John Bolton fez umas extraordinárias declarações nas quais afirmou que a atual administração do Estados Unidos se guia pelos princípios da “Doutrina Monroe” em suas políticas para a América Latina, que incluem uma mudança de regime na Venezuela, na Nicarágua e em Cuba.
Do ponto de vista ideológico, estas afirmações resumem a base teórica do “giro à direita” que foi começado pela administração Obama trocando governos sul-americanos quando os governos de esquerda tratavam de defender sua soberania e ser autônomos, e os Estados Unidos respondiam instalando governos de direita dependentes (como ocorreu em Honduras com Hillary Clinton à frente do Departamento de Estado).
O motivo destes movimentos está evidentemente ligado ao fato de que um giro à esquerda ameaça a posição dos Estados Unidos na região e pode chegar a criar para a China uma plataforma para estender sua influência (com investimentos financeiros e de infraestrutura, cooperação técnico-militar, a malograda estação espacial na Argentina, o canal da Nicarágua, etc.) no que os Estados Unidos chamam de seu “quintal”. As mudanças de regime são vistas como uma forma de acabar com tendência anti-estadunidenses.
No entanto, a administração Obama evitou a todo custo qualquer associação com a “Doutrina Monroe”, pois defendia uma agenda neoliberal de intervencionismo em todo o planeta, não apenas em um continente.
Na época de Trump, as coisas mudaram drasticamente: A África se converteu em um campo de luta pelas esferas de influência em que ativamente participam China e Rússia. Os Estados Unidos sofreram uma dura derrota no Oriente Médio e perderam o controle completo da região. No Extremo Oriente, a República Popular da Coreia conseguiu desenvolver armas nucleares e a China mostra cada vez mais o desejo de que mude o status quo. Objetivamente, os Estados Unidos não podem controlar tudo, e é por isso que se fala do sistemático enfraquecimento de sua influência em escala global.
Informe Policial
John Bolton
A ideia agora é recuperar posições no hemisfério ocidental, e as referências à Doutrina Monroe são um passo para o reconhecimento de novas realidades nas quais a hegemonia absoluta parece fora de lugar, mas o desejo de se consolidar na sua “esfera de influência natural” traz de volta o “velho imperialismo”, esse que há não tanto tempo a propaganda neoliberal apresentava como um fenômeno defasado inventado por Marx e Lenin. Agora, os Estados Unidos não se envergonham dessa “volta ao passado” na qual a administração da Casa Branca fala abertamente da necessidade de controlar a América Latina como já o fizera nos séculos XIX e XX. Os principais objetivos do “programa” incluirão:
1. Eliminar qualquer influência econômica ou política de qualquer sujeito que se oponha aos Estados Unidos, principalmente China e Rússia.
2. Substituir os governos independentes e fora do controle de Washington na Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia.
3. Obstaculizar ao máximo o projeto do canal da Nicarágua. O canal do Panamá deve preservar o monopólio dos Estados Unidos no transporte direto entre o Caribe e o Oceano Pacífico.
4. Liquidar os efeitos do “giro à esquerda” e manter a situação atual em países chaves da América Latina para garantir a continuidade a longo prazo do atual giro à direita, que se vê como algo necessário para promover os interesses dos Estados Unidos.
5. Eliminar a presença militar chinesa na Argentina e bloquear a cooperação a técnico-militar da China e da Rússia com os países da região, o que inclui garantir os interesses da indústria militar estadunidense; por exemplo, que a Argentina compre armas estadunidenses e não chinesas.
6. Evitar uma situação na qual territórios como a Venezuela ou Cuba possam ser utilizados para o lançamento de bombardeios estratégicos ou mísseis russos com capacidade nuclear, especialmente se for tomada a decisão de lançar novos mísseis no leste da Europa.
7. Conseguir o controle sobre o petróleo da Venezuela permitiria a Estados Unidos ter mais influência sobre o mercado e preços e acrescentaria mais pressão aos seus oponentes: China, Rússia e Irã.
8. Garantir os interesses das multinacionais estadunidenses que seriam compensadas pelos efeitos das nacionalizações do “giro à esquerda” e reforçariam seu domínio na América Latina.
Conseguir com êxito estes objetivos desde o ponto de vista da “Doutrina Monroe 2.0” permitiria aos Estados Unidos demonstrar um sucesso estratégico sério depois de uma série de revezes na Eurásia e demonstrar que, embora sua hegemonia tenha enfraquecido, não se pode dizer que vá desaparecer em um futuro próximo.
Por isso é importante o que está acontecendo na Venezuela. A questão não é só a mudança de regime em um país, mas é também uma prova da capacidade dos Estados Unidos de mudar à vontade os governos no seu “quintal”, no contexto de um enfraquecimento da sua influência no mundo.
Se os Estados Unidos tiverem êxito, pode-se esperar um aumento da pressão sobre Cuba e Nicarágua, e inclusive tentativas de aplicar o modelo da Venezuela em outras regiões nas quais pretendam lançar uma contraofensiva às posições da China e da Rússia (na Eurásia e na África).
A insistência da China e da Rússia na questão venezuelana não se trata apenas da defesa de Maduro e da Venezuela, mas sim compreender um simples fato: o que está ocorrendo na Venezuela, de uma maneira ou de outra, terá implicações no nível global tanto para a América Latina como para a hegemonia global dos Estado Unidos em geral.
Tradução: Beatriz Cannabrava