Pesquisar
Pesquisar

Os deuses das trevas: Kissinger, Pinochet e Banzer

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Martin Almada* 

Martin-Almada1À luz dos fatos, percebe-se que houve, na execução da “Operação Condor”, uma divisão de trabalho.

1) O ideólogo do plano criminoso foi Henry Kissinger, então secretário de Estado norte americano;
2) Coube a Pinochet a tarefa de limpeza comunista do aparelho de estado, sociedade civil e política. E, dentro desta concepção, dar apoio solidário aos outros países do Cone Sul
paraguai_golpe3) A cargo do general boliviano
Hugo Banzer estava a “limpeza” no seio da Igreja Católica boliviana de sacerdotes, freiras, leigos de esquerda, fórmula válida para os países do Cone Sul da América Latina.

Na reunião de Inteligência convocada para a criação da OPERAÇÃO CONDOR, em Santiago do Chile, no dia 25 de novembro de 1975, o Major do Exército Carlos Mena assinou o termo de compromisso em nome do governo boliviano, isto é, de Banzer. Ironicamente, quando Banzer morreu, em 5 de maio de 2002, a hierarquia católica boliviana fez uma cerimônia pouco usual, fornecendo ao genocida passaporte para ir direto para o céu.
Eis aqui as Instruções dadas por Banzer em 1975, mais conhecidas como RECEITA BANZER, com aprovação de Washington.
a) Não se deve atacar a igreja como instituição e menos ainda os bispos em conjunto e sim a parte da igreja mais avançada. Para o governo, o principal representante deste grupo é Monsenhor Manrique. Os ataques a ele devem ser de tipo pessoal. É preciso separá-lo da hierarquia e criar-lhe problemas com o clero nacional.
b) É preciso atacar sobretudo o clero estrangeiro vinculado exclusivamente a um grupo deles com Justiça e Paz, com a campanha de assinaturas e com um vínculo estreito com os partidos políticos de esquerda, sobretudo com o Para isso é preciso vincular sua ação à guerrilha de Teoponte, à atuação do padre Prats. É preciso enfatizar insistentemente que estes são continuadores daquele, que pregam a luta armada, que estão vinculados ao comunismo internacional e foram enviados à Bolívia com a única finalidade de levar a igreja para o comunismo.
c) Controlar muito especialmente algumas ordens religiosas, como os dominicanos, os oblatas, os jesuítas e suas vinculações com a Rádio FIDES, Pio XII, Indicep, a atividade religiosa no altiplano, com os algodoeiros e sobretudo nas Minas.
d) Colaboração da CIA. A CIA, por meio de Fredy Vargas e de Alfredo Arce decidiu entrar diretamente neste assunto. Comprometeu-se a dar informação completa sobre alguns sacerdotes, sobretudo norte americanos. Em 48 horas puseram nas mãos do Ministro do Interior informação completa sobre alguns sacerdotes (documentação pessoal, estudos, amizades, contatos com o exterior. Neste trabalho colaborou o Senhor Lamasa (John La Mazza). Também tem informação sobre outros sacerdotes e religiosas que não são norte americanos.
e) A troca do Chefe do Serviço de Inteligência Cel. Árabe se deve a isso. Ele não estava de acordo com uma luta frontal contra a Igreja. O novo Chefe de inteligência, o Major Vacaflor, é um homem muito duro, com tendências sádicas e que colaborou diretamente em algumas torturas. Ele está disposto a pôr em prática estritamente o plano.
f) Já foi criado um arquivo especial para religiosos e sacerdotes, assim como para alguns bispos e várias ordens religiosas.
g) Controle de algumas casas religiosas para manter localizados alguns sacerdotes e poder segui-los. Também deve-se controlar o Arcebispado.
h) Por princípio já não se devem invadir casas religiosas, uma vez que isto gera muita publicidade. Os sacerdotes da lista devem ser presos na rua, preferentemente em lugares onde não haja gente; ou no campo. Os Agentes devem ir vestidos de civil, em taxis contratados para o objetivo. Conta-se também com alguns Volkswagen pequenos que não têm chapa oficial mas têm comunicação por rádio.
i) À hierarquia devem-se apresentar os fatos consumados. Os religiosos presos sem nenhuma publicidade não devem ser transferidos ao Ministério ou ao DOP. Os agentes devem entrar em contato com o serviço de Inteligência pelos rádio. É conveniente que enquanto o Ministério toma as medidas mais convenientes, sejam levados nos carros a lugares distantes da cidade. Aos bispos comunicar apenas a expulsão, como um fato já realizado.
