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Foto: Times Of Gaza / X

O genocídio em Gaza: pela memória dos que já não podem falar

Não temos o direito de assassinar duas vezes os mártires palestinos que resistem no maior campo de concentração a céu aberto do mundo
Amyra El Khalili
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

O saudoso amigo Gershon Knispel estava sempre a nos lembrar de uma frase clássica: “em uma guerra, a primeira [coisa] a ser assassinada, é a verdade”.

A família de Shireen Abu Akleh lutou por mais de seis meses por uma investigação na Justiça, que foi continuamente rejeitada, quando o governo Biden se recusou a responsabilizar Israel pelo seu assassinato. 

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Shireen Abu Akleh, uma proeminente jornalista palestino-americana da Al Jazeera, foi baleada na cabeça enquanto cobria um ataque das forças israelenses em Jenin, em transmissão simultânea, tal qual estamos agora assistindo ao genocídio palestino. 

Assistimos e denunciamos o assassinato de Shireen. Em resposta, ouvimos um sonoro “silêncio” na grande imprensa. Era como se a colega jornalista fosse “mais uma” periférica entre os pretos e pretas, pobres e miseráveis de ruas assassinados diariamente no Brasil, limitados às páginas policiais ou mencionados em algum programa de TV e rádio sensacionalista.

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Não foi em Gaza que Shireen foi assassinada. Shireen foi assassinada na Cisjordânia. Eu disse “assassinada”, porque jamais eu escreveria “morta”. 

Se eu escrever “morta”, estarei assassinando Shireen duas vezes. 

Não temos esse direito e nem seria digno com os palestinos e palestinas assassinar duas vezes nossos mártires, sejam eles e elas jornalistas, profissionais de saúde, professores, mulheres, crianças, idosos, doentes, mutilados e também, porque não, nossos heroicos combatentes da resistência que dão suas vidas para libertar o povo palestino do maior campo de concentração a céu aberto do planeta: a Faixa de Gaza. 

O que aconteceu em 7 de outubro não foi um ato terrorista do Hamas, como está a dizer toda a imprensa a serviço da propaganda sionista e seus correligionários, mas um “contra-ataque” da resistência em resposta a anos de ataques de Israel.

A jornalista Shireen Abu Akle foi reconhecida pelo povo palestino como o símbolo da mulher da resistência Palestina e homenageada no “Dia Internacional em Solidariedade aos Jornalistas Palestinos”, em 26 de fevereiro de 2022, assim como a Mãe Ibrahim Al-Nabulsi – a mãe do comandante “Leão de Nablus” – homenageada no Dia Internacional da Mulher em 2022.

Não era Gaza; era Cisjordânia, em 2022. Não era território administrado pelo Hamas, era território administrado pela Autoridade Nacional Palestina. Não era 7 de outubro. Não era um ataque dos terroristas do Hamas. 

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Shireen e Mãe Ibrahim Al-Nabulsi foram reconhecidas pelo povo palestino como as representantes da coragem e determinação das mulheres palestinas em posição de combate com o espírito Sumud – que significa perseverança e persistência.

Repetir-se à exaustão que “7 de outubro” foi um ataque terrorista perpetrado por um grupo terrorista, o Hamas, equiparando, em gênero, número e grau, o Hamas ao ISIS – os terroristas do Estado Islâmico – sem que nos seja dado o direito de resposta na imprensa às fraudes, fake news, calúnias e mentiras, muitas das quais já foram desmentidas pela imprensa israelense e pelo depoimento de testemunhas, dentre elas até mesmo generais israelenses, é também um duplo assassinato contra todos os mártires deste genocídio.

O que aconteceu em 7 de outubro não foi um ato terrorista do Hamas, como está a dizer toda a imprensa a serviço da propaganda sionista e seus correligionários, mas um “contra-ataque” da resistência em resposta a anos de ataques de Israel. 

Após quase cinco meses, e com mais de 100 mil vítimas, somente agora, depois que Lula se posicionou clara e corretamente em defesa de nosso povo e de nossa justa causa, algumas frentes e lideranças começam a reconhecer o genocídio palestino, mas esse reconhecimento não é gratuito – cobra-se um pedágio. Como papagaios, esses que vivem em suas zonas de conforto, para dizer que Israel comete genocídio contra o povo palestino, ‘precisam’ antes enfatizar, e repetir à exaustão, que a ação de Israel foi uma justa reação ao terrorismo do Hamas.

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Observem o que escreveu o Dr. M. Reza Behnam:

“É desejo e direito de todas as pessoas subjugadas libertarem-se e serem donas do seu próprio destino, mesmo que essa liberdade exija luta armada. É neste contexto que os acontecimentos de 7 de outubro de 2023 devem ser entendidos. A violência daquele dia não surgiu do vazio; foi gerada por décadas de injustiça e pelo desejo de Israel, dos Estados Unidos e dos seus aliados fazerem desaparecer os palestinos”.

Isto posto, fazemos um apelo:

Não permitam que a verdade seja assassinada, porque seria assassiná-la mais uma vez, reproduzindo a dor e o desespero eternos em cada um de nós e nas memórias dos que tombaram em combate, sejam, eles e elas, civis inocentes ou combatentes membros da resistência. 

Repetir uma mentira para justificar uma verdade seria imoral e desonesto demais com nossa alma e consciência.

Viva a resistência Palestina!

* Fala proferida no “Ato contra o massacre de Jornalistas em Gaza! ”, 27 de fevereiro de 2023, no Auditório Vladimir Herzog, sede do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo – SJSP.

Edição de texto: Alexandre Rocha


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Amyra El Khalili Beduína palestino-brasileira da linhagem de Saladino e do Sheik Mohamed El Khalili e professora economista, editora das redes Movimento Mulheres pela Paz na Palestina e Aliança RECOs – Aliança de Redes de Cooperação Comunitária desde o Sul Global. É autora dos e-books “Commodities ambientais em missão de paz” e “A construção coletiva de um projeto de vidas – novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe”, Editora Docas da Livraria. CNPq - http://lattes.cnpq.br/4833702809090692

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