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Ilustração: Chris Piascik / Flickr

Nova era anti-imperialista? O efeito bumerangue dos ataques de Trump à América Latina

As tarifas, deportações e ameaças de Trump fortalecem as forças progressistas latino-americanas e expõem o alinhamento da direita ao ódio e racismo do mandatário dos EUA

Aram Aharonian
Estratégia.la
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

A indignação e a resistência ante as políticas de intimidação do regime de Donald Trump — de deportações em massa e represálias econômicas que afetam a América Latina — persistem, ainda que os grandes meios hegemônicos de comunicação tentem ocultar ou maquiar tudo isso.

Três temas alimentam a resistência contra Trump na América Latina: as tarifas, as deportações e a política de exclusão promovida por Washington, que abrange o isolamento de Cuba e da Venezuela, além da retórica e das ações destinadas a expulsar a China do continente, em uma encarniçada campanha que invoca a vetusta Doutrina Monroe e colide com a realidade da expansão chinesa na região.

A indignação provocada pelas declarações incendiárias de Trump sobre o Canal do Panamá e o Golfo do México, somada à sua política de deportações em massa e de tarifas, fortalece as forças progressistas latino-americanas em detrimento da direita.

Há quem diga que o sentimento antiestadunidense está revivendo na América Latina devido ao desrespeito à autonomia e à independência dos países da região, por meio da imposição de medidas duras, afastando qualquer interesse em cooperar com Washington ou estabelecer objetivos comuns. Trump realmente acredita que a América Latina é o quintal dos EUA.

Celac x neofascistas

A polarização entre os governos progressistas, partidários da integração latino-americana, e os de direita, alinhados com Washington por meio de acordos bilaterais de livre comércio, ficou evidente na cúpula da CELAC realizada em Honduras em abril.

Os presidentes de ultradireita de Argentina, Paraguai, Peru e Equador brilharam pela ausência, enquanto seus homólogos participaram ativamente. Os quatro se reuniram separadamente em Assunção para rejeitar a posição unificada da CELAC em matéria tarifária.

Reunião da Celac em Honduras.

Seus respectivos representantes na cúpula se recusaram a assinar o documento final, denominado “Declaração de Tegucigalpa”, no qual se expressava a rejeição às sanções internacionais unilaterais e às tarifas impostas por Donald Trump.

Especialmente significativa foi a insistência de Lula para que os países da região se desvinculem do dólar, promovendo o comércio em moedas locais. Em clara alusão a Trump, Lula afirmou: “Quanto mais unidas estiverem nossas economias, mais protegidos estaremos frente a ações unilaterais”. Ainda mais explícita foi a anfitriã da cúpula, Xiomara Castro de Zelaya, que declarou: “Não podemos sair desta assembleia histórica… sem debater a nova ordem econômica que os Estados Unidos estão nos impondo com tarifas e políticas migratórias”.

A deportação de venezuelanos

As políticas de Trump intensificaram a extrema polarização na América Latina, deslocando a centro-direita tradicional e abrindo espaço para uma ultradireita cada vez mais influente, bem financiada pelo Norte e com amplo apoio midiático — ao mesmo tempo em que a esquerda ganhou terreno em alguns países.

Na Venezuela, a deportação de 238 venezuelanos dos EUA para uma prisão superlotada em El Salvador, e de outros para Guantánamo, provocou indignação entre todos os venezuelanos.

Venezuelanos deportados para El Salvador.

Segundo a revista The New Yorker, uma rede de advogados denunciou que centenas de migrantes venezuelanos deportados foram transformados em fantasmas legais, já que seus nomes não aparecem em registros oficiais nem seus casos puderam ser adequadamente defendidos nos tribunais de imigração. Enquanto isso, funcionários do governo colocaram, em frente à Casa Branca, cartazes com os rostos de migrantes detidos pelas autoridades migratórias.