j) As detenções devem ser feitas preferentemente no campo, em ruas silenciosas ou em altas horas da noite. Uma vez realizada a captura de um sacerdote, o Ministério deve introduzir em sua carteira e se possível em seu quarto propaganda subversiva, e alguma arma (preferentemente pistola de grande calibre); deve-se também ter pronto seu histórico para desprestigiá-lo junto ao bispo e à opinião pública.
k) Por meio de alguns meios de comunicação social (sobretudo o Diário) publicar solicitadas para desprestigiar Monsenhor Manrique e aqueles sacerdotes e religiosas que representam uma linha avançada na igreja. É preciso aumentar a intimidação a PRESENCIA para que no máximo dê uma informação muito parcial dos fatos. Deve-se exigir a assinatura em qualquer comunicado, de tal modo que se possa controlar de onde vêm e quem os escreve.
l)Manter relações de amizade com alguns bispos membros da Igreja, como Monsenhor Parta, o P. Mestre, alguns sacerdotes nacionais, de tal modo que a opinião pública não pense que há uma perseguição sistemática contra a igreja nacional.
m) Foi prometido retribuir os Agentes que melhor trabalharem neste plano com os pertences que forem confiscados nas casas de alguns religiosos.
n) Neste momento já está pronta a lista dos dez sacerdotes que devem ser capturados.
o) Existe uma acusação contra Justiça e Paz, em mãos do Ministério do Interior, formada por dez sacerdotes e religiosas bolivianos.
(Diálogo Social, nº 69, Panamá, 8 de julho de 1975 que se encontra em DIAL, Paris, DIFFUSION DE L’INFORMATION SUR L’AMERIQUE LATINE, sendo seu diretor o sacerdote católico Charles ANTOINE).
A receita do general Hugo Banzer foi aplicada de imediato no Paraguai como fiquei sabendo no Campo de Concentração de Emboscada, pelas próprias vítimas da repressão desencadeada contra os camponeses da Colônia “San Isidro de Jejui” localizada a 300 km de Assunção. Esta comunidade, propiciada pela autoridade eclesiástica, era formada inicialmente por 24 famílias, um sacerdote católico, uma comunidade de religiosos contemplativos denominados “Pequenos Irmãos de Jesus” e por alguns membros da Associação Missionária Seglares da Espanha. Eventualmente, encontravam-se no lugar os cidadãos norte americanos Monsenhor Roland Bordelon e o Sr. Kevin A. Cahalan, diretores do programa CARITAS.
Às 4 da madrugada de 8 de fevereiro de 1975, um pelotão de setenta soldados, comandados pelo coronel José Félix Grau, mais conhecido como o “carniceiro da morte” assaltou a colônia camponesa, enquanto seus habitantes dormiam.
Oito camponeses assassinados, numerosos feridos e meia centena de detidos, além do incêndio de seus ranchos e do roubo de suas modestas economias, foram o balanço da ação desta brigada antisubversiva do Exército.
Na operação foram detidos e remetidos  ao Departamento de Investigações (Polícia Política) da Capital as seguintes pessoas: Monsenhor Roland Bordelon e o Sr. Kevin A. Calahan, os religiosos Jean Penard e Jean Trembais (franceses), o sacerdote Neil Rodríguez, da Congregação dos Padres do Espírito Santo, oriunda da Ilha de Trinidad, Maria Pilar Larrayos, membro da Associação Missionária da Espanha, Carlos Cabrera, diácono da Diocese, os camponeses Apolo Álvarez, Antonio Vera, Espiridion Martínez, Cleto Benítez, Modesta Ferreira e muitos outros.
A repressão provocou um enfrentamento entre a hierarquia católica local e os representantes do governo. O bispo de Concepción, Monsenhor Aníbal Maricevich, tentou proteger os perseguidos, mas o coronel Grau nem sequer permitiu que se aproximasse do lugar da represália.
Os que não obedeceram à ordem de alto, dada pelo pelotão militar, foram perseguidos pelos cachorros amestrados. O único cadáver entregue a seus familiares foi o de Arcadio Reinoso, de 57 anos, totalmente despedaçado pelos cães. O major do exército Larramendia feriu a bala o sacerdote paraguaio Braulio Maciel, que não recebeu atenção médica imediata. Maciel era membro do Presbitério de Concepción e sacerdote da Colônia.
Diante do enérgico protesto do bispo de Concepción, a resposta da maior autoridade local, José F. Martín Oddone, difundida pela estação de rádio dessa comunidade foi “Deus está no céu e Stroessner na terra”. Portanto, segundo ele, a única autoridade temporal reconhecida no Paraguai, era a do general Stroessner.
Na Argentina, um ano depois, sob a presidência do general Juan Carlos Ongania, foram assassinados os sacerdotes Carlos de Dios Muria (argentino), Gabriel Longeville (francês), Wenceslao Pedernera (leigo), e o bispo da Província de Rioja, Enrique Angelelli. O fato criminoso ocorreu em 4 de agosto de 1976.

