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ToggleVárias cidades da Ucrânia sofreram na madrugada da última quinta-feira (24) um dos mais intensos ataques dos meses recentes, com não menos de 70 mísseis e 145 drones com explosivos, que – segundo dados das autoridades ucranianas – causaram, apenas em Kiev, 12 mortos e mais de 90 feridos, sem contar numerosos danos em edifícios residenciais, comércios, veículos, garagens e outras instalações civis.
O comando militar russo, em seu boletim de guerra diário, confirmou o ataque “massivo” e “com armamento de longo alcance e alta precisão”, assegurando que destruiu exclusivamente “alvos militares”, entre os quais enumerou empresas de aviação e produção de mísseis, fábricas de tanques, depósitos de munições e combustível.
De acordo com a força aérea da Ucrânia, a Rússia utilizou nesse ataque 11 mísseis balísticos Iskander-M, 37 mísseis de cruzeiro KH-101, 6 mísseis de cruzeiro Iskander-K, 12 mísseis de cruzeiro de base marítima Kalibr, 4 mísseis aéreos guiados KH-59 e KH-69, assim como 145 aeronaves não tripuladas com explosivos.
Do total de 70 mísseis, a Ucrânia reconheceu que conseguiu derrubar apenas 48, devido à falta de sistemas de defesa antiaérea, como o estadunidense Patriot, e de projéteis para estes.
Além de Kiev, a Rússia atacou também, nesta ocasião, Kharkiv, Dnipró, Zhitomir, Zaporíjia e Jmelnitsky.
O Kremlin recebeu ainda na quinta-feira uma das mais duras críticas de onde menos esperava: da boca do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que na quarta-feira criticou Zelensky por negar ceder territórios à Rússia.
“Não estou contente com os ataques russos contra Kiev. Não são necessários e o momento é muito ruim. Vladimir, DETENHA-SE! Cinco mil soldados morrem a cada semana. VAMOS FECHAR este acordo de paz”, escreveu Trump em sua rede social, Truth.
Depois, ao receber Jonas Gahr Støre, primeiro-ministro da Noruega, país que compartilha fronteira com a Rússia e apoia a Ucrânia, o inquilino da Casa Branca, segundo as agências de notícias, voltou a dizer que os ataques russos o incomodaram muito por ocorrerem em um momento tão delicado das negociações. Assegurou que não está do lado nem da Rússia, nem da Ucrânia, e que estipulou “um prazo próprio” para alcançar um entendimento que ponha fim à guerra e que deve ser logo.
“Não se imagina quanta pressão exerço, muita pressão sobre a Rússia, e a Rússia sabe disso”, disse Trump ao jornalista que, ao término de suas conversas com o hóspede norueguês, lhe perguntou até que ponto estava disposto a forçar o Kremlin a aceitar sua “oferta final” de cessar-fogo.
Também na semana passada, Trump informou que só faltava convencer Zelensky, mas, na realidade, tudo indica que também não está muito de acordo com todas as suas iniciativas o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Reunião trilateral
A reunião trilateral – Estados Unidos, Europa e Ucrânia – que seria realizada na última quarta-feira (23) em Londres, a nível de chanceleres, não se realizou. A iniciativa estadunidense pretendia colocar russos e ucranianos juntos na mesa de negociações para buscar um arranjo político, sob as condições do inquilino da Casa Branca, Donald Trump.
Na véspera, o mandatário da Ucrânia disse “não” a seu colega estadunidense, ao se recusar a ceder à Rússia a Crimeia e os territórios ocupados de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia – um dos supostos pilares do plano do governante republicano, Donald Trump –, o que levou o inquilino da Casa Branca a atacar Volodymir Zelensky ainda na quarta-feira, em uma mensagem na sua rede Truth Social.
Trump qualificou como “muito prejudicial” para eventuais negociações de paz a negativa de Zelensky em reconhecer a perda da península ocorrida “há muitos anos, nos tempos de Barack Hussein Obama”, e que agora “nem sequer é tema de discussão”.
“Declarações incendiárias como as de Zelensky tornam tão difícil pôr fim a esta guerra. A situação para a Ucrânia é dura. Ele (Zelensky) pode aceitar a paz ou lutar mais três anos antes de perder todo o país. Nada tenho em comum com a Rússia, mas me preocupa salvar os cinco mil soldados russos e ucranianos que, em média, morrem toda semana por nada”, afirmou Trump.
O fato de Zelensky ter afirmado que “é impossível ceder a Crimeia” porque a “Constituição o proíbe” causou mal-estar em Washington, a ponto de o secretário de Estado, Marco Rubio, alegando “problemas de agenda”, cancelar sua viagem à capital britânica, sendo seguido, com igual rejeição de última hora, por Steve Witkoff, enviado especial da Casa Branca, restando como figura mais importante dos EUA apenas Keith Kellogg, outro emissário de Trump.
Nessas condições, os chanceleres da Grã-Bretanha, França e Alemanha também desistiram de participar, razão pela qual a delegação ucraniana – liderada por Andriy Yermak, chefe do Gabinete da Presidência, e pelos ministros de Relações Exteriores, Andrii Sybiha, e da Defesa, Rustem Umerov – teve que se reunir separadamente com Kellogg e com funcionários de menor escalão dos países europeus.
“Continuamos (no segundo encontro, após o que houve em Paris) um diálogo profundo, visando alcançar uma paz justa e duradoura para a Ucrânia. Enfatizamos que apreciamos os esforços em favor da paz do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump”, informou Yermak através do Telegram na quarta-feira.
O chefe do Gabinete da Presidência, que ocupa a segunda posição na hierarquia ucraniana, depois de Zelensky, agradeceu “o apoio” dos “aliados” e sua “firme intenção de pôr fim à guerra o quanto antes”, além de culpar a Rússia de “rejeitar um cessar-fogo incondicional, o que apenas retarda o processo (de possível negociação) e manipula as tratativas”.
