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Segundo a pesquisadora Monica Bruckmann, a América Latina não está fazendo uma escolha inteligente ao escolher se aliar com os EUA.
Mariana Pitasse entrevista Monica Bruckmann*
As transformações políticas que estão acontecendo no Brasil e na América Latina têm impacto não só local, mas no mundo todo. Com o objetivo de discutir essas mudanças na economia mundial, o colóquio “Hegemonias e Contra-hegemonias, Sistema Mundial e Integração Regional” vai acontecer na próxima semana, entre os dias 09, 10 e 11 de agosto, no Rio de Janeiro. O evento, que tem vasta programação na Câmara Municipal, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e no campus Praia Vermelha da UFRJ, também marca as comemorações dos 50 anos do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) no Brasil.
Para saber um pouco mais sobre as discussões que acontecerão no evento, o Brasil de Fato conversou com a pesquisadora Monica Bruckmann, coordenadora do Grupo de Trabalho Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial do Clacso. Segundo a pesquisadora, o mundo está passando por um grande projeto reestruturação que tem impacto muito grande para a América Latina. “Ao invés de se adaptar, o que a América Latina está fazendo mais uma vez é reproduzir a relação de dependência com os países do norte”, afirma.
Brasil de Fato – O colóquio vai discutir as profundas mudanças da economia mundial, assim como os realinhamentos geopolíticos globais. Do que se tratam?
Monica Bruckmann – A economia mundial está passando por mudanças extremamente importantes nos últimos anos. Desde 2014, a China é a maior economia do mundo. Os EUA vem em segundo lugar e a Índia em terceiro. Essas mudanças não são simplesmente econômicas, têm impacto direto na produção de ciência, tecnologia e inovação. Hoje, 29% dos cientistas e engenheiros são formados na América do Norte, enquanto 46,4% são formados na China e Índia. Os centros da economia mundial estão se deslocando para Ásia. Existem estimativas que apontam que em 2050, a hegemonia continua sendo chinesa, seguida Índia. Os EUA estarão na terceira posição. Entre as principais potências, estima-se que sete serão de países do sul, incluindo países do continente africano. Isso é uma grande mudança que estamos presenciando acontecer neste momento.
Brasil de Fato – Como a América Latina e o Brasil se inserem nesse contexto?
Monica Bruckmann – Em 2013, a China lançou a nova Rota da Seda, com grandes corredores de infraestrutura que ligam a China até a Europa e África, inclusive para transporte de minerais. É um grande projeto de reestruturação mundial que tem impacto muito grande para nossa região. É aí que o dilema fica ainda mais claro: ou continuamos reproduzindo o papel de exportador de matérias primas ou assumimos nossa soberania para agregar valor aos recursos naturais. Precisamos pensar em termos de cadeia nacional em um modelo que beneficie nossos povos.
Brasil de Fato – Como a crise política brasileira se relaciona com essa nova configuração?
Monica Bruckmann – Todo o movimento que tivemos nos últimos anos, de buscar alianças estratégias com China e os países dos BRICs está indo pelo ralo. O que a América Latina está fazendo mais uma vez é reproduzir a relação dependência com os países do Norte. A ideia dos nossos atuais governantes é que continuemos como exportadores de matéria prima sem valor agregado no momento em que deveríamos estar fazendo o contrário. Estamos vivendo uma agenda política local muito complexa no momento em que mundo está se redefinindo.
Além disso, o MERCOSUL e a Unasul não são mais considerados espaços estratégicos para o Brasil. Isso é um erro de cálculo colossal. Os atuais governantes não são capazes de ver que o mundo está mudando. Eles estão escolhendo se aliar com uma potência em decadência, que é os EUA. O único poder dos EUA que se mantém soberano é o poder de fogo. Mas isso vai mudar no médio prazo. Não é uma escolha inteligente.
Brasil de Fato – Além do papel científico, qual seria o papel político do Clacso na América Latina?
Monica Bruckmann – O Clacso é um espaço importante de produção de pensamento crítico. O pensamento crítico é produzido na academia, mas enriquece muito além dela. O Clacso é uma rede de contato com movimentos sociais e organizações em cada país que está presente. Seu foco é engrandecer a produção de pensamento crítico latino-americano. Nesse sentido, a rede está sempre acompanhado muito de perto os processos políticos que estão acontecendo na nossa região. Em todo momento que foi colocado em risco processos de avanço na região, o Clacso tem se manifestado em defesa da democracia e pelos direitos dos povos. Essa postura faz parte do que dá sentido à produção de conhecimento no âmbito do pensamento crítico.
Brasil de Fato – Acredita que o Clacso tem cumprido esse papel nos últimos anos?
Monica Bruckmann – Como toda instituição de longa história, existem momentos de maior ou menor articulação com processos políticos, mas não por uma orientação da organização e, sim, pela dinâmica de como as coisas vão se dando. Mas fato é que as pesquisas e os pesquisadores estão enfrentando desafios muito grandes nos últimos anos. Estamos lutando em defesa daquilo que é básico e que muitas pessoas acreditavam que estava garantido: a democracia e a liberdade. A pesquisa, nesse sentido, é fortemente impactada. O golpe que aconteceu no Brasil foi precedido de outros golpes em Honduras e Paraguai. Todos os avanços que tivemos nos últimos anos, no sentido de uma visão estratégica da nossa região diante do sistema mundial, foi fortemente impactado por esses golpes. Mas não só. Temos Macri eleito na Argentina, por exemplo. Todo esse contexto faz com que a ideia de unidade entre os nossos povos seja deixada de lado. Eles não querem incentivar isso. Estamos trabalhando para trazer essa discussão. Para produzir pensamento crítico sobre isso.
Brasil de Fato – Diante de tudo isso, qual a importância de relembrar os 50 anos do Clacso?
Monica Bruckmann – A memória da produção científica e da produção teórica tem que estar cada vez mais presente. A partir de uma visão de ordem colonial e eurocêntrica se reproduziu a ideia de que não temos produção científica de qualidade, mas temos sim contribuições teóricas muito importantes. Nesse sentido, relembrar 50 anos de Clacso é o momento de retomar o acervo e produção teórica do nosso continente. Só assim poderemos compreender melhor a complexidade do mundo contemporâneo e o papel que a nossa região pode ter num contexto de mudanças tão profundas.
*Original da Agência Brasil de Fato – Edição: Vivian Veríssimo