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Mariátegui propôs a tarefa da Revolução Socialista como caminho histórico e proclamou o papel da Classe Operária como a principal força de combate (Imagem: Flickr)

O guia de um mundo a nascer: Mariátegui e a urgência da luta no combate ao capitalismo

Entre as várias lições deixadas por Mariátegui, merece destaque sua lealdade à causa do socialismo e a defesa de que, para vencer o capitalismo, é preciso partir do pensamento à luta concreta

Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Em 16 de abril de 1930, passou à imortalidade José Carlos Mariátegui La Chira, o peruano mais valioso do século 20 e o Primeiro Marxista de nosso continente. A nova luz da América”, “O protótipo do novo homem americano”, foi como o definiu Henri Barbusse em seu momento, que o considerou uma das personalidades mais destacadas de seu tempo.

Pensador, ideólogo, ensaísta, político, jornalista, combatente social, foi um homem universal. Em todo caso, o mais universal dos peruanos de nossa época. Para dizê-lo com palavras de Waldo Frank, Mariátegui “é um homem intacto”.

Talvez por isso se tenha escrito tanto sobre ele, estudado e estimado sua obra. E é que, como afirmou o poeta chileno Pablo Neruda, “sobre Mariátegui, seguirá cantando o mar”. A lembrança que se tem de sua imagem parece infinita.

Como é usual, ao evocar a trajetória vital do autor dos “7 Ensaios…”, pode-se aludir a três etapas bem definidas: seu processo de formação, desenvolvido desde seus primeiros ensaios literários até 1919; sua estada no velho continente — entre 1919 e 1923 — caracterizada por valiosas experiências estudadas e vividas; e seus “anos cume” — como os denominou Jorge Del Prado — registrados de 1923 até 1930, ano de sua partida. Neles, José Carlos concretizou o sentido de sua vida e delineou a substância de sua mensagem, sua contribuição criadora.

Alguns episódios devem ser destacados em sua primeira etapa. Como se recorda, em janeiro de 1918, “enojado da política crioula”, Mariátegui encaminhou-se resolutamente ao socialismo. Como pano de fundo dessa decisão fundamental esteve, certamente, a Grande Revolução Russa de outubro de 17, conduzida por Lenin e liderada pelos bolcheviques, cuja bandeira foi o ideal socialista.

Percebido pela rançosa oligarquia da época como o representante mais definido dos “bolcheviques peruanos”, nunca rejeitou essa filiação, embora se declarasse “mais peruano que bolchevique” como forma de sublinhar seu olhar próprio sobre o fenômeno universal que o convocava.

O Amauta, mais urgente do que nunca no Peru

Foi em função dessa linha que o jovem jornalista se somou à luta dos trabalhadores e saudou a Jornada de 8 Horas, de janeiro de 1919; assessorou organizações sindicais e fundou o diário La Razón, antessala de criações maiores.

Adoecido e certamente perseguido pela classe dominante, teve que partir para o velho continente em outubro de 1919, com a ideia de fazer ali sua própria experiência. Iniciou assim uma nova etapa, na qual consolidou convicções e delineou sua personalidade, dotando-a de elevados objetivos humanos.

Uma diversidade de fenômenos pôde ser percebida por José Carlos a partir de sua chegada além-mar: a crise da dominação capitalista traduzida em cidades destruídas, aldeias incendiadas, povoações arruinadas, miséria disseminada e longas filas de desempregados; em outras palavras, o mundo do pós-guerra.

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Ao mesmo tempo, o ascenso dos trabalhadores, encorajados pela Revolução Russa, deu lugar à tempestuosa Onda Revolucionária dos anos 1920, com expressões heroicas como a República Húngara dos Conselhos, a República Soviética da Baviera, a insurreição da Eslováquia, e até a Revolução Alemã com o sacrifício de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo; além de grandes greves operárias nos Estados Unidos, na Índia, no Egito e em outros países.

Somado a isso, o surgimento de grandes Partidos Comunistas na Europa Ocidental, como o francês, após o Congresso de Tours em 1920; e o italiano, após Livorno, em janeiro de 1921 — certame que contou com a presença de Mariátegui, ocasião em que o Amauta confraternizou com destacadas figuras da Revolução Mundial, como o búlgaro Georgi Dimitrov e os italianos Palmiro Togliatti e Antonio Gramsci.

Unido a esse fenômeno, o surgimento do fascismo, como ferramenta para enfrentar a rebelião dos povos. O almirante Horthy, na Hungria; Tzankov, na Bulgária; Antonescu, na Romênia; e Mussolini, na Itália, surgiram como os defensores mais sórdidos do Grande Capital e a última carta do sistema de dominação vigente.

Para abordar e compreender esses cenários, Mariátegui estudou fenômenos e experiências políticas, mas demonstrou especial interesse pelos temas da cultura e da arte.

Mariátegui soube sempre se erguer acima da adversidade, consciente de que, além das palavras, estava a ação (Imagem: Flickr)

Vinculou-se a personalidades muito destacadas, como o próprio Gramsci, Piero Gobetti, Benedetto Croce, Luigi Pirandello, Máximo Gorki e Henri Barbusse. Com eles, analisou o processo social, as transformações da época, o fracasso da sociedade vigente e as novas perspectivas que a história abria para os povos e as nações.

Também com eles, assumiu que a vida, “mais do que pensamento, quer ser ação; isto é, combate”. E a combater retornou, em 17 de março de 1923, quando reafirmou seu compromisso com o processo peruano.

Seus livros de então — “La escena contemporânea” e os “7 Ensaios” —, além dos que deixou concluídos e foram publicados posteriormente; a inigualável revista Amauta, a edição de “Labor”, a fundação da ferramenta política criada em 1928 com o nome de Partido Socialista, o consagraram, como disse Julio Antonio Mella, “como o orientador de um mundo por nascer”.

Hoje, cabe recordar a Declaração de Princípios do partido fundado em 7 de outubro de 1928. Ela o situa no marco de uma sociedade capitalista e em luta contra ela; propõe a tarefa da Revolução Socialista como caminho histórico; proclama o papel da Classe Operária como a principal força de combate; assinala o ideal socialista como objetivo e aponta o Marxismo-Leninismo como sua ferramenta teórica e política fundamental.

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De Mariátegui, poderíamos aprender muitíssimo, mas devemos valorizar, sobretudo, sua lealdade à causa do socialismo e sua coerência na luta concreta: “Minha visão da época — nos disse — não é bastante objetiva, nem bastante anastigmática. Não sou um espectador indiferente do drama humano. Sou, pelo contrário, um homem com uma filiação e uma fé”.

O Amauta não teve uma vida tranquila. Foi assediado, perseguido e encarcerado. Atacado, vilipendiado e agredido. Mas soube sempre se erguer acima da adversidade, consciente de que, além das palavras, estava a ação — aquela que haveria de colocá-lo entre os maiores do pensamento humano.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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