conviviam 50 mães solteiras com mais de três filhos, 377 idosos que vivem sozinhos e 200 famílias em situação de vulnerabilidade que dependem da assistência do Estado para sobreviver.

É um bairro onde cresce o índice de adolescentes grávidas e onde religiões afrodescendentes se tornam fontes de emprego informal e de paradigmas culturais predominantemente machistas.

“Agora é diferente. Antigamente, uma pessoa nem podia caminhar nem sair para a rua. As pessoas agora são mais tolerantes, há menos homofobia. Já não nos jogam pedras”

“Um dos problemas do bairro é o baixo nível cultural. A violência psicológica e a laboral foram naturalizadas”, disse Mazorra à IPS, que também é moradora do bairro.

Vista parcial do bairro La Marina, na cidade cubana de Matanzas. Em La Marina, uma das comunidades mais vulneráveis da cidade, existem cerca de 200 famílias que dependem da assistência do Estado para sobreviver. Imagem: (Imagem: Jorge Luis Baños/IPS)

Violência de gênero em Matanzas

Lenin Masó, coordenador do projeto matancero SoLuna, associado à Universidade de Matanzas, que enfrenta a violência de gênero, comunitária, escolar e racial por meio da educação, opinou em entrevista à IPS que em Cuba há muitas situações de violência de gênero no ambiente familiar.

“Em Matanzas, pelos levantamentos que realizamos, as manifestações mais comuns de violência são as verbais, as ofensas. Também os papéis de servidão atribuídos às mulheres no âmbito doméstico. Essa forma de violência simbólica é imposta pela cultura machista, e isso precisa ser desconstruído”, acrescentou Masó.

De acordo com o Observatório de Cuba sobre Igualdade de Gênero, ao final de 2023, 23,9% das mulheres de Matanzas dedicavam seu tempo exclusivamente às tarefas domésticas, um percentual menor em comparação com outras províncias orientais, como Holguín (38,1%) e Las Tunas (36,3%).

No entanto, apenas 0,1% dos homens se dedicavam a essas tarefas, o menor percentual de toda essa nação insular caribenha de cerca de 10 milhões de habitantes, atrás apenas da província ocidental de Pinar del Río, com 0,4%.

No dia 25 de novembro, quando se celebrou o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher, o projeto SoLuna organizou em Matanzas a quinta edição do Workshop Nacional de Visibilidade e Prevenção da Violência para o Desenvolvimento de uma Cultura de Paz.

Nesse espaço, especialistas no tema analisaram múltiplas expressões de violência de gênero, bem como as ações de projetos locais e nacionais voltados a conscientizar as pessoas sobre esses fenômenos de desigualdade.

Na sala de sua casa, a líder comunitária Regla González, coordenadora do Centro Comunitário Nelson Barrera, no bairro de La Marina, na cidade cubana de Matanzas, em entrevista à IPS. “Nosso bairro não é ruim, mas é complexo”, assegura. (Imagem: Jorge Luis Baños/IPS)

Conscientizar e acompanhar

Desde o início de 2023, o projeto SoLuna realiza uma iniciativa chamada Mujer y Sonrisa, na qual ativistas contra a violência de gênero interagem com mulheres – e também alguns homens – de La Marina nos dias 25 de cada mês.

“Nosso objetivo é conscientizar e acompanhar essas mulheres, porque o bairro tem muitas necessidades, e somente quando elas as expressam, podemos oferecer os caminhos e ferramentas para que elas mesmas gestionem as soluções e busquem outras saídas”, disse Mazorra, uma das organizadoras do intercâmbio e colaboradora do SoLuna.

A líder local e educadora popular Regla González, coordenadora do Centro Comunitário Nelson Barrera, de La Marina, disse à IPS que nesses encontros se debatem as inquietações das mulheres participantes em seu cotidiano: os papéis no lar, o respeito entre casais e a si mesmas, a criação dos filhos, a independência econômica, entre outros.

“Uma mulher tem que se querer e se adorar como mulher. Se ela não se respeitar, quem vai respeitá-la? Nosso bairro não é ruim, mas é complexo”, afirmou González, em cujo centro se realizam palestras sobre diversos aspectos de igualdade de gênero e violência contra a mulher.