Por sua vez, Umerov (ministro da Defesa ucraniano) resumiu a entrevista com Kellogg com estas palavras: “Na minha opinião, o encontro foi muito produtivo e útil; conseguimos expor nossa posição consistente para alcançar um cessar-fogo, além de tratar de garantias de segurança”.
Sobre a cúpula, o porta-voz do Kremlin, Dimitri Peskov, afirmou: “Não estava prevista nenhuma cúpula (na capital britânica). Não sei do que estão falando. Uma cúpula é quando ocorrem encontros no mais alto nível (entre chefes de Estado); em Londres estava prevista apenas uma reunião de emissários dos Estados Unidos e da Ucrânia para que Washington pudesse prosseguir com seus esforços de mediação”.
“Até onde sabemos, por enquanto não foi possível aproximar posições em algumas questões. Por isso, neste momento, essa reunião não se realizou”, acrescento Perkov.
De algum modo, o porta-voz deu a entender que, na chamada “oferta final” de Trump – a julgar pelas informações vazadas por veículos estadunidenses como Axios e o Washington Post, e depois reproduzidas por jornais europeus –, há pontos que também desagradam à Rússia, como, por exemplo, “congelar” os combates na linha de frente sem libertar a totalidade das quatro regiões que o Kremlin considera russas, razão pela qual não se deve esperar um cessar-fogo em breve.
“Em torno de um eventual arranjo, existem nuances que precisam ser discutidas, e ainda é necessário aproximar posições. O trabalho continua”, declarou Peskov, após a declaração lançada desde a Índia pelo vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, advertindo que Washington poderia abandonar seus esforços de mediação se não houver avanços nos próximos dias.
Trégua de Páscoa
Fracassou a trégua de 30 horas que o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou e que seu homólogo ucraniano, Volodymir Zelensky, se comprometeu a respeitar em razão da Páscoa. Rússia e Ucrânia tentaram responsabilizar seu inimigo por violar incontáveis vezes o cessar-fogo, lançando acusações recíprocas entre 19 e 20 de abril.
Nenhum dos dois, certamente, denunciou ataques com mísseis nem drones de longo alcance, o único aspecto positivo nos campos de batalha nesta Páscoa celebrada por ortodoxos e católicos em ambos os países.
“As tropas ucranianas bombardearam 444 vezes com canhões e morteiros as posições de nosso exército, realizaram 900 ataques com aparelhos aéreos não tripulados tipo quadricóptero e lançaram diversos tipos de munição, entre eles 12 bombardeios, 33 ataques com drones com carga explosiva e sete lançamentos de projéteis nas zonas fronteiriças de Briansk, Kursk e Belgorod”, declarou o Ministério da Defesa russo, em seu relatório diário de guerra.
Como resultado, acrescenta, “registraram-se vítimas entre a população civil e danos em instalações não militares”.
Enquanto o departamento militar russo assegura que cumpriu ao pé da letra a ordem de Putin, Zelensky disse que, desde que foi anunciado o cessar-fogo e até as 21h30, “a Rússia violou quase 2 mil vezes a trégua de Páscoa”.
Após ouvir o relatório do comandante em chefe do exército ucraniano, Oleksandr Syrskyi, resumido pelo portal de notícias Ukrainskaya Pravda, Zelensky afirmou que as tropas russas realizaram 67 tentativas de assalto em diferentes locais e houve 1.335 bombardeios, dos quais 713 foram com armamento pesado e 673 com drones carregados de explosivos. Já o Estado-Maior do exército ucraniano documentou 86 combates em 20 de abril, “sobretudo nas frentes de Kramatorsk, Pokrovsk e Kursk”.
“A Ucrânia propõe renunciar a todo tipo de ataque com drones de longo alcance e mísseis contra infraestruturas civis por um período de não menos que 30 dias, com possibilidade de prorrogação. Se a Rússia se recusar a fazê-lo, será uma prova clara de que o único que lhe interessa é continuar a guerra e seguir matando nosso povo”, disse Zelensky.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, respondeu de forma categórica à imprensa sobre se a Rússia iria prolongar o cessar das hostilidades: “O presidente (Putin) não emitiu outra ordem”. Nesse sentido, a trégua terminaria às zero horas de segunda-feira, 21 de abril. E assim aconteceu.
Putin, que se declara crente, assistiu na noite anterior à vigília pascal na Igreja de Cristo Salvador, o principal templo da Igreja Ortodoxa Russa, e em 20 de abril felicitou, através da página oficial do Kremlin, todos os cristãos ortodoxos: “A grande celebração da Páscoa nos traz amor, esperança, fé na bondade e na justiça, e nos une em torno de firmes ideais espirituais e morais”, declarou o mandatário russo, destacando a contribuição do patriarca Kirill, principal hierarca da Igreja Ortodoxa Russa, “para o desenvolvimento de uma cooperação frutífera entre o Estado e a Igreja, e em apoio aos defensores da pátria”.
O serviço de imprensa do Kremlin informou que Putin presenteou o patriarca Kirill com um ovo de Páscoa pintado por ele mesmo.
Por sua vez, em um vídeo diante da catedral de Santa Sofia, em Kiev, Zelensky também se dirigiu em 20 de abril aos fiéis de seu país: “(…) Cedo ou tarde, embora de maneira inevitável, o mal recuará e a vida triunfará. Estamos unidos nisso. Todos os dias, e especialmente hoje, quando os ucranianos de todas as confissões celebram a Páscoa na mesma data. Juntos. Lutamos juntos pela Ucrânia e rezamos juntos pela Ucrânia.”
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