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As debilidades do sistema marginalizam e condenam a infância.
Carolina Vásquez Araya*
Imagine que nasceu onde a maioria das meninas e meninos neste planeta: uma choça humilde com chão de terra e um teto que sai voando a cada inverno. Uns pais frustrados, cansados e carentes das ferramentas educativas capazes de oferecer uma saída aos seus múltiplos problemas. Um sistema de governo orientado a favorecer a um grupo pequeno de políticos e empresários cujos objetivos estão cada vez mais afastados das urgentes necessidades suas e de seu núcleo familiar.
Seus requisitos de alimentação, vestuário e atenção sanitária, obviamente, não serão satisfeitos e, ao ter nascido de uma mãe mal alimentada e sem ideia alguma sobre os passos necessários para desenvolver uma criação adequada, suas opções de sair bem dessa primeira etapa de sua vida são bastante escassas. Mas suponhamos que já passou por isso e tem idade para ir à escola. Na sua vizinhança, assentamento, casario ou como se chame o lugar onde vive, esse luxo não existe. Para assistir as aulas deverá empreender uma longa caminhada afrontando riscos desconhecidos, como sofrer um acidente ou ser capturado por um dos numerosos bandos de delinquentes dedicados ao tráfico de pessoas.
Ao chegar à escola – tendo a sorte de superar o temor e a travessia – encontra-se com um cenário novo, um espaço parecido com sua própria casa: chão de terra, teto volátil. Uma professora ou professor impotente para satisfazer, dada a pobreza dos recursos didáticos, às necessidades de um grupo de alunos cheio de expectativas. E assim passam os anos de uma infância considerada em cada período eleitoral “o futuro da Pátria”, “a esperança do porvir”, “a nova geração de líderes”.
No entanto, essa “nova geração de líderes”, já perdeu uma alta porcentagem de seu potencial intelectual e físico devido à falta de uma correta alimentação desde o momento da concepção. Os nutrientes indispensáveis para o desenvolvimento de seu cérebro, músculos e ossos não figuram na frugal dieta à qual se acostumou seu pequeno corpo, um cardápio reduzido de acordo com as escassas possibilidades econômicas, agravado por falta de informação sobre nutrição e um ambiente pouco propício em termos de higiene e sanidade. Este quadro já tem nome, chama-se “desnutrição crônica” e também tem sido profusamente analisado e publicado em sensatos relatórios de especialistas contratados por poderosas organizações. Também se reflete em uma estatística que aumenta a cada ano apesar dos “importantes avanços” anunciados pelos diversos ministérios e instituições criadas ad hoc.
Imagine agora de que forma um país, cuja jovem população sofre semelhante abuso poderia algum dia alcançar o desenvolvimento. Não há que ser tão ambicioso e esperar um desenvolvimento tipo europeu, isso nem pensar. Talvez, aspirar a um desenvolvimento modesto capaz de proporcionar um bem-estar mínimo à maior parte da infância e juventude, com ênfase na satisfação de suas necessidades nutricionais e educativas. Nada impossível para uma sociedade consciente e responsável, com visão suficiente para compreender onde estão suas prioridades.
O drama da infância e da juventude não parece ter fim em países governados por uma casta de políticos, cuja consigna é tirar o máximo proveito do poder para afiançar os privilégios de seus financistas e assim assegurar o futuro econômico de suas próximas gerações. Enquanto seja esse o objetivo e não exista uma visão de nação com a vontade firma de mudar essa perspectiva, o colapso geral será inevitável.
*Colaboradora de Diálogos do Sul, da Cidade da Guatemala
Blog da autora http://www.carolinavasquezaraya.com