Ativistas do projeto AfroAtenas seguram uma bandeira do orgulho da comunidade LGBTI+ e outra do orgulho trans, no Callejón de las Tradiciones, na cidade cubana de Matanzas. O projeto AfroAtenas conseguiu uma transformação infraestrutural no bairro Pueblo Nuevo, além de incutir o respeito pela diversidade sexual e de gênero. (Imagem: Jorge Luis Baños/IPS)

Transformação do pensamento

A poucos quilômetros de La Marina, encontra-se o bairro de Pueblo Nuevo, também considerado um dos mais vulneráveis da cidade, devido a problemas econômicos e infraestruturais e altos índices de violência.

Dentro dele, o que há cerca de 15 anos parecia um depósito de lixo, segundo os moradores locais, destaca-se hoje como o colorido e limpo Callejón de las Tradiciones, com murais representativos da cidade e da cultura afrodescendente abakuá, através de pinturas de íremes, figuras que representam o espírito de algum antepassado.

O artífice dessa transformação comunitária foi o projeto AfroAtenas, fundado em 2009 e liderado por membros da comunidade LGBTI+, que fomenta o respeito à diversidade sexual e de gênero, bem como a todas as pessoas, além de prevenir a violência de gênero.

“Nas primeiras etapas do projeto, havia muita violência no bairro. Tudo isso foi diminuindo pelas atividades que realizávamos, mas atualmente tem aumentado devido a questões econômicas e sociais. Há uma perda constante de valores”, disse à IPS Rogelio Benavides, gestor de projetos do AfroAtenas.

“Se não há respeito ao restante da sociedade, muito menos haverá à comunidade LGBTIQ+”, continuou Benavides, que esclareceu que, mesmo que não sofra violência verbal ou física por ser homossexual, isso não significa que a discriminação tenha deixado de existir no bairro.

Mulheres trans posam na sede do projeto AfroAtenas, na cidade cubana de Matanzas. Dentro da comunidade LGBTI+, as pessoas trans são as mais discriminadas e violadas. (Imagem: Jorge Luis Baños/IPS)

Violência contra pessoas trans

“Agora é diferente. Antigamente, uma pessoa não podia nem caminhar, nem sair pela rua. As pessoas agora são mais tolerantes, há menos homofobia. Já não nos jogam pedras”, comentou à IPS Yaisel, uma mulher trans residente na localidade de Pueblo Nuevo.

Apesar de que, aparentemente, a situação já não seja tão exasperante como antes, Yaisel disse que ainda existem casos de agressões físicas e verbais.

Dentro da comunidade LGBTI+, as pessoas trans são as mais discriminadas e violentadas, além de muitas exercerem a prostituição e conviverem com o HIV ou serem portadoras da AIDS, disse Benavides.

No âmbito do AfroAtenas, mulheres e homens se reúnem periodicamente com uma psicóloga, em uma espécie de palestra ou terapia grupal, para falar de problemas em comum, como a discriminação na comunidade ou em instituições públicas, o respeito de seus familiares, a dificuldade para obter empregos ou exercer a maternidade; em resumo, temas de violência.

“Fizemos uma consulta sobre como se sente uma pessoa trans quando chega a uma instituição de saúde e se sente totalmente discriminada. Não somente no registro (quando pedem o nome com o qual nasceu), mas no tratamento dos médicos”, explicou à IPS Laura Hernández, a psicóloga que acompanha as sessões.

Uma sociedade heteropatriarcal como a cubana provoca múltiplas e, às vezes, sutis manifestações de violência de gênero.

Segundo Hernández, essa cultura machista está tão arraigada que, em muitos casos, as pessoas trans também reproduzem os papéis socialmente atribuídos a homens e mulheres, conforme o gênero com o qual se identificam.

“O contexto machista não muda: por que temos que nos manter nesse pensamento binário?”, sentenciou a especialista.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Redação IPS

LEIA tAMBÉM

Ataques do Governo Meloni a refugiados provocam fim de resgates no Mediterrâneo
Ataques do Governo Meloni a refugiados provocam fim de resgates no Mediterrâneo
Plano de ajude ao Haiti receba apenas 42% da ajuda financeira necessária
Plano de ajuda ao Haiti recebe apenas 42% da ajuda financeira necessária
Lavender o uso de IA por Israel para automatizar o extermínio na Palestina
Lavender: a inteligência artificial de Israel e a automação do extermínio palestino
Programas de deportação não resolvem crise migratória nos EUA, afirma especialista
Programas de deportação não resolvem crise migratória nos EUA, afirma especialista