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Centro de Pesquisas Nucleares de Negueve, supostamente destinado a gerar energia para Israel (Imagem: Wikimedia Commons)

O monopólio nuclear de Israel: desequilíbrio no Oriente Médio e ameaça à ordem internacional

Não haverá segurança real enquanto persistirem privilégios nucleares, e não haverá estabilidade enquanto o Israel possuir armas nucleares completamente fora de qualquer estrutura de controle

Wisam Zoghbour
Diálogos do Sul Global
Gaza

Tradução:

Num cenário que reflete a profundidade das contradições internacionais, os Estados Unidos realizaram, em junho de 2025, um amplo ataque aéreo contra instalações nucleares iranianas, tendo como alvos os complexos de Fordow, Natanz e Isfahan. A operação militar foi anunciada pelo presidente estadunidense Donald Trump, que a classificou como “altamente bem-sucedida”, afirmando que “todas as aeronaves estadunidenses deixaram o espaço aéreo iraniano após descarregar uma carga completa de bombas sobre o principal alvo em Fordow”. O ataque, segundo comunicado da Guarda Revolucionária Iraniana, foi realizado em total coordenação com Israel e constitui uma violação flagrante do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), da Carta das Nações Unidas e dos princípios fundamentais da soberania internacional.

Esse escalonamento militar por parte dos EUA, sob o pretexto de combater um programa nuclear de caráter civil, volta a expor a contradição estrutural da ordem internacional: Israel, o único país do Oriente Médio que detém um arsenal nuclear, permanece acima das leis internacionais, imune a inspeções, fora de qualquer tratado de controle, enquanto outros países são bombardeados sob a mera suspeita ou intenção de desenvolver programas nucleares pacíficos.

Uma única bomba muda toda a equação

No coração de um Oriente Médio permanentemente instável, os fatos demonstram que a arma nuclear não é mais apenas um instrumento de dissuasão: tornou-se uma bomba moral que ameaça a integridade do sistema internacional. De acordo com o mais recente relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), até 1º de janeiro de 2025, apenas nove países possuíam esse armamento letal, totalizando 12.241 ogivas nucleares, das quais 9.614 estão ativas nos arsenais militares e 2.100 encontram-se em estado de alerta máximo.

Israel: um enclave nuclear blindado

Estima-se que o arsenal nuclear de Israel contenha cerca de 90 ogivas, distribuídas entre bombas gravitacionais – que podem ser lançadas por aeronaves (cerca de 30 unidades) – e mísseis balísticos Jericho II e III (aproximadamente 60 unidades). Ainda assim, Israel mantém sua política de ambiguidade nuclear, recusando-se a aderir ao Tratado de Não Proliferação e permanecendo fora de qualquer regime de inspeção ou monitoramento internacional.

Por outro lado, todos os demais países do Oriente Médio – da Turquia ao Irã, passando pelo Egito e pelos Estados do Golfo – possuem zero ogivas nucleares. Apesar disso, estão submetidos a crescentes pressões políticas e militares, como se observa no caso do Irã, perseguido internacionalmente por manter um programa nuclear de natureza exclusivamente civil.

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Paradoxos nucleares que abalam o equilíbrio regional

1. Dupla moral internacional

O programa nuclear iraniano é tratado como uma ameaça iminente, alvo de sanções, ataques e isolamento, enquanto Israel é sistematicamente isento de qualquer questionamento sobre seu arsenal, sem obrigação de prestar contas nem de se submeter a normas jurídicas internacionais.

2. Arma oculta, ameaça explícita

Em março de 2025, uma autoridade israelense de alto escalão declarou que “a opção nuclear está sobre a mesa em Gaza”, em uma ameaça explícita de uso desse armamento proibido contra uma das áreas mais densamente povoadas do planeta – uma declaração que agrava profundamente o senso de insegurança em toda a região.

3. Supremacia assimétrica

O arsenal nuclear de Israel aprisiona o futuro do Oriente Médio em uma lógica de dissuasão absolutamente desigual, negando aos povos da região o direito de desenvolver defesas soberanas sob a justificativa de “manter a superioridade militar israelense”.

Centro de Pesquisas Nucleares de Negueve, visto do satélite Corona no fim da década de 1960. A instalação nuclear israelense, localizada no deserto de Negueve começou a ser construída em 1958, com ajuda da França. Em 1986, o ex-técnico nuclear israelense Mordechai Vanunu denunciou o programa para construção de bombas nucleares operado pelo Estado sionista. (Foto: Wikimedia Commons)

Uma nova corrida armamentista e o colapso dos mecanismos de controle

Os dados do SIPRI são claros: o mundo vive uma nova corrida armamentista nuclear, impulsionada pelo colapso progressivo dos instrumentos de controle e fiscalização. Desde a retirada dos EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF) e a resistência em renovar o tratado New START, as grandes potências aceleram a modernização de seus arsenais. Israel não é exceção: investe intensamente no aprimoramento de suas capacidades nucleares, tanto aéreas quanto balísticas, em ritmo acelerado.

Um apelo pela justiça nuclear global

O monopólio nuclear de Israel, sustentado por uma imunidade internacional escandalosa, representa uma ameaça não apenas à segurança regional, mas também à própria credibilidade da ordem internacional baseada no direito. A solução não reside na escalada militar nem em ataques preventivos, mas na imposição de um desarmamento nuclear integral no Oriente Médio, que comece, necessariamente, por Israel.

Confira mais notícias na seção especial GUERRA ISRAEL X IRÃ

Da mesma forma, reformar a arquitetura internacional exige que todos os programas nucleares – inclusive os de caráter civil – sejam submetidos a uma fiscalização multilateral, transparente, justa e livre de seletividades e instrumentalizações políticas.

Não haverá segurança real enquanto persistirem privilégios nucleares desiguais. E não haverá estabilidade enquanto existir um Estado armado com armas nucleares completamente fora de qualquer estrutura de controle. Basta uma única bomba – lançada ou mantida como ameaça – para redesenhar não apenas o Oriente Médio, mas o mundo inteiro.

Edição de texto: Alexandre Rocha


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Wisam Zoghbour Jornalista, membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos e diretor da Rádio Voz da Pátria.

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