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O que falta para esquerda enfrentar as redes da direita nas eleições? Tecnologia ou Ideologia?

Eduardo Schmidt, engenheiro especializado em Comunicações, fala sobre a necessidade de ir além da via institucional para enfrentar as fake news
Caio Teixeira
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Surpreendentes vitórias eleitorais de candidatos artificiais com propostas econômicas ultraliberais e discursos de extrema-direita, movidos por algoritmos e máquinas de disparos em massa de mensagens pelas redes sociais, são a novidade mais recente do modelo de democracias ocidentais. Partidos políticos tradicionais tanto de esquerda quanto de direita têm experimentado derrotas nas urnas e, mesmo quando conseguem conquistar o governo, amargam derrotas nos legislativos que os tornam impotentes para promover mudanças profundas, como é o caso do Brasil. A via institucional tem se mostrado pouco eficaz para enfrentar as fábricas de fake news que atacam setores despolitizados e desorganizados da sociedade criando situações inusitadas como as eleições de Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil ou o Brexit no Reino Unido. Há poucas semanas um bilionário, obviamente de direita, que sequer figurava entre os favoritos nas pesquisas, se elegeu presidente do Equador derrotando a candidata progressista. Na Argentina um candidato anacrônico, para dizer o mínimo, que afirma receber orientações de seu cachorro morto e pretende, se eleito, fechar o Banco Central, disputará com chances reais o segundo turno das eleições presidenciais no próximo dia 19. Critica-se a falta de capacidade da esquerda em entender e dominar as novas tecnologias de comunicação e informação, o que é visível, mas será só tecnologia o que falta para os partidos atuais e as frentes “progressistas” na América Latina e no mundo? Será que a Argentina vai experimentar o seu Bolsonaro? Para tentar entender esse complicado momento o ComunicaSul conversou com o pesquisador argentino Eduardo Schmidt, Engenheiro especializado em Comunicações, pesquisador da Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas – Fisyp e professor em diversos cursos de pós-graduação em Tecnologia de Comunicações no pais vizinho. “Podemos dominar as redes sociais e vamos fazê-lo, mas para dizer o que?”, questiona ele nesta entrevista exclusiva.

*   *   *

COMUNICASUL- Começemos pelo posicionamento do ultradireitista Javier Milei nas pesquisas que o colocam à frente do peronista Massa de forma inesperada já que ele venceu o primeiro turno com vários pontos a frente. Acreditas que isso pode estar ligado aos disparos em massa de mensagens pelas redes sociais, como se viu no Brasil com Bolsonaro, com Trump nos Estados Unidos e outros?

EDUARDO SHMIDT- Na Argentina parece ser um fenômeno novo a utilização das novas tecnologias das redes sociais, plataformas, etc. Nos perguntamos como é possível que, há dois anos, um personagem que era um simples apresentador de televisão, praticamente criou um partido virtual, porque este é um partido político virtual, através de mensagens no Instagram, nas redes, e está no segundo turno de uma eleição presidencial. Milei fez uma campanha eleitoral sem cartazes nas ruas, sem mobilizações. O que vimos na Argentina é novo, mas estas atividades vêm se intensificando por parte da direita em geral, como o caso de Bolsonaro e até alguns outros de avanço da extrema-direita também na Europa. Temos que aprofundar o debate sobre o porquê disto estar acontecendo e me parece que deveríamos analisar algumas premissas básicas. Estamos no meio de uma crise global do capitalismo e dentro do sistema capitalista não há alternativas reais para sair desta crise. Penso que existe um certo consenso sobre isto. Só apresentam velhas receitas, com a insistência de que, para resolver a crise, é necessário um governo mais forte e mais totalitário, ou seja, com repressão. É isto em princípio o que vemos na crise do capitalismo, mas o problema é que diante dela há uma crise na proposição de reais alternativas para superá-lo.