Um lugar chamado Anillaco

O ataque de mais repercussão dos declarados inimigos do bispo Angelelli realizou-se em 13 de junho de 1973, em Anillaco, um povoado em La Rioja empobrecido pelos comerciantes que transformaram em insuficientes para viver as colheitas, submetendo os outrora autossuficientes agricultores em arrendatários de suas próprias terras ou diretamente em peões das mesmas. (Ricardo Mercado Luna, El Independiente. La Rioja, Edição Especial 1976-1996).
Para a Operação Condor, o chefe da igreja católica de La Rioja, Mons. Angelelli, era um bispo perigoso porque promovia cooperativas agrícolas, sindicatos, centros vicinais, agrupamentos de bairros para a construção de casas, fornecimento de água potável, luz elétrica, etc.
Monsenhor Angelelli aplicara sanções canônicas aos  dirigentes das forças reacionárias, em franca rebelião contra o “bispo vermelho”, fato que acelerou a mortal repressão contra ele e seus  colaboradores imediatos .
Tal como recomendara o general Banzer a sua Polícia Política, o Juiz da Causa que atendia o “acidente” fatal que sofreu Monsenhor Angelelli fez constar o achado de panfletos impressos em um mimeógrafo elétrico que se encontrava na Catedral de la Rioja e davam apoio à cooperativa agrícola de camponeses (Codetral).

Intimidades de uma negociata

Pinochet fortaleceu indústrias militares obtendo licença para fabricar e comercializar no Cone Sul armamento leve e equipamentos de combate para corpos de deslocamento rápido. O negócio teve como resultado a criação de uma nova classe civil/militar e o exemplo frutificou na região. Não há um único militar latino americano participante da “Operação Condor” que não esteja rico, com conta bancária no exterior e ações de empresas multinacionais, sem esquecer suas grandes extensões de terras.
Quando fui sequestrado, em 26 de novembro de 1974, eu era Diretor do Instituto “Juan Bautista Alberdi”. Os repressores que vieram buscar-me em uma luxuosa caminhonete Chevrolet norte americana, da General Motors, um verdadeiro CENTRO DE TORTURA MÓVEL, levaram meus livros, dinheiro, eletrodomésticos que depois apareceram nas “Casas de Empenho” que pululam na capital paraguaia. Estas casas foram e continuam sendo em sua grande maioria de funcionários policiais, e são administradas por suas esposas e filhos. Em meu caso particular, meus bens foram arrematados na casa de empenho do comissário Aurelio Cáceres Spelt.
Em 23 de maio de 1981, o comissário Alberto Buenaventura Cantero, Diretor de Política, presta contas a seu chefe, Pastor Coronel sobre o escuso negócio policial em plena vigência (Nota D.P.A nº 402) e acrescenta que “a chefia de investigações optou por não dar publicidade aos fatos mencionados, como o caso do Inspetor Principal Silvio Álvarez Zarza, para evitar escândalos e salvaguardar a instituição policial”.  Cantero refere-se ao negócio de passaportes que a própria polícia política outorgava aos militantes montoneros e do Exército Revolucionário do Povo (ERP) da Argentina e Tupamaros do Uruguai, assim como do Movimento Revolucionário do Chile (MIR). Por isso foram castigados e foi dada baixa em 1977, aos seguintes funcionários e policiais.
Comissário Víctor Genes Espínola, oficial inspetor Victorino Lobatti, oficial segundo Carlos Franco, Ángel David Pereira Ramírez, Bernardina León de Giménez, Ignacio Samaniego, Presidente da Seccional Colorada stronista (líder oficialista de base e ao mesmo tempo aparato parapolicial), Sub Comissário Gervasio Snead Marín, Nilda León Samaniego de Corvalán, Carlos Emilio Barreiro Peña.
O comissário Cantero continua historiando o delito de falsificação de cédulas de identidade e passaportes oficiais e destaca que Bernardina León de Giménez “tinha uma escrivaninha na própria Secretaria da mencionada instituição” (Diretoria de Identificações). O advogado argentino Isaac Augusto Damsky aparece como o promotor do negócio, “pagando em dólares o preço do passaporte falso”. (Arquivos do Terror 00010F 1644).
Na câmara de tortura de Assunção, o prisioneiro político uruguaio Gustavo Inzaurralde declarou, em 31 de março de 1977, que entrou em contato com a Sra. de León para obter um passaporte paraguaio para a Europa mas que, no momento em que a Sra. de León o chamou para assinar e apor a impressão digital para o passaporte foi detido pela Polícia Política. Também caíram nesta armadilha Nelson Rodolfo Santana (uruguaio), José Nell (argentino), Dora Marta Landi (argentina), Alejandro José Logoluso (argentino), Amilcar Latino Santucho (argentino), Jorge Fuentes Alarcón (chileno).
 
*Martin Almada, vítima da Operação Condor e descobridor de seus arquivos secretos é colaborador de Diálogos do Sul – Tradução de Ana Corbisier – Assunção, maio de 2015.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Revista Diálogos do Sul

LEIA tAMBÉM

Genocídio e genocidas um tema do presente, passado e futuro
Genocídio e genocidas: um tema do presente, passado e futuro
Dina Boluarte - desqualificada para governar, expert em obstruir a justiça
Dina Boluarte: desqualificada para governar, expert em obstruir a justiça
Chile processa general que “facilitou” crimes de policiais durante protestos de 2019
Chile processa general que “facilitou” crimes de policiais durante protestos de 2019
Espanha deve pedir perdão ao México e abandonar desmemoria, afirma historiador
“Espanha deve pedir perdão ao México e abandonar desmemória”, afirma historiador