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Arte: Udo J. Keppler (1872-1956)

Operação Northwoods: o plano terrorista dos EUA para justificar ataque a Cuba em 1962

O objetivo da Operação Northwoods era enganar estadunidenses e a comunidade internacional para que apoiassem uma agressão à Cuba e a derrubada de Fidel
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

No início dos anos 60, os serviços secretos dos Estados Unidos idealizaram um conjunto de operações destinadas a quebrar a Revolução Cubana. Derrubar o governo de Fidel, submeter seu povo e apoderar-se inclusive da ilha para considerá-la parte do território dos EUA foi o sonho que alimentou os operativos elaborados pela política ianque, e que subsistem até hoje. Um desses operativos acaba de vir à luz e é conhecido como a Operação Northwoods (“Bom Norte”, em tradução literal).

A curiosidade de amigos que vivem em um país irmão e que compartilham conosco combates e ilusões registrou o caso, que chegou às minhas mãos recentemente e que, aliás, foi ocultado sigilosamente pela “Grande Imprensa”, sempre empenhada em encobrir os latrocínios do Império. Vejamos.

Trata-se, de fato, de um documento de 12 páginas assinado pelo Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos em 1962 e através do qual se apresenta um “plano secreto”, orientado a cometer ações atrozes destinadas a justificar uma agressão armada contra Cuba, ordenada pela Casa Branca. Para que a provocação fosse mais verossímil, os atos deveriam ser consumados contra cidadãos dos Estados Unidos, sobretudo políticos e personalidades diversas particularmente notáveis.

O objetivo era executar atos terroristas em cidades da União, no que se conhece como uma “operação de bandeira falsa”, ou seja, culpar Cuba para enganar os estadunidenses e fazer com que apoiassem a guerra destinada a derrubar Fidel Castro. “Poderíamos desenvolver uma campanha de terror comunista cubano na área de Miami, em outras cidades da Flórida e inclusive em Washington”, afirma o documento, entre dezenas de outras ideias violentas de como incitar a hostilidade estadunidense contra a ilha, considerada um objetivo imediato.

Iniciativa macabra

No texto, propõe-se até mesmo assassinar soldados estadunidenses e até uma iniciativa macabra: “Poderíamos fazer explodir um barco estadunidense na Baía de Guantánamo e culpar Cuba” e “as listas de baixas nos periódicos estadunidenses causariam uma útil onda de indignação nacional”.

Segundo parece, o então presidente Kennedy rejeitou o conjunto de propostas da Operação Northwoods quando o plano chegou à sua mesa. Logo depois, como se sabe, ele foi assassinado. E a primeira tentativa da CIA foi vincular Cuba e a União Soviética a esse crime, atribuindo-o a Lee Harvey Oswald, a quem consideraram um “franco atirador ao serviço dos comunistas”.

J.F. Kennedy | Pt. 1: documentos secretos indicam possível envolvimento da CIA

Como se recorda, Oswald foi assassinado na própria sede policial onde se encontrava detido, por Jack Ruby, em uma ação altamente suspeita. Contra essa tese, no entanto, circulou a ideia de que Kennedy foi assassinado por Israel, que supostamente “controla o Estado Profundo” dos Estados Unidos. Hoje, Donald Trump considera o “Estado Profundo” como “um suposto grupo obscuro que exerce uma influência indevida sobre as políticas governamentais, independentemente da administração eleita”.

Hoje se sabe que a proposta da Operação Northwoods faz parte de um texto mais extenso, intitulado “Justificação da Intervenção Militar dos Estados Unidos em Cuba”, que o governo estadunidense manteve em pauta por vários anos. Também se sabe que essa coleção ultrassecreta de rascunhos de memorandos foi escrita pelo Departamento de Defesa (DoD) e pelo Estado-Maior Conjunto (JCS) e apresentada ao então Secretário de Defesa Robert McNamara em 1962. Mas o documento foi desclassificado na biblioteca da Agência Central de Inteligência, a CIA.

Incidentes articulados em Guantánamo

A ideia era planejar incidentes articulados em Guantánamo e arredores para dar uma aparência genuína de “obra de forças cubanas hostis”. O plano incluía tudo, desde iniciar rumores até “desembarcar cubanos amigos em uniforme para realizar atos em bases militares e fazer explodir munições dentro das instalações”. A lista também incluía um plano para “queimar aviões em uma base aérea” e afundar um barco próximo à entrada do porto de uma base não especificada e, depois, “realizar funerais para vítimas simuladas”.

O objetivo era enganar o público estadunidense e a comunidade internacional para que apoiassem um esforço bélico e derrubassem o então líder de Cuba, o comunista Fidel Castro. Eisenhower desenvolveu o plano para derrubar Castro, conhecido como a Invasão da Baía dos Porcos, que foi levada a cabo em abril de 1961 por seu sucessor, John F. Kennedy.

J.F. Kennedy | Pt. 2: enquanto acompanhava assassino, CIA espionou Cuba e URSS

Este, no entanto, não se atreveu a ordenar a participação direta de tropas estadunidenses no ataque, razão pela qual foi duramente criticado pelos grupos contrarrevolucionários que operavam em Miami. Eles teriam tido algo a ver, posteriormente, com seu assassinato.

A Operação Northwoods permaneceu em segredo por quase 40 anos, até que a Junta de Revisão de Registros do Assassinato de JFK a publicou como parte de 1.521 páginas de registros militares anteriormente classificados, que abrangiam o período de 1962 a 1964.

Promessas de Donald

Operação Northwoods previa atacar cidadãos dos Estados Unidos, sobretudo políticos e personalidades diversas particularmente notáveis (Arte: Udo J. Keppler, 1872-1956)

Agora, Donald Trump prometeu tornar públicos todos os documentos classificados relacionados ao assassinato de JFK, o que poderia levar a novas revelações sobre as atividades do governo estadunidense nos anos 60. Há, sem dúvida, numerosos arquivos secretos a serem desclassificados nos Estados Unidos.

Alguns deles estarão, sem dúvida, relacionados a Cuba, Nicarágua e Venezuela; mas outros, a operativos estadunidenses no Oriente Médio — Iraque, Irã e outros países —, mas também no Afeganistão, Líbia e Síria, onde o “trabalho” de inteligência desenvolvido pelos EUA foi notório.

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É importante que esses documentos desclassificados venham à luz; mas seria igualmente importante que a “Grande Imprensa” de nossos países os entregue ao domínio cidadão.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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