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CS- Diante desse cenário, gostaria de voltar um pouco ao uso das novas tecnologias como forma de influenciar ou até de criar opinião pública. Estávamos acostumados com o grande poder da televisão, mas algo mudou. No Brasil, Bolsonaro quase não apareceu na televisão e ganhou. Venceu uma eleição e não há dúvidas de que estas novas tecnologias tiveram grande influência. A televisão ainda tem esse poder na Argentina? Ou tudo está mudando para uma comunicação que não se vê nem se pode medir como se fazia com os meios tradicionais? A recente vitória de do bilionário Daniel Noboa no Equador foi uma surpresa. Para nós, jornalistas, que estávamos lá trabalhando, parecia que Luísa estava muito bem, que ia ganhar as eleições, porque se saiu muito bem no debate e as pesquisas indicavam firme tendência a seu favor, enquanto Noboa sequer estava entre os primeiros nas pesquisas antes das eleições. Não se viam cartazes dele nas ruas e mesmo assim venceu. Isso nos faz pensar no trabalho subterrâneo das redes sociais e seus algoritmos. Em que fase se encontra a Argentina neste processo de mudança comunicacional? Poderá ser uma primeira experiência de sucesso das novas tecnologias na eleição de um presidente?

ES- É provável. Pergunto: como é possível que alguém, mesmo com as barbaridades que propõe, esteja nesta posição? Ele é candidato a Presidente de um momento para o outro? Há pouco tempo Milei praticamente não existia. Penso que a televisão ainda tem algum peso em certos setores da população, mas os jovens não vêem televisão. Isso é bom. A juventude em geral se comunica e acessa informações através das redes sociais. Há sempre alguma parte deles que vê televisão, mas a maioria não. Acho que o caso da Argentina não está muito longe dos casos que mencionaste, tanto no Equador como no Brasil. Em suma, é uma situação nova e temos de reconhecer que ainda há uma certa tendência nos setores populares e na esquerda em geral, para subestimar o efeito das novas tecnologias. Ao mesmo tempo, somos bombardeados todos os dias com mensagens vindas do outro lado, dos meios de comunicação hegemônicos, da imprensa, da televisão. Eles têm as redes e nós alimentamos uma tendência de olhar para o outro lado, como se estivéssemos ocupados e não quiséssemos ver o que está acontecendo. Agora nos perguntamos como é possível que um personagem com uma motosserra na mão, possa ser seguido por milhões e alcançar os resultados que está alcançando com o discurso contra a “casta política”? Um dos fatores é a subestimação da utilização e do efeito das tecnologias que é ainda uma tendência, apesar de o povo sempre ter a alternativa de sair à rua e, claro, as mobilizações populares continuam sendo essenciais na luta de resistência. Isso é claro, mas hoje não é suficiente.

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“Podemos ter redes como eles têm, vamos acabar nos incorporando a elas, mas para dizer o que?”

As mobilizações não são acompanhadas pelo uso das novas tecnologias como ferramenta política. Não quero com isto dizer que só se deva usar as redes, mas é preciso reconhecer que as redes são hoje uma ferramenta política muito, muito poderosa, e isso é fundamental. Por outro lado, acho que precisamos aprofundar um debate sobre qual é a nossa crise em relação às alternativas. Porque que podemos ter redes como eles têm, vamos acabar nos incorporando a elas, mas para dizer o que? Não temos uma estratégia sobre o que vamos comunicar. Além disso cada rede tem a sua particularidade. O Instagram tem uma forma de comunicar. O TikTok tem outra, o Facebook outra. Cada rede social tem a sua particularidade e estamos falando sobre como enviar a mensagem. Nossa crise, no entanto, é saber qual a nossa mensagem, a nossa proposta. Não basta denunciar e criticar o sistema capitalista, mas agir como se não houvesse alternativa. Acredito que há alternativa.

CS – E é a mesma de sempre.

ES- No século XXI surgiram novos movimentos que não existiam no século XX, por exemplo, os grandes movimentos feministas, os movimentos para a crise ambiental, os movimentos para a soberania alimentar, para o direito à terra. No Brasil vocês têm o MST, que é um grande exemplo para todos nós. Mas ainda são exemplos, onde cada setor resiste pela sua questão específica. O que nos falta é uma síntese que permita agrupar todas essas lutas numa convergência política capaz de construir uma força alternativa ao sistema capitalista. Este é o déficit que ainda temos e sobre o qual entendo que precisamos trabalhar. Ainda não temos a tecnologia nas nossas mãos. Mas quando começarmos a tê-la precisamos ter certeza de qual é a mensagem que vamos passar.

