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ToggleAssim como o Brasil estende sua gigantesca sombra econômica para o Uruguai, agora assume os tentáculos de um coronavírus expansível através de fronteiras porosas.
Virtual calcanhar de Aquiles nos empenhos do país rio-platense para manter plana a curva de propagação da Covid-19, deixa o governo, as autoridades e os cidadãos comuns conscientes, com a atenção posta na extensa linha demarcatória setentrional.
Pelo menos quatro departamentos territoriais: Artigas, Rivera, Cerro Largo e Rocha limitam com a potência sul-americana e, em alguns casos, com cidades binacionais de livre trânsito potencias corredores para portadores do vírus SARS Cov-2.
Assim se compreende que o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, se deslocasse para avaliar pontos de controle nos limites de Cerro Largo e, mais recentemente, por duas vezes em quatro dias, a Rivera, onde em pouco tempo dispararam os casos de Covid-19, com dois falecimentos.
Facebook / Reprodução
Segundo as autoridades uruguaias, as maiores preocupações no controle da pandemia relacionam-se as fronteiras com o Brasil
Heranças da Frente Ampla e o combate a Covid-19
O fato de ser um país pequeno, com uma população de pouco mais de três milhões de habitantes, baixa densidade demográfica e escassas áreas de superpopulação, favoreceu as medidas adotadas pelo governo uruguaio para enfrentar a pandemia desde 13 de março em que se declarou oficialmente a emergência nacional sanitária.
Houve um precoce fechamento de fronteiras, suspensão das aulas, de todo tipo de espetáculo, de atividades econômicas e comerciais, e exortações à permanência em casa, sobretudo as pessoas da faixa etária de maior risco, a evitar aglomerações e incentivar uma cultura do uso de máscaras e lavagem de mãos, entre outros hábitos de higienização.
Também os 15 anos de governo da Frente Ampla legaram uma sólida base sanitária construída para encarar uma pandemia tão desconhecida e virulenta, reforçando a cadeia assistencial hospitalar.
O atual subsecretário de Saúde Pública, José Luis Satdjian, resumiu essas fortalezas no reconhecido Sistema Nacional Integrado de Saúde (SNIS), com uma rede de atenção primária importante, sistemas de saneamento e outras condições pré-existentes como a digitalização dos uruguaios, o que facilitou a telemedicina e evitar saturações nos setores de cuidados intensivos.
A isso se soma uma força humana científica cultivada por décadas, que desenvolveu pesquisas, inventivas em produção de testes e necessários dispositivos médicos.
Cenário recomenda prudência
Com a chegada de junho e do agressivo inverno austral, o Uruguai exibe por enquanto uma das mais baixas taxas de infectados, num cenário em que o epicentro da pandemia migrou para às Américas.
O número de casos positivos é no momento de apenas 800, com 22 óbitos e uma boa porcentagem de recuperados.
Mesmo assim, os integrantes do Comitê Científico Honorário, que monitora e assessora o governo em seu recente propósito de restabelecer atividades suspensas, estão conscientes que um novo rebrote do vírus pode acontecer.
O médico biólogo Rafael Radi, que coordena esse grupo, aponta que a pandemia no Uruguai se encontra sob “relativo controle” e que “abre-se um cenário possível e de relativa segurança para fazer uma reabertura das escolas”, baseada em quatro pilares: “progressividade, regulação, monitoramento e evidência”.
Também sublinha que de imediato “nossa tarefa hoje é superar o inverno com a pandemia controlada”. Para o especialista “nas fases novas, na ausência de vacinas ou tratamentos, a única estratégia sustentável para o país é evitar os contágios”, indicou e remarcou que para isso é determinante o “distanciamento físico sustentado”.
Controle interno e causas externas
No transcurso da pandemia, o Uruguai atravessou por várias etapas, desde o inicial contágio de pessoas pertencentes as classes mais abastadas, seguidos dos significativos contágios em asilos de idosos, em um hospital e em assentamentos irregulares suburbanos.
O país saiu vitorioso e controlou todas as ameaças de propagação, mas agora ainda é necessário o cumprimento de protocolos para o recomeço de aulas e atividades de trabalho e, o acatamento instável das normas de proteção cidadã abrem potencialidades de indesejáveis retrocessos.
Neste cenário, segundo as autoridades uruguaias, as maiores preocupações relacionam-se as fronteiras com o Brasil, que apresenta um dos maiores índices de infecção e letalidade do mundo.
Esforços infrutíferos
Neste contexto, o governo uruguaio tem se esforçado em reativar um acordo sanitário bilateral assinado durante o período dos governos da Frente Ampla, no Uruguai e do Partido dos Trabalhadores, no Brasil.
A questão tem arestas imperiosas pela complexidade de abarcar cidades binacionais, ou irmanadas, de livre trânsito como Rivera-Santana de Livramento; Artigas-Quaraí; Cerro Largo-Aceguá, e Chuy no departamento de Rocha, onde se compartilha a mesma rua, com diferença de cidadania em calçadas opostas.
Uruguaios e brasileiros cruzam de um lado para o outro em livre escolha de domicílio, locais de trabalho, de estudo e de serviços, e até amizades. Contingentes se transladam para safras de cana-de-açúcar e para trabalhar em obras.
À primeira leitura, a emergência sanitária mundial leva a pensar na colaboração entre os países e consequentemente entre os dois países.
Negacionismo genocida impede colaboração
O grande problema reside em conseguir uma coordenação, ou “medidas espelho” como gosta de dizer o chanceler Ernesto Talvi, com um governo cujo presidente, praticamente nega a pandemia e age com contumaz irresponsabilidade, indiferente às estatísticas da letalidade pandêmica.
Por sorte, o governador do Rio Grande do Sul é um dos que desafiam o ultradireitista com a autonomia garantida pela Corte Suprema e, assim, resta alguma esperança de que o Uruguai consiga conter a expansão do coronavírus em seu território. Caso contrário, só lhe restará o desafio de enfrentar unilateralmente a ampliação do número de infectados resultantes da política genocida do atual mandatário brasileiro.
Hugo Rius Correspondente de Prensa Latina no Uruguai.