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Foto: Memorial da Resistencia de São Paulo

Olavo Hanssen: o assassinato do assassinado pela ditadura militar

A distribuição de panfletos e a postura resistente custou ao brasileiro Olavo Hanssen uma vida que foi duplamente assassinada!
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

Ditadura Militar: Primeiro de Maio de 1970

Os Primeiros de Maio, por décadas e décadas, foram dias de luta dos trabalhadores por direitos e conquistas, aliás, sua própria afirmação como classes sociais. Na ditadura Vargas, o peleguismo trabalhista atrelado ao Estado tentou transformá-los em dias dedicados a festas e shows, enquanto a polícia reprimia os atos que fossem reivindicatórios ou políticos.

Na História, os ditadores e as oligarquias sempre reprimiram esses dias. E foi exatamente isso o que ocorreu sob os tristes céus brasileiros de 1970. Sob a feroz ditadura militar, poucos grupos organizados arriscavam-se a se manifestar.

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Um deles, um pequeno núcleo partidário, realizou a distribuição de panfletos no pátio de esportes em Vila Zélia, no ABC paulista. Um dos coordenadores desse pequeno grupo (Partido Operário Revolucionário) era um ex-estudante de Faculdade Politécnica da U.S.P. que decidira assumir uma experiência proletária, deixando a faculdade e trabalhando numa indústria química.

Seu nome, Olavo Hanssen

Preso exclusivamente por esse motivo, a distribuição de um panfleto, ele e mais alguns de seus companheiros foram encaminhados à Oban, futuro DOI-CODI, onde nem sequer foram interrogados, dado que os militares acharam seu delito “pouco relevante”. Foram encaminhados ao DOPS e recolhidos às diversas celas. Lá os policiais verificaram que Hanssen já havia sido preso cinco vezes, sempre por distribuição de panfletos para trabalhadores.

Somente no dia cinco de maio, Olavo subiu para interrogatório, onde foi supliciado por mais de seis horas pelos facínoras: os delegados Josecyr Cuoco e Milton Dias, investigadores como Sávio e Campeão, todos filhotes do chefão Sérgio Paranhos Fleury, que por esses tempos estava relativamente afastado do DOPS.

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Por não contarem com os telefones de campanha dos militares, Hanssen foi torturado com choques emitidos por tubo de imagem de televisor, com altíssima voltagem e não desprezível amperagem! Pendurado no pau-de-arara, sofreu pancadas com pedaços de madeira na região dos rins.

De todo o seu grupo, apenas ele foi submetido ao suplício, dada a opção de trocar uma carreira promissora, buscar ser um operário e distribuir panfletos!

Fui transferido para o DOPS no dia 8 de maio e, por coincidência, colocado na mesma cela que Olavo Hanssen.

Olavo não caminhava e suas extremidades, braços, mãos, pernas e pés apresentavam-se altamente edemaciadas (inchadas), praticamente não urinava. Soube pelos outros companheiros presos que, após insistirem com a carceragem por atendimento médico, um tal de Dr. Ciscato o havia examinado e recomendado “água”, um ou dois dias atrás.

Para mim, um mero estudante de medicina, era claro o quadro de insuficiência renal; ou se fazia o pronto-socorro médico ou ele morreria.

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Quando externei minha opinião, todos os demais presos pressionaram a carceragem e, finalmente, na noite deste mesmo dia, com Olavo já inconsciente, em coma, foi retirado da cela para ser “tratado”.

No dia 10 de maio os familiares de Olavo foram comunicados de sua morte.

Os legistas que assinaram o laudo da causa atestaram: “parada renal com sinais de envenenamento por Paration”, veneno para ratos.

O elemento militar

Olavo foi levado às pressas para o Hospital do Exército. No dia 10 de maio, um funcionário do IML (Instituto Médico Legal) visitou a família e deu a versão de que Olavo se suicidara no dia 9 usando um veneno, e que o corpo fora encontrado em um terreno baldio, nas imediações do Museu do Ipiranga. Na realidade, oficiais militares haviam injetado um inseticida em Olavo, a fim de comprovar o suicídio por envenenamento.

A tentativa de ocultar o assassinato sob tortura foi denunciada. No dia 13 de maio, durante a ditadura militar, representantes das federações dos bancários e dos químicos e de 21 sindicatos redigiram um telegrama pedindo providências para o esclarecimento dos fatos, enviando ao presidente da República, a parlamentares, à imprensa e a autoridades locais e internacionais.

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Uma grande campanha foi empreendida denunciando sua morte. Os deputados Franco Montoro e Oscar Pedroso Horta denunciaram o caso na Câmara, o MDB levou o caso o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Diante das denúncias, o governo abriu um IPM (Inquérito Policial Militar) para apurar as possíveis irregularidades.

O inquérito foi encerrado dois meses depois, com o seguinte parecer: “Olavo Hanssen praticara o suicídio com Paration, que conseguira manter escondido em suas vestes após a prisão”. Assim, o juiz-auditor, o canalha Nelson Machado da Silva Guimarães, arquivou o caso.

Responsabilização tardia

O Estado brasileiro só foi responsabilizado em 29 de fevereiro de 1996, no caso 82/96 da CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos), comandado pelo relator Oswaldo Pereira Gomes, que destacou: “‘é inaceitável a versão de suicídio e encontro do cadáver em via pública”. A distribuição de panfletos e a postura resistente custou ao brasileiro Olavo Hanssen uma vida que foi duplamente assassinada!

Primeiro, pela insuficiência renal aguda, fruto da tortura recebida e, depois, pela aplicação na veia, quando moribundo ou já morto, de veneno contra ratos. De acordo com o jornalista Elio Gaspari, o assassinato de Olavo teria sido o primeiro “embaraço” do governo Médici, que até então negava a existência de tortura nas prisões. O caso obteve a primeira condenação do Estado brasileiro pela (CIDH) Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), além de queixa feita à Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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Olavo foi homenageado com uma rua no bairro Jova Rural, zona norte de São Paulo.

Em Mauá, cidade onde ainda reside sua família, a Escola Estadual Olavo Hanssen leva seu nome.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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