CS- Pelo que dizes, podemos estar diante de uma crise de direção das organizações, dos partidos de esquerda, dos sindicatos e movimentos sociais? Uma crise ideológica já que não se fala mais em Revolução, nem em superar o capitalismo? As direções já não dialogam sobre isso com a base da sociedade, com os trabalhadores, com o povo. Há uma crise ideológica na maioria das organizações de esquerda, como se elas estivessem convencidas de que tudo mudou, que falar de socialismo é coisa do passado. Concordas com esta avaliação?

ES- Sim, concordo. Mas vamos falar do passado também. Milei, na Argentina, defende abertamente a Escola Austríaca de Economia Política, que remonta ao século XIX. Século XIX. Ele diz que os keynesianos são os comunistas, desprezando aqueles que criaram a ideia de comunismo. A proposta de Keynes surgiu nas primeiras décadas do século XX como uma forma de implantar o que se chama Estado de bem-estar social que foi, no primeiro momento, a solução alternativa para deter o avanço da Revolução Russa e os processos de avanço do comunismo no mundo. Resgatar o passado é importante. Em suma, Keynes defende a propriedade privada. E eu me pergunto porque é que nós, da esquerda, não retomamos a luta contra a propriedade privada, não contra qualquer propriedade privada, mas contra a propriedade privada dos grandes meios de produção, das grandes multinacionais.

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Eduardo Schmidt, engenheiro especializado em Comunicações, fala sobre a necessidade de ir além da via institucional para enfrentar as fake news

Foto: ComunicaSul
Eduardo Schmidt: "Temos que investigar de onde vem a mensagem que circula pelos meios de comunicação"

“Os partidos políticos também estão em crise e é por isso que movimentos sociais, movimentos territoriais, vem surgindo há várias décadas”

Quando eu falo de síntese falo de avançar nesse sentido por um lado e, por outro, numa outra forma de construção política. Eu acho que o conceito de partidos tradicionais, o conceito de representação política também deveria avançar para um conceito de participação popular. Os partidos políticos também estão em crise e é por isso que aquilo que chamamos movimentos sociais, movimentos territoriais, vem surgindo há várias décadas. Voltando à pergunta, sim, nas direções e nas lideranças dos diferentes movimentos sociais territoriais há diferentes visões sobre a forma de abordar a luta, mas, se formos um pouco mais fundo, as diferenças entre um setor e outro não são assim tão profundas. No fundo, falta uma síntese que questione claramente o capitalismo e avance numa alternativa. Penso que há pelo menos duas décadas este é o debate que tem de ser feito e que está sendo feito.

CS- Não lhe parece que precisamos aprofundar ainda mais esse debate senão ficamos com a pauta proposta pela direita, numa discussão superficial que não aborda a questão fundamental, da propriedade dos grandes meios de produção? Não parece que as nossas organizações esquecem este ponto fundamental e ficam na superfície do debate, exatamente onde a direita quer ficar para evitar o debate profundo? O discurso de Bolsonaro, Trump e Milei é antissistema, que critica a forma como a política tradicional está organizada e nisso se assemelham a uma abordagem revolucionária. Não é difícil convencer os jovens de que tudo está mal porque está mal mesmo e fica fácil conquistar seus corações, rebeldes por natureza. É o que fazem Milei, ou o bolsonarismo. Muitos jovens seguem esse discurso, mas com um desejo real de mudança. Como nós à esquerda não apresentamos uma proposta palpável para mudar, a direita ocupa esse espaço. Seria algo assim?

ES- Na verdade, quando Milei fala contra a “casta política”, ele está pegando bandeiras da esquerda. Sempre defendemos essa bandeira, não com a palavra “casta”, mas contra a burguesia, contra as direções burguesas dos governos dos Estados. A direita se apropria disso e obviamente acrescenta o seu conteúdo, porque quando fala de “casta” fala dos políticos como inimigos, mas nunca fala da casta mais importante, que são as grandes corporações. A verdadeira casta é o poder econômico que no fundo controla os líderes políticos que implementam as políticas determinadas por eles. No que diz respeito aos jovens – aqui também há um debate na Argentina – o governo diz: cuidado que o Milei vai tirar os seus direitos. Mas a maioria dos jovens, não têm direitos. Os direitos tradicionalmente adquiridos pelas lutas são os direitos de um setor de trabalhadores, aqueles que trabalham nas empresas, como empregados. Os jovens não têm esses direitos. Há toda uma transformação nas relações de trabalho, produto do avanço do neoliberalismo nos últimos 50 anos, que deixou milhões de trabalhadores em situação precária. Então os jovens não têm os mesmos direitos que outros trabalhadores ainda têm e a direita se aproxima deles no seu discurso.
Mas me preocupa que nós, à esquerda, não estamos analisando a realidade na dimensão certa, os setores populares em geral não estão analisando na dimensão certa.