Os cartazes mostram migrantes presos por assassinato em primeiro grau, abuso sexual de menores, sequestro e estupro, homicídio, pedofilia e tráfico de fentanil, e descrevem os detidos como estrangeiros ilegais, embora seus nomes e status legais exatos não estejam incluídos.

O tema das deportações e do racismo é mais um exemplo de como as políticas de Trump enfraquecem — ainda que involuntariamente — a direita latino-americana e, em consequência, acabam favorecendo a esquerda.

A Casa Branca publicou em sua conta no X uma imagem de Trump personificado como Papa, que ele mesmo havia postado previamente em sua rede Truth Social, indiferente ao luto dos católicos — entre eles, milhões de latino-americanos. “Eu gostaria de ser Papa; essa é minha opção número 1”, respondeu o magnata quando jornalistas lhe perguntaram sobre a sucessão do falecido Francisco. Acrescentou que tinha um cardeal favorito e que ele é de Nova York, em referência ao conservador Timothy Dolan, que citou expressamente.

Líderes e povos latino-americanos reagem

A oposição às políticas de Trump na América Latina assume múltiplas formas. Em alguns países, como no caso do México, forjou-se uma frente comum em torno do tema das tarifas, incluindo empresários de destaque e alguns líderes da oposição.

O repertório de resistência interna em mais de mil cidades dos Estados Unidos também inclui mobilizações de rua na América Latina. Em 12 de abril, cidadãos panamenhos saíram às ruas em repúdio à visita do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, que insiste em se apropriar do Canal.

E os repúdios vão se sucedendo. A primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, agradeceu o trabalho do pessoal médico internacional cubano por sua assistência durante a pandemia de COVID-19. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciou sanções contra funcionários do governo de Barbados e seus familiares por sua suposta cumplicidade na promoção das missões médicas cubanas.

Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados.

Washington também ameaçou impor restrições comerciais aos países que colaborarem com essas missões. Mottley afirmou que não cederá em sua defesa da cooperação médica cubana e acrescentou: “Se o custo disso for perder meu visto para entrar nos Estados Unidos, que assim seja. O que nos importa são os princípios.”

Outra surpresa para Trump chegou em 10 de março, quando o chanceler surinamês Albert Ramdin foi eleito secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), após a retirada de seu único oponente, o chanceler paraguaio Rubén Ramírez – que havia prometido impulsionar uma “mudança de regime” em Venezuela, Cuba e Nicarágua –, para substituir o repudiado uruguaio Luis Almagro.

Os principais meios de comunicação repetiram a afirmação do enviado da Casa Branca para a América Latina, Mauricio Claver-Carone, que assegurou que “o secretário-geral da OEA será um aliado dos Estados Unidos” e declarou que “o governo surinamês de Ramdin está no caminho certo do ponto de vista econômico… está atraindo investimentos estrangeiros que não provêm da China”.

Albert Ramdin (à esquerda) foi eleito Secretário-Geral da OEA. Ao seu lado direit, Luis Almagro.

Claver-Carone estava mal informado ou tentando desinformar: Ramdin opõe-se às sanções impostas por Washington e defende o diálogo com o governo venezuelano. Muito diferente de Ramírez.

O ativismo internacional de Lula tem como objetivo promover uma resposta multilateral à ofensiva tarifária de Trump. No final de março, viajou ao Japão para buscar apoio a um acordo alfandegário proposto entre esse país e o bloco do MERCOSUL, formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

A abordagem coletiva proposta pelos governos progressistas da América Latina frente às tarifas excessivas contrasta com os acordos bilaterais impulsionados pelos Estados Unidos na região desde 2005, quando os presidentes progressistas latino-americanos desferiram um golpe letal contra o multilateralismo ao estilo estadunidense, a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), para desgosto do então presidente George W. Bush.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Aram Aharonian  Jornalista e comunicólogo uruguaio, é mestre em Integração. É também criador e fundador da Telesur, preside a Fundação para a Integração Latino-Americana (FILA) e dirige o Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

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