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“O governo diz: cuidado que o Milei vai tirar os seus direitos. Mas a maioria dos jovens, não têm direitos”

Penso que temos de assumir que estamos numa guerra de comunicação! Tenho aqui um pronunciamento da chefe do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson de duas ou três semanas atrás. Ela disse, textualmente, que a RT en español e a Telesur não praticam jornalismo. Ela disse que na América Latina temos mais de 30 milhões de seguidores da Sputnik Mundo, da RT en español e da Telesur que atacam as democracias em todo o hemisfério e temos de fazer melhor do que isso, diz ela. Temos que fazer algo na região que seja muito específico, que promova as democracias e mostre como as democracias beneficiam as pessoas. Isto é o que diz a chefe do Comando Sul, ou seja, uma chefe militar, não um intelectual orgânico de direita. Não é dito por um jornalista ligado à Rede Globo ou ao Clarín. É dito pela chefe do Comando Militar dos EUA. Então, precisamos assumir que é uma guerra comunicacional, porque todos os dias eles estão atirando em nós com mísseis comunicacionais, todos os dias eles nos bombardeiam e nós não temos ferramentas eficientes para nos defender, não temos o que fazer. Por vezes, tentamos responder com uma arma de brinquedo. Estamos sempre à mercê da agenda de comunicação que eles pautam, não da nossa. Mesmo que não concordemos com o que eles dizem, somos obrigados a falar sobre o que eles querem que falemos. Eles colocam a sua agenda e dizem o que está em disputa nesta guerra de comunicação.

CS- Na América Latina, na Argentina, no Brasil, há muitos meios de comunicação que comprovam a preocupação da chefe militar dos EUA com a Telesur, com o Sputnik e com a mídia independente. Isso só comprova que estamos indo por bom caminho. Se os EUA não gostam, certamente é bom para nós.

ES- Exatamente. Ou seja, não é que não tenhamos feito nada. Há toda uma trajetória de comunicação alternativa. O que eu acho é que para um órgão de comunicação social se tornar realmente alternativo, tem de haver uma proposta clara de alternativa. Volto à questão da crise: temos de fazer propostas claras. É claro que isso vem da resistência, mas temos de começar a propor uma estratégia para sair da resistência e passar à ofensiva. É aí que está o nosso debate.

CS- A Argentina tem uma Lei de Meios de Comunicação muito boa que foi um exemplo para todos nós, como foram neste tema a Venezuela, o Equador, a Bolívia e outros países. Mas a Argentina tinha uma Lei de Meios muito boa. Ela não foi suficiente para promover mudanças? Ou será que nós, na esquerda, não aproveitamos o espaço criado?

ES- Olhando para a lei, de fato a Lei de Meios foi uma das decisões políticas mais interessantes tomadas pelo governo kirschnerista, se quiser. Foi um processo de pelo menos 20 anos de debates, que se converteu na Lei de Meios. O debate sobre o direito à comunicação e o questionamento dos meios de comunicação hegemônicos na Argentina já dura há pelo menos 20 anos. Começou nos círculos acadêmicos, depois expandiu-se para os setores sindicais. Penso que o valor mais interessante da Lei de Meios não é a lei em si, que é importante, mas todo o processo até à aprovação da lei ter conseguido trazer a discussão sobre o papel dos meios de comunicação para a sociedade argentina. Isto é importante, porque hoje na Argentina toda a gente desconfia do que é dito ou questionado nos meios de comunicação social. O problema é que a lei foi aprovada, mas depois não houve uma iniciativa política para enfrentar as pressões iniciais do grupo dos meios de comunicação hegemônicos. Não houve iniciativa política para avançar e quando o governo de Macri chegou, anulou-a por decreto. O atual governo não se preocupou em recuperar todos os princípios dessa lei, que favoreceu muito o debate. Se tivesse sido implementada, teria dado muito para implementar as propostas, por exemplo, dos veículos alternativos. Isso vai requerer um outro processo de mobilização e participação popular que eu ainda não vislumbro.

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CS- Não lhe parece que precisamos voltar aos velhos métodos de debate político olho no olho? Voltarem os sindicatos e outras organizações a falar diretamente com as pessoas e não apenas através de redes sociais que são aparatos do capital, não nosso? Todas as redes sociais pertencem e são comandadas pelo capital. Parece que caímos numa armadilha e passamos a acreditar que as redes sociais são a nova e definitiva realidade e que todas as outras coisas são passado. Essa nova realidade é muito boa para o capital, não para nós trabalhadores. Acreditas que precisamos recuperar a nossa tradição de como fazer as coisas?

ES- Concordo plenamente. Pessoal ou coletiva, a comunicação cara a cara é a essência, eu diria a mais importante, que deve ser preservada. Deve também ser recuperada. Isso é indiscutível, mas penso que, como disse, as tecnologias estão nas mãos dos setores do capital, mas sempre foi assim. Quando a Internet não existia, também era assim. Quando não havia rádio e televisão, sempre foi assim e sempre utilizamos esses meios. Precisamos avançar na compreensão de como funciona o atual mecanismo de redes sociais. De um lado há quem defenda que os meios de comunicação não decidem uma eleição. Há quem defenda que não tem influência. Eu acho que tem um impacto. Não para definir a eleição, mas a importância do mecanismo das redes é que elas trabalham em grupos de afinidade já existentes, como os grupos religiosos, onde sabem trabalhar muito bem e em todas as plataformas. Pessoas têm seus gostos particulares e as redes funcionam em função disso, porque os algoritmos que definem o seu funcionamento têm esse objetivo, com base num critério que é puramente mercantil. Sobretudo redes funcionam com base na detecção dos gostos ou desejos de determinados grupos de pessoas com finalidade publicitária, comercial. Este mesmo mecanismo está agora sendo utilizado para a política e este é um ponto que temos de começar a estudar bem e começar a trabalhar.  Veja as equipes de trolls que entram nos debates para tumultuar. Penso que temos de criar também nossas equipes de trabalho. Não para repetir os mesmos vícios deles, mas para encorajar outro tipo de comunicação que seja mais solidária, mais coletiva, mais participativa. Temos de utilizar estas ferramentas, porque elas também eram utilizadas antes da Internet. Nunca deixamos de utilizar a imprensa, o rádio.

CS- Mao fez a revolução na China com apoio de uma rádio poderosa revolucionária que existe até hoje e é tratada como segurança nacional.

ES- Sim, a rádio rebelde, a Sierra Maestra [Cuba] também. É evidente que se trata precisamente de iniciativas tecnológicas criadas pelas potências hegemônicas. Sempre foi assim, desde a invenção da imprensa, a primeira coisa que se difundiu foram os textos bíblicos, religiosos. Mas isso permitiu depois que, ao longo do tempo, setores científicos começassem a debater, sectores artísticos, começassem a questionar o próprio poder da Igreja e essa discussão foi assumida pela sociedade em geral. Agora é uma situação semelhante. No nosso debate, penso que também temos de nos apropriar disso [as redes]. Mas qual é a nossa estratégia com essa apropriação? Certamente, nós é que vamos decidir, propor. Esta é a questão com certeza.

Mais uma coisa para terminar. Temos que investigar de onde vem a mensagem que circula pelos meios de comunicação, porque me parece que, por exemplo, se vê no mesmo dia, em diferentes canais de televisão, o mesmo discurso de diferentes jornalistas, até com as mesmas palavras. E eu pergunto: quem é que fornece isso? De onde é que esse discurso vem? Dos chefes de redação dos grandes jornais Clarín, La Nación, na Argentina? Eles pegam nessa mensagem e é o tema do dia e são eles que marcam a agenda, são a imprensa escrita que hoje se mistura entre si e também com as redes que estão começando a se envolver nestas mensagens de tal forma que hoje canais de televisão repetem o que sai no Twitter ou no que as redes dizem no Facebook sobre isto ou aquilo. Estão se misturando. Portanto, é isso que temos de enfrentar como parte desta guerra de comunicação. Mas temos que nos envolver, desenvolver uma estratégia de comunicação mais séria, mais eficiente.

Caio Teixeira | ComunicaSul